Morte de PM feminina em quartel de Manaus está há 6 anos sem esclarecimento
Um tiro na cabeça matou a soldado Deusiane da Silva Pinheiro no quartel do BPAmb (Batalhão de Policiamento Ambiental) de Manaus, no fim da tarde de 1º de abril de 2015.
A morte foi classificada inicialmente como suicídio, mas depois o MP-AM (Ministério Público do Amazonas) concluiu que houve um assassinato e denunciou o cabo Elson dos Santos Brito como autor do crime. Deusiane tinha 26 anos quando morreu, era policial militar desde 2009 e mantinha um relacionamento amoroso com Brito. Ele alega inocência.
Porém, a Vara da Auditoria Militar não proferiu sua decisão em relação ao caso até hoje, mais de seis anos depois da morte da soldado.
A demora já alcança o dobro da média nacional, quando se trata de processos judiciais. Dados do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) indicam que o tempo médio de tramitação dos processos nos tribunais brasileiros é de três anos.
Os números são referentes ao ano de 2020 e não levam em conta os processos da área fiscal, que costumam demorar mais tempo.
A denúncia
Brito foi acusado de homicídio qualificado (crime com pena de 12 a 30 anos). Segundo a denúncia, ele havia reatado com sua ex-companheira, mas desejava manter o namoro com Deusiane. Para o MP-AM, o impasse teria culminado no assassinato da soldado.
"A vítima decidiu que iria terminar a relação, mas Elson Brito não aceitava o fim do relacionamento e passou a fazer ameaças", lê-se na denúncia.
Durante as investigações, o exame das pistolas revelou que a arma que estava com Brito estava com o ferrolho da pistola de Deusiane. A presença de sangue no ferrolho foi um dos fatores usados pela perícia para determinar a arma de onde partiu o tiro que matou a soldado.
Com a troca de ferrolhos, o disparo foi atribuído à pistola de Deusiane - mas teria partido, na verdade, da arma de Brito.
O MP-AM também denunciou os policiais militares Cosme Moura Souza, Jairo Oliveira Gomes, Júlio Henrique da Silva Gama e Narzízio Guimarães Neto, presentes no quartel no momento do disparo, por falso testemunho (crime com pena de 2 a 6 anos). Eles são acusados de não terem informado em seus depoimentos sobre a manipulação das armas envolvidas no crime.
Como os policiais militares disseram que chegaram ao local logo após o tiro, o MP-AM afirma na denúncia ser impossível que eles não tenham presenciado a troca dos ferrolhos.
Caminhos da investigação
Pelo artigo 142 da Constituição, só a Justiça Militar pode atuar em ocorrências do tipo. As investigações concluíram, a princípio, que não havia indícios suficientes de homicídio, embora colocassem como "fundamental" a análise do resultado dos exames residuográficos, de reprodução simulada e de autópsia psicológica (que ainda não estavam prontos àquela altura).
Os exames residuográficos não apontaram presença de chumbo nas mãos de Deusiane ou de Brito (embora ele só tenha se submetido ao teste mais de 48h após a morte).
Já a reprodução simulada sinalizou a falta de elementos que validassem a hipótese de homicídio e a autópsia psicológica apontou que Deusiane não tinha tendências suicidas.
O caso parecia que se encaminhava para um arquivamento, mas o juiz responsável pelo caso negou encerrá-lo por conta do histórico de corrupção do BPAmb.
O magistrado lembrou que existiam nos autos "relatos de policiais militares acerca de irregularidades ou esquemas de corrupção", que "não afastam a possibilidade de ter havido alguma forma de acobertamento da situação trágica".
Isso levou o MP-AM, que antes queria o arquivamento, a uma nova análise das provas e deu origem à denúncia contra Elson e os outros PMs, oferecida em 2017.
Vítima falou em corrupção no quartel
A família de Deusiane acredita que se trata de um caso de "queima de arquivo".
Mãe de Deusiane, Antônia Assunção da Silva descarta a hipótese do suicídio. A filha era evangélica como ela e havia lhe relatado que Brito e outros membros do BPAmb faziam parte de um esquema de corrupção.
"Ela comentou comigo que 30% dos policiais que trabalhavam lá eram corruptos", diz Antônia.
O próprio Brito teria contado do esquema a Deusiane que, ao saber disso, teria decidido sair do batalhão e passado a sofrer ameaças do companheiro, afirma a mãe da soldado.
"Ela tinha descoberto que eles pegavam dinheiro para deixar passar um caminhão com tora de madeira com droga dentro", afirma Antônia. "Ela estava preocupada com as coisas que tinha visto", diz.
Ferimentos e ameaças
Outros fatores levam a mãe de Deusiane a acreditar que sua filha foi assassinada. Ela conta que recebeu o corpo da soldado com dois dedos do pé quebrado e vários hematomas.
"Do lado das costas, estava tudo preto, como se tivessem batido muito", diz.
Entretanto, essas informações não constam no laudo do exame necroscópico.
Além disso, Antônia diz que passou a sofrer perseguição após ter repassado à polícia as denúncias de corrupção sobre as quais tomou conhecimento por meio da filha.
Ela conta que carros rondam a sua vizinhança e que, numa audiência realizada em 03 de julho de 2018, Brito compareceu com um punhal, que deixou à mostra para que ela visse.
Em outra ocasião, sua casa teve o portão arrombado na madrugada, ela afirma.
A advogada da família, Martha Gonzales, pediu ao MP-AM que requeresse à Justiça a prisão de Brito. Porém, o órgão afirmou que a prisão não se justificava, num entendimento confirmado pelo juiz.
"Existe uma força externa muito grande para que este caso não seja resolvido", afirma a advogada Martha Gonzales.
Outro lado
Advogado de Brito, Frederico Gustavo Távora diz que seu cliente é inocente porque a perícia indicou que a posição em que o corpo foi encontrado, as manchas de sangue e outros indícios são compatíveis com suicídio.
"Não se produziu nenhuma prova testemunhal capaz de contradizer esse laudo", afirma.
Sobre a suspeita de ilegalidades no batalhão, Távora lembra que nenhum dos acusados na denúncia do MP é investigado por corrupção. "Não se tem sequer indícios de que isso tenha ocorrido naquela unidade", diz ele.
Já Mozarth Bessa, advogado dos demais acusados, diz que o BPAmb sempre contou com armamento sucateado (ou seja, armas que reuniam peças de diferentes armas numa só). Ele argumenta inclusive que a situação é objeto de um inquérito tocado pela Polícia Civil. Logo, os itens não teriam sido manipulados na hora do crime, o que inocentaria seus clientes.
"As armas foram montadas não por eles, mas sim pelo batalhão", afirma.
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