Estorninho: Pássaro que vive em bandos chega ao Brasil e gera preocupação
Uma nova praga com potencial de se espalhar pelo Brasil está deixando especialistas em alerta, por sua característica de predar pequenos animais, destruir lavouras e transmitir doenças. Mas não se trata de um novo inseto ou invertebrado, como no famoso caso das nuvens de gafanhotos. Dessa vez, o vilão é um pássaro: o estorninho.
As aves chegaram ao país pela região Sul, onde já se espalharam por cinco cidades gaúchas, e vem sendo acompanhadas pela engenheira florestal Sílvia Ziller, doutora em conservação ambiental, que investiga a disseminação dessa e de outras espécies exóticas invasoras no País.
Comum na Europa, Ásia e norte da África, o Sturnus vulgaris chegou ao Sul do Brasil pelo Uruguai, que já havia sido invadido por pássaros dessa espécie, migrando da Argentina, onde foram introduzidos em 1980. As aves acabaram se adaptando e se espalharam pelo entorno de Buenos Aires e, depois, para outras regiões, alcançando as fronteiras e invadindo o Uruguai.
Pelo fato de o Uruguai possuir uma fronteira "seca" com o Brasil, o estorninho chegou ao Rio Grande do Sul e já pode ser avistado em pequenos bandos, tanto em áreas rurais quanto urbanas. O primeiro avistamento ocorreu em 2014, em Lavras do Sul. Sete anos depois, a espécie já está presente em pelo menos outras quatro cidades gaúchas: Aceguá, Bagé, Chuí e Santa Vitória do Palmar.
Com 21,5 centímetros de comprimento e pesando de 70 a 100 gramas, esse pássaro escuro, com manchas brancas nas penas e uma plumagem iridescente no peito, nuca e costas, compete com a fauna nativa por alimento e locais para fazer seu ninho. Ele preda invertebrados nativos e provoca danos agrícolas a lavouras e pomares.
Os estorninhos são velhos conhecidos dos agricultores norte-americanos, que até hoje lutam para se livrar deles. Voando em bandos, eles parecem saídos do filme "Os Pássaros'', de Alfred Hitchcock. São aves que se aglomeram em grande número e fazem evoluções de forma sincronizada, como se fossem um corpo só. Apesar de ser uma espécie parente da gralha, pode se comportar como um corvo.
"O estorninho consta na lista das cem piores espécies exóticas invasoras, elaborada anos atrás pela IUCN (União Internacional para a Conservação da Natureza)", esclarece a engenheira, que é fundadora do Instituto Hórus de Desenvolvimento e Conservação Ambiental. É na base nacional de dados desse instituto que podem ser encontrados detalhes sobre sua presença no país.
"Esses animais são altamente adaptáveis, inclusive a ambientes urbanos, onde podem causar danos a estruturas e tornar-se um incômodo para as pessoas. Além disso, são onívoros", afirma Silvia.
Isso significa que se alimentam tanto de vegetais quanto de proteína animal. Gostam muito de frutas e grãos e podem se tornar um sério problema para a agricultura. Além de carregarem várias doenças e parasitas, como salmonela, toxoplasmose, ácaros e carrapatos. São, portanto, um risco ambiental, econômico e de saúde pública. E se reproduzem prolificamente: uma fêmea pode gerar três ninhadas de 4 a 6 ovos numa única estação reprodutiva.
Shakespeare e a extinção do pica-pau
Nos EUA, o pássaro provocou estragos. Corpulento e extremamente agressivo, o estorninho forma bandos grandes e destrói os habitats que invade, além de avançar sobre as plantações dos agricultores. Estima-se que, a cada ano, essa espécie invasora gere quase US$ 1 bilhão (cerca de R$ 5,7 bi) em prejuízo às colheitas, principalmente de árvores frutíferas.
Até a extinção do pica-pau-bico-de-marfim (Campephilus principalis), ave que inspirou o personagem do desenho "Pica-Pau", pode estar conectada à sua voracidade, segundo pesquisadores. Quando não se alimentam dos ovos de vizinhos de outras espécies, os estorninhos simplesmente os arremessam do ninho. E costumam fazer os próprios ninhos em ocos de árvores, desalojando a bicadas pássaros nativos, como o pica-pau.
Ocorreram várias tentativas de acabar com os estorninhos em mais de um século, desde que foram introduzidos em terras norte-americanas por um fã de Shakespeare. Pássaros como o estorninho são citados em várias das obras do escritor inglês. Em 1890, para ajudar na adaptação dos europeus à América, um farmacêutico aficionado pelo autor, Eugene Schieffelin, teve a ideia de soltar dezenas de estorninhos em Nova York.
O que parecia uma atitude inocente mudou o ecossistema dos EUA, pois os pássaros invadiram cidades e estados inteiros. Os americanos já atiraram neles, tentaram eliminá-los com veneno, prendê-los em armadilhas e assustá-los. Mas nada conseguiu impedir o avanço dos mais de 200 milhões de estorninhos que existem por lá atualmente.
Faísca e Fumaça
"Você se lembra de um desenho chamado Faísca e Fumaça?", pergunta a doutora Silvia, fazendo referência ao desenho animado criado em 1946, por Paul Terry, cujos protagonistas são dois corvos que aprontam confusões em situações surreais.
"Esses personagens representam bem o estorninho. Ele é destemido, eficaz e agressivo, difícil de combater", explica a engenheira, que está participando de um projeto governamental que visa otimizar a detecção precoce de espécies invasoras.
Temos exemplos em outros países do que aconteceu após essa invasão. Se não existe uma ação efetiva pouco tempo após o registro, o combate à espécie invasora fica mais difícil. E é isso que nós tentaremos resolver.
Para ela, o fato de o primeiro registro da presença do estorninho no Brasil ter sido comunicado às autoridades estaduais em 2014, e até o momento, nada ter sido feito para impedir sua disseminação é uma evidência da necessidade de um protocolo de resposta no país.
"Estão em elaboração protocolos de detecção precoce e resposta rápida à invasão por novas espécies. O estorninho é só um exemplo de espécie que chega, é notificada, mas nada é feito para impedir o impacto", conclui.
Avistamentos de grandes bandos destes pássaros são comuns nos EUA, gerando curiosidade, como em 2020, quando um grupo grande tomou o estacionamento de um estabelecimento comercial.
Procurada pelo UOL, a Secretaria do Meio Ambiente e Infraestrutura do Rio Grande do Sul informa que o controle de espécies em vida livre, como o estorninho, é de "competência prioritária" do Ibama, órgão ambiental federal.
"Ainda assim, a Sema, por meio do Programa Estadual de Controle de Espécies Exóticas Invasoras, criado em 2018, desenvolve ferramentas de monitoramento e detecção precoce para evitar que invasões se estabeleçam em território gaúcho", explica o órgão, em nota.
"Todas as espécies invasoras que são registradas no RS e reportadas para a Sema são acompanhadas pelo programa. A última lista de espécies invasoras (Portaria nº 79 de 2013) contém mais de 100 espécies invasoras presentes no Rio grande do Sul".
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