Topo

Suspeitos do caso Belford Roxo têm fichas marcadas por homicídios e tortura

Tia Paula, Doca, Piranha e Estala são apontados como responsáveis por mortes de meninos em Belford Roxo (RJ) - Divulgação / Polícia Civil
Tia Paula, Doca, Piranha e Estala são apontados como responsáveis por mortes de meninos em Belford Roxo (RJ) Imagem: Divulgação / Polícia Civil

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

12/12/2021 04h00

Os quatro suspeitos de envolvimento no caso de Belford Roxo (RJ) cujas identidades foram reveladas pela Polícia Civil já possuíam extensa ficha criminal antes de as mortes dos três meninos serem dadas como elucidadas na última quinta-feira (9). Associação para o tráfico, homicídio e tortura estão entre os crimes dos quais foram acusados.

Na ordem da foto acima, Ana Paula da Rosa Costa, a Tia Paula, Edgard Alves de Andrade, o Doca, José Carlos dos Prazeres Silva, o Piranha e Wiler Castro da Silva, o Estala. Com funções delimitadas e níveis hierárquicos bem definidos, todos atuavam segundo a Polícia Civil no tráfico de drogas da comunidade do Castelar, na Baixada Fluminense.

Apesar de todos serem tratados como suspeitos no inquérito, a polícia diz crer que apenas Doca esteja vivo. Ele é considerado foragido e estaria escondido no Complexo da Penha, zona norte carioca.

Segundo as investigações, os outros três foram assassinados a mando da cúpula da facção criminosa CV (Comando Vermelho) após a repercussão do desaparecimento de Fernando Henrique Soares, 11, Lucas Matheus, 8, e Alexandre da Silva, 10, em 27 de dezembro de 2020. Como os corpos dos suspeitos não foram encontrados, a Polícia Civil ainda os trata como suspeitos e vivos.

A polícia utilizou inquéritos e processos judiciais antigos para remontar a trama do tráfico de drogas no Castelar e, assim, chegar aos responsáveis pela morte das crianças.

O sinal de alerta foi dado em janeiro quando um morador da comunidade foi torturado pelo tráfico por ser apontado como responsável pelo sumiço das crianças.

Poupado pelo CV, Doca é 'cria' da Penha

Aos 51 anos e natural da Paraíba, Doca é apontado como o principal chefe do tráfico do Castelar. Atualmente, sua ficha criminal tem 99 páginas, com anotações que vão de roubo a homicídio, passando por tortura e tráfico.

Os inquéritos em que ele figura como investigado são principalmente de delegacias especializadas, como Homicídios e Roubos de Automóveis. Há registros também em delegacias distritais, especialmente a da Penha. O primeiro é de 2007, já pelo crime de tráfico. No total, há 15 mandados de prisão expedidos contra ele, incluindo processos por homicídios, tortura e tráfico.

Doca estaria escondido no Complexo da Penha, que também é dominado pelo CV, mas continua gerindo as favelas da Baixada Fluminense. De acordo com informações do Disque Denúncia, Doca só migrou para a região após uma sucessão de incursões policiais no complexo.

O traficante surge nas investigações sobre a morte dos meninos após uma testemunha-chave afirmar que Estala (veja mais sobre o envolvimento dele abaixo) contou a um outro traficante que ele matou os meninos. Na ocasião, Estala disse que recebeu autorização de Doca e Piranha.

Não há elementos que coloquem Doca na favela no momento das agressões e morte dos meninos, mas a polícia diz acreditar que a autorização envolveu o traficante. Com isso, a polícia defende que ele também tem responsabilidade nas mortes. Apesar disso, diferentemente dos outros três suspeitos, ele foi poupado pelo chamado tribunal do tráfico.

Piranha perdeu domínio até ser morto, diz polícia

A responsabilidade de gerir o tráfico no Castelar era dividida entre Doca e Piranha, 41.

O traficante foi preso em uma investigação sobre tráfico, mas não retornou após o indulto de Dia das Mães em 2017.

Piranha é réu por outro homicídio em Belford Roxo. De acordo com as investigações, um homem foi morto carbonizado após roubar a moto de um policial na região e atrair a atenção da polícia. Contra o traficante há 11 mandados em aberto.

A atuação de Piranha na morte dos meninos vai além da autorização para o crime. De acordo com a Polícia Civil, o homem torturado em janeiro afirmou que Piranha deu as ordens e orientou como deveria ser a tortura, além de mandar que moradores fizessem um protesto e queimassem ônibus em frente à DHBF (Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense).

De acordo com investigações, Piranha perdeu o controle das comunidades em agosto, cerca de oito meses após a morte dos meninos. A ordem teria partido de Wilton Carlos Rabelo Quintanilha, o Abelha, liderança do CV, após ser solto no fim de julho.

Em outubro, Piranha teria sido morto —não há informações sobre local, método utilizado ou localização do corpo.

'Tia Paula' era braço direito de Piranha

A única mulher que figura entre os responsáveis pela morte dos meninos é Tia Paula, 44, apontada como gerente de cargas do Castelar. Apesar de hierarquicamente estar abaixo dos gerentes-gerais (Estala e Victor Hugo dos Santos Goulart, o VT), ela tinha poder decisório por ser muito amiga de Piranha.

A Polícia Civil afirma que ambos se conheciam há anos em razão da atuação no tráfico. Contra Tia Paula há processos que investigam homicídio e associação para o tráfico, somando seis mandados de prisão em aberto.

Ela também é apontada como responsável pela morte do homem que roubou a moto de um policial.

Em relação à morte dos meninos, a polícia apresentou publicações em redes sociais que afirmam que partiu de Tia Paula o "xeque-mate" para matá-los. Depoimentos de testemunhas remontam que o objetivo dos traficantes era "dar um corretivo" neles, mas um não resistiu à sessão de tortura e morreu, o que levou os criminosos a matarem os outros dois para ocultar os crimes.

Após as mortes, Tia Paula saiu de moto pela comunidade em busca de alguém que pudesse dirigir um carro com os sacos plásticos onde colocaram os corpos dos meninos e jogá-los em um rio de Belford Roxo.

Em outubro, cerca de dez meses após a morte dos meninos, Tia Paula teria sido morta pelo "tribunal do tráfico", segundo a polícia.

Estala articulou agressões contra meninos, diz polícia

Outro traficante que também teria sido morto pelo tribunal do tráfico é Estala. De acordo com uma testemunha, ele contou a um interlocutor que matou os meninos porque eles tinham furtado o passarinho de seu tio.

Antes, provavelmente para despistar as investigações, Estala se envolveu na tortura do morador obrigado a assumir a culpa pelas mortes das crianças. Em seu Twitter, após a sessão de tortura, o traficante escreveu "só não matamos porque recebemos ordem, mas fizemos a nossa parte". Estala demonstrou tristeza pelas mortes dos meninos: "Mexeu com as crianças, está mexendo comigo".

Em agosto, na mesma época em que Piranha perdeu o domínio sobre o tráfico de algumas comunidades, Estala foi chamado para uma reunião na Vila Cruzeiro, Complexo da Penha. Lá, Doca teria matado o então gerente-geral do Castelar. Estala tem cinco mandados abertos em seu nome.

Além desses suspeitos, um quinto traficante, que está preso, também responderá pelos homicídios das crianças. A identidade dele não foi revelada.

A Polícia Civil informou que já cumpriu 31 mandados relacionados ao tráfico no Castelar e à morte dos meninos, mas não divulgou a identidade dos demais presos.