Após chuvas em MG, moradora é desalojada pela 2ª vez: 'Perdi tudo de novo'
Desempregada e mãe solteira de duas crianças, Grazielle Soares da Cruz perdeu tudo pela segunda vez. Na primeira, durante a temporada de chuvas de 2020 em Honório Bicalho, distrito de Nova Lima (MG), teve a casa inundada e contou com a ajuda de vizinhos e conhecidos para se reerguer. Dois anos depois, com o dilúvio que caiu no sábado (8), viu a cena se repetir.
"Eu nem tinha recuperado tudo o que eu tinha perdido. Agora, já perdi o resto do que eu tinha", contou ao UOL. "Estou sem colchão, roupa, peça íntima, nada. Estou em choque, sem rumo."
A casa onde Grazielle, divorciada, vive sozinha com os dois filhos, de 5 e 10 anos, é localizada numa área de risco. Além de ficar ao lado do rio das Velhas, também faz parte da região que pode ser atingida por rejeitos de mineração em caso de rompimento da barragem B3/B4, da mina Mar Azul, pertencente à Vale.
Em janeiro de 2020, período mais chuvoso na região em 100 anos, a residência de Grazielle foi alagada e ela precisou viver durante dois meses num abrigo, até que a Prefeitura de Nova Lima disponibilizasse uma Bolsa Moradia. O valor, de R$ 880, era depositado mensalmente em sua conta-poupança e foi utilizado para arcar com os custos de um aluguel no bairro Cabeceiras, numa área segura.
Depois de um ano, Grazielle contou ter renovado o auxílio da prefeitura após preencher uma papelada e renegociar o aluguel com a proprietária do imóvel no Cabeceiras. Dias depois, foi informada pela Secretaria de Habitação de que sua casa à beira do rio não corria risco de desabar e, portanto, o benefício seria cancelado.
"Me falaram assim: 'É só você limpar e voltar para dentro, não vai mais ter enchente'. Como eles garantiam isso para mim? Como eu ia dormir em paz ali, depois da enchente, morando do lado do rio? Disseram que não poderiam fazer nada", contou.
A moradora havia perdido o emprego num supermercado, onde foi dispensada pouco depois de retornar de licença por depressão — condição provocada principalmente pelo desespero de perder todos os móveis e pertences na enchente de 2020. Sem dinheiro para reformar o imóvel, ou mesmo comprar novos pertences, contou sua história no Facebook.
O relato na rede social rendeu, além da ajuda de amigos e conhecidos, uma forma de comprovar o fim da Bolsa Moradia, já que com as chuvas de janeiro de 2022, ela perdeu quase todos os documentos — inclusive laudos da Defesa Civil sobre a condição de sua casa.
"Eu tinha uma pasta com a identidade dos meus filhos e o cartão de vacina deles. Quando a água começou a subir, coloquei essa pasta na mochila com alguns remédios e, no desespero, eu só peguei a mochila e sai. Tinha uma outra pasta com mais documentos e deixei para trás", lamentou.
Meu caso poderia ter sido evitado. Eu poderia ser uma vítima a menos, mas não fui uma vítima a menos por causa de erro de pessoas."
"Várias casas de vizinhos caíram, pelo menos umas quatro ou cinco. A minha é a que está mais próxima do rio agora. E com essas chuvas que estão para vir, [a casa] está para cair", disse.
Procurada pela reportagem, a Prefeitura de Nova Lima confirmou que Grazielle recebeu a Bolsa Moradia durante um ano, mas afirmou que o benefício não foi renovado.
"No caso do imóvel da referida cidadã, ficou atestado, após análise técnica em 5 de março de 2021, que o local não apresentava problemas estruturais, oferecendo condições para ela morar com sua família. Devido ao tempo que ficou fechado, dependia de limpeza, desinfecção e pequenos reparos, como reboco, por exemplo", diz a prefeitura em nota.
No texto, a administração também observa que a moradora "voltará a ser atendida pelo benefício em 2022" após as chuvas que caíram sobre a região nos últimos dias.
Lama deixou 'rastro preto'
Para Grazielle, a lama encontrada nas casas após as enchentes não é decorrente apenas da mistura da água da chuva com a terra. "Ali tem ferro", observou.
"Muitas pessoas que moram aqui trabalham na Vale e a gente aprendeu a identificar. Dá para ver nitidamente o rastro preto, as mãos da gente na lama ficam brilhando, às vezes dá uma coceira na pele", disse.
A gente não sabe tudo o que tem na lama."
De tanto pisar descalça na lama, relatou, as unhas do pé começaram a apodrecer. Alegando abandono das autoridades, reclamou da falta de ações efetivas da Prefeitura para auxiliar quem vive na região. O prefeito João Marcelo Dieguez (Cidadania) publicou nas redes sociais algumas imagens realizando vistorias em locais atingidos.
Mas aos olhos de Grazielle, as visitas não foram bem-sucedidas: "Ele mal desceu na lama. Está com a bota limpíssima."
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