Para especialistas, 'nova UPP' é aposta eleitoral; regime fiscal é entrave
A ocupação pelas polícias iniciada ontem no Jacarezinho, na zona norte do Rio, e nas comunidades da Muzema, da Tijuquinha e do Morro do Banco, na zona oeste, redutos do tráfico de drogas e da milícia, são observadas com desconfiança e pessimismo por especialistas em segurança pública ouvidos pelo UOL.
O projeto Cidade Integrada —uma nova versão das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora)— foi avaliado como uma ação eleitoral do governador Cláudio Castro (PL) e uma aposta alta em um momento em que o estado tenta ingressar no novo RRF (Regime de Recuperação Fiscal) —o plano fluminense foi rejeitado pelo governo federal nesta semana.
Ao UOL, o governo do estado disse apenas que Castro detalhará o projeto no sábado (22).
Para a socióloga Lia de Mattos Rocha, pesquisadora do Laboratório de Análise da Violência da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), o projeto de segurança pública —uma área segundo ela historicamente politizada no estado— não passa de um "trampolim político".
"A gente está em um ano eleitoral e o governador ainda não deixou a marca dele e o que pode acontecer é que esta marca seja a chacina do Jacarezinho que ocorreu no início do governo dele. Existe essa ideia de que segurança pública ganha voto, que é preciso apresentar um projeto para o problema e isso num ano eleitoral tem clara intenção de servir como trampolim político", diz.
Ela defende que o RJ não precisa de projetos pontuais que rapidamente demonstram insuficiência.
"Toda periferia, região mais precarizada precisa de investimentos profundos em criação de empregos e construção de escolas e hospitais. Mudanças reais exigem investimento público e o que a gente tem ao mesmo tempo é o crescimento de políticas de austeridade", conclui.
'Cidade Integrada que começa sem integração'
Já o especialista em segurança pública e presidente do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina, Ricardo Bandeira, vê a implementação de um projeto que deseja promover a integração sem a participação da prefeitura e de líderes comunitários.
Ontem, o prefeito Eduardo Paes (PSD) disse que fora informado da ocupação na véspera. "Não [houve] qualquer programação ou reuniões prévias com equipes da prefeitura", disse o prefeito.
A gente começa desconfiando devido à operação midiática em ano de eleição. É um projeto de cidade integrada que já começa sem a prefeitura ser consultada, e a prefeitura é o ente estatal mais próximo das pessoas. Os líderes comunitários precisam ser ouvidos. É um projeto que a gente sabe que não vai funcionar, já repete os mesmos erros. Não foi estruturado, os serviços não foram mapeados. Já nasce errado."
Ricardo Bandeira, do Instituto de Criminalística e Ciências Policiais da América Latina
Para não repetir as falhas do modelo das UPPs, o especialista diz que seria necessário um grande estudo sobre as regiões a serem ocupadas.
"É preciso saber quantos desempregados tem a região, entender qual a maior fonte de renda do local, o que é preciso fazer para suprir o dinheiro do tráfico. É um projeto que chegou sem uso do setor de inteligência, pois as prisões e apreensões não parecem significativas. Se o governo pretende quebrar o domínio territorial do tráfico, é preciso atacar a fonte."
Bandeira afirma que planejar saneamento básico e asfaltar as ruas é importante, mas que a garantia de emprego e renda é o principal para as pessoas que moram na região.
As ocupações das comunidades ocorrem no mesmo dia em que Castro foi a Brasília debater com o governo federal a rejeição ao plano de recuperação fiscal do Rio. Se ingressar no regime, o estado recebe regalias para o pagamento de dívidas com a União e outros credores, mas em troca precisa adotar medidas de ajuste fiscal.
"O fato de o plano de recuperação não ter sido aprovado gera insegurança nas contas públicas. Não sabemos as condições financeiras para bancar novos projetos e até mesmo dar continuidade a projetos antigos, então é inviável diante disso iniciar novos projetos", conclui Bandeira.
'Falha de política pública'
O coronel da reserva da PM e antropólogo Robson Rodrigues considera que o Cidade Integrada, da maneira como foi apresentado ontem, demonstra uma falha de política pública. Ele avalia contudo a ideia de recuperação de um projeto como positiva.
"Precisaria de algo desenhado e mais claro. A política pública deve apontar o cenário que deve ser modificado, a partir de quais parâmetros e recursos disponíveis. Quando não tem isso com clareza, torna-se difícil. É preciso autocrítica para recuperar um projeto e entender que um dos problemas da UPP era a sustentabilidade. Ele dependia da reformulação das instituições de segurança pública."
Ele ainda questiona o momento em que o projeto é implementado.
É um período pré-eleitoral. O Rio vai mal das pernas no que se refere à situação financeira. De onde virão os recursos para o projeto? Quais acordos foram feitos com outros entes? Não há clareza. Apesar dos discursos de novidade, faltam investimentos em inteligência e investigação."
Robson Rodrigues, coronel da reserva da PM
O que se sabe do Cidade Integrada
O novo projeto do governo do estado começou na manhã de ontem com a ocupação do Jacarezinho —onde em maio passado ocorreu a operação policial mais letal da história do Rio— e de outras três comunidades da zona oeste. Ao menos 32 pessoas foram detidas nas ações policiais.
O governador Cláudio Castro classificou o projeto como um "grande processo de transformação".
"Damos início a um grande processo de transformação das comunidades do estado do Rio. Foram meses elaborando um programa que mude a vida da população levando dignidade e oportunidade. As operações de hoje são apenas o começo dessa mudança que vai muito além da segurança."
Documentos internos do governo fluminense definem que o Cidade Integrada é um programa que prevê "investimentos em infraestrutura", com construção e reforma de equipamentos públicos, de unidades habitacionais e ações de segurança pública.
Na comunidade do Jacarezinho, algumas das ações previstas e o motivo, de acordo com os documentos, são:
- Reforma do Campo do Abóbora: "São necessários reparos e equipamentos na base do campo, nas arquibancadas, nos espaços infantis e de lazer, na academia ao ar livre."
- Urbanização às margens do Rio Salgado: "Inibirá a ocupação irregular, facilitará a mobilidade através da implantação de calçadas e ciclovias e melhorará as condições ambientais e paisagísticas, com a introdução da arborização."
- Programa de videomonitoramento em 22 vias no entorno da favela, com reconhecimento facial e de placas, para "gerar dados de inteligência" e uma "melhor atuação da Polícia Militar"
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