Topo

'Quando vem forte, chuva leva tudo': a rotina em uma área de risco de SP

Jardim Damasceno, na zona norte de São Paulo, é uma das 493 áreas de risco de enchente e deslizamento na capital - Lucas Borges Teixeira/UOL
Jardim Damasceno, na zona norte de São Paulo, é uma das 493 áreas de risco de enchente e deslizamento na capital Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Lucas Borges Teixeira

Do UOL, em São Paulo

13/02/2022 04h00

Adriane Cruz, 54, observava o movimento da Avenida Hugo Ítalo Merigo, que passa por baixo do Jardim Damasceno, onde mora, na zona norte de São Paulo, mas estava preocupada mesmo é com o céu —que pode ficar cinza de repente e trazer temporal. A região onde mora é uma das 493 áreas de moradia monitoradas pela Defesa Civil por risco de desmoronamento ou enchente e o período chuvoso, que vai até meados de março, é a época que mais preocupa a dona de casa.

Há "uns dois ou três anos", ela conta, houve um desmoronamento na região, que deixou algumas famílias sem casa. Neste ano, ela diz que, apesar das chuvas fortes, "tudo segue firme". Do início de novembro de 2021 ao fim de janeiro deste ano, a Prefeitura de São Paulo fez 50 atendimentos na cidade relacionados a enchentes e deslizamentos. Não foram registrados óbitos.

Neste ano, no estado, as chuvas causaram ao menos 34 mortes, de acordo com a Defesa Civil estadual. Só em Franco da Rocha, na Grande São Paulo, cidade mais atingida, foram 18. Na mesma região, Arujá, Embu das Artes e Francisco Morato, também contabilizaram mortes.

Em 2021, a administração municipal diz ter investido R$ 767, 8 milhões —mais de R$ 3 milhões a mais do que o previsto no orçamento— no combate a enchentes em ações de diferentes pastas. Para este ano, previsão é de R$ 1 bilhão (leia mais abaixo).

"Quando a chuva vem com força, leva tudo"

Na semana passada, quem andava pela Avenida Dep. Cantídio Sampaio, que corta o norte da Brasilândia, via diversos pontos que indicam deslizamento recente do solo, com barro escorrido à vista. No período atual, não houve na área nenhum desmoronamento com vítimas, mas as chuvas preocupam os moradores.

O marido de Adriane trabalha na construção civil e o filho faz entregas em aplicativo. Segundo ela, os dois sofrem com as áreas de enchente ao pé do morro, que muitas vezes dão acesso à comunidade. "Eu fico preocupada com eles e eles ficam preocupados comigo. Mas não tem o que fazer, aqui é a nossa casa", afirma.

Não tem como dormir bem quando começa a tempestade, né? Se você está na rua, tem medo de não chegar. Se está em casa, tem medo que algo pior aconteça. Quando a chuva vem com força, leva tudo.
Adriane Cruz, moradora de área de risco

"Alagar acontece"

A preocupação da dona de casa Maria Santos, 46, moradora de uma comunidade conhecida como Fazendinha, no Jaguaré, zona oeste, não é a água que vem de cima, mas de baixo, por meio de um pequeno córrego que margeia as casas.

Localizada próxima ao Rio Tietê, na divisa com Osasco, a comunidade tem cerca de 170 moradias, de acordo com o último levantamento da prefeitura, no fim de 2020. Grande parte das construções é feita de forma improvisada, com madeira e metal, o que preocupa ainda mais os moradores. Maria diz que não é incomum que, com alto volume de chuvas, o nível da água suba, inunde ruas e casas e até supere a pequena ponte de madeira que dá acesso ao local.

"[Há duas semanas] choveu muito forte e [a água] subiu, mas não chegou a alagar. Só que alagar acontece, não é difícil", afirma Maria.

Comunidade do Jaguaré, zona oeste de São Paulo, é área de risco por enchente - Lucas Borges Teixeira/UOL - Lucas Borges Teixeira/UOL
Comunidade do Jaguaré, zona oeste de São Paulo, é área de risco por enchente
Imagem: Lucas Borges Teixeira/UOL

Sem mostrar sua casa à reportagem, ela diz que nunca perdeu nada, mas conhece pessoas que sim. "Dizem que antes era pior. A gente fica mais preocupado com a água suja, que carrega doença", diz.

Quando o UOL esteve na comunidade, crianças brincavam nas ruas sem asfalto ao redor do córrego e sobre a ponte improvisada, próximas a porcos, que descansavam na lama em meio a embalagens, restos de mobília e outros materiais descartados.

493 áreas de risco na capital

Segundo a SMSU (Secretaria Municipal de Segurança Urbana), a Defesa Civil monitora atualmente 493 áreas de risco de escorregamento de encosta e solapamento de margem de córrego —no período chuvoso, em poucas horas de temporal, o risco aumenta exponencialmente. Os locais estão espalhados por todas 32 subprefeituras.

Entre o início de novembro e 30 de janeiro deste ano, a Secretaria Municipal de Assistência Social e Desenvolvimento realizou 50 atendimentos relacionados a enchentes, alagamentos, inundações, desabamentos ou deslizamentos de terra na cidade.

"Neste período, foram atendidas 1.050 famílias, foram distribuídos mais de 10 mil itens de primeira necessidade e entregues 2.774 colchões, 2.781 cobertores, 1.018 cestas básicas, 2.638 kits de higiene e 1.024 kits de limpeza", informa a prefeitura.

Como recomendação, a Comdec (Coordenadoria Municipal de Proteção e Defesa Civil), levanta os seguintes pontos de observação para moradores em área de deslizamento:

  • Surgimento de rachaduras nos terrenos, muros ou paredes;
  • Estalos em blocos de rochas;
  • Surgimento de trincas no solo e/ou nas paredes;
  • Água mais barrenta do que de costume;
  • Inclinação de postes e árvores ou muros embarrigados.

"Caso notem qualquer um dos sinais mencionados anteriormente, deixe a sua casa imediatamente e informe a Defesa Civil pelo telefone 199", recomenda a secretaria.

Prefeitura investirá R$ 1 bi no combate a enchentes em 2022

Em 2021, a Prefeitura de São Paulo empenhou R$ 767,8 milhões no combate a enchentes e problemas causados pela chuva —R$ 3,4 milhões a mais do que os R$ 764,4 milhões previstos na LAO (Lei Orçamentária Anual). Para este ano, está previsto R$ 1 bilhão.

Segundo a Prefeitura, o investimento se dá por meio de ações de diferentes secretarias. Eles destacam alguns focos:

  • Obras e serviços nas áreas de riscos geológicos;
  • Manutenção de sistemas de drenagem;
  • Manutenção e operação dos sistemas de monitoramento e alerta de enchentes;
  • Intervenções no sistema de drenagem;
  • Obras de combate a enchentes e alagamentos.

Ainda segundo a prefeitura, entre 2017 e janeiro deste ano, foram entregues 32 mil moradias em parceria com os governos estadual e federal e a iniciativa privada —parte delas a famílias que deixaram de viver em áreas de risco.

A prefeitura afirma ainda que outras 6 mil famílias recebem auxílio aluguel enquanto esperam pelo atendimento habitacional. Atualmente, há 4 mil moradias em obras na capital.