RJ compra a R$ 438 bola de basquete semelhante e de mesma marca à de R$ 90
Um contrato assinado em dezembro pela Secretaria Estadual de Esportes do Rio prevê a compra de 2.000 bolas de basquete feminino por R$ 438,37 a unidade —o valor supera o modelo mais caro à venda no site oficial da NBA no Brasil, da marca Spalding (R$ 429,99), e é quase quatro vezes maior do que o pago (R$ 90) por bolas com características semelhantes e de mesma marca em outra licitação no país.
O contrato de R$ 13,9 milhões envolve a compra de outros 42 itens de material esportivo para envio até junho a escolas e projetos sociais de municípios fluminenses. Levantamento de preços feito pelo UOL com 15 tipos de bolas que representam mais de 80% do contrato constatou valores menores em sites de varejo e em outras licitações, com diferenças de até 387% (veja a tabela abaixo).
Caso tivesse adotado esses valores mais baixos, a Secretaria de Esportes poderia ter economizado cerca de R$ 5 milhões —só na compra desses 15 itens.
A Secretaria de Esportes afirmou que as compras seguiram a lei e se basearam em "acirrada disputa licitatória em outro ente federativo (...) levando em consideração o menor custo e a melhor qualidade possível do material".
Preço menor direto da fabricante
As 2.000 bolas de basquete feminino, produzidas pela Fábrica Dalebol, estão sendo compradas a R$ 438,37 pelo Rio de Janeiro da WR Calçados Eireli, com sede em Três Corações (MG).
Para efeito de comparação, o Centro de Intendência da Marinha de Belém fechou contrato para compra de 54 bolas de basquete feminino, ao preço de R$ 90 cada, em licitação concluída em 3 de novembro —o negócio foi feito diretamente da Dalebol.
A descrição do produto adquirido pelo centro da Marinha condiz com o que foi contratado no mês seguinte pelo governo fluminense a R$ 438,37 (material poliuretano; peso de 510 g a 565 g e circunferência de 72 cm a 74 cm).
Leandro Julio da Silva, diretor da Dalebol, admitiu que as bolas têm características semelhantes, mas disse que as que estão sendo vendidas ao governo do Rio pela WR Calçados têm diferenciais. No entanto, as características da bola que constam na ata de preços que o RJ aderiu se encaixam no modelo padrão da empresa, divulgado em seu site.
"Eles [WR Calçados] venderam a 400 [reais] e quanto? Acho que caberia uns R$ 20 a mais aí, hein? (...) A questão do preço de composição da bola é algo muito complexo, não é possível fazer uma comparação de forma tão simples", argumentou.
O dono da WR Calçados, Halisson Rodrigo Correa, negou qualquer irregularidade no contrato. "Eu pratico preços de mercado. É preciso saber se empresas que oferecem valores menores conseguem entregar o produto", disse ele.
A Secretaria de Esportes também defendeu os valores, afirmando que "dados técnicos e quantitativos influenciam diretamente no preço do produto".
Em 2021, os 11 preços registrados no Painel de Compras Governamentais do Ministério da Economia —que faz um panorama de valores de licitações públicas— variaram entre R$ 55 e R$ 276 para a bola de basquete com as mesmas características, mas de diversas marcas.
Em setembro, o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo conseguiu comprar, por exemplo, 145 unidades da Spalding a R$ 170 cada.
De R$ 149,90 por R$ 440,85
No mesmo contrato, o Rio prevê a compra de 2.000 bolas de basquete masculino da WR Calçados —assim como no caso das bolas de basquete feminino, o UOL também observou diferença de preço.
Em um site de varejo, a fabricante Dalebol vende —por valores entre R$ 149,90 e 199,90— um modelo com características semelhantes ao que a Secretaria de Esportes está comprando por R$ 440,85.
Três mil bolas de vôlei da Dalebol semelhantes às que a pasta está comprando a R$ 166,98 cada são vendidas pela fabricante a R$ 49,90 na internet.
Na compra de 6.000 bolas de futsal com a tecnologia fusiontech, também da Dalebol, o governo do Rio concordou em pagar R$ 162,57 por unidade. No varejo, a fábrica vende a R$ 59,90.
A revendedora WR Calçados não possui entre suas atividades registradas na Receita Federal o comércio atacadista de artigos esportivos, apenas o varejista. A empresa, que tem capital social de R$ 90 mil, possui 20 tipos de atividades registradas, sendo o comércio varejista de calçados o principal.
"Não vejo o fato de a empresa não ter registro como atacadista de material esportivo como um problema. Quem vende uma bola, vende mil", argumentou Halisson Rodrigo Correa, dono da firma.
Contratação rápida
O processo de contratação da WR Calçados pela Secretaria de Esportes foi rápido: os trâmites começaram em 26 de novembro e, em 13 de dezembro, o contrato já estava sendo assinado.
A secretaria justificou a compra por uma demanda trazida por municípios de envio de material esportivo para escolas, "assim como as necessidades de órgãos públicos e organizações da sociedade civil que realizam a prática esportiva de maneira gratuita".
Em outubro, o ex-árbitro de futebol Gutemberg Fonseca havia assumido a pasta. Aliado do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), ele teve passagens recentes nas gestões do ex-governador Wilson Witzel (PSC) e do ex-prefeito do Rio Marcelo Crivella (Republicanos).
A contratação foi feita por meio de um sistema conhecido como "carona". O governo do Rio aderiu a uma ata de registro de preços homologada em setembro pelo Cindesp (Consórcio Intermunicipal de Inovação e Desenvolvimento do Estado de São Paulo), que reúne 36 municípios do interior paulista.
O Cindesp fez um pregão eletrônico em que ficaram registrados os preços de 114 itens oferecidos pela WR Calçados para uma eventual compra por demanda ao longo de um ano. Nessa modalidade, outro ente público pode pedir adesão, caso aquele que realizou a licitação concorde.
Em 29 de novembro, a coordenadora de Contratos, Licitação e Pregão da Secretaria de Esportes do Rio, Claudia Oliveira Carneiro Menezes, afirmou, em um documento interno, ter achado a ata do Cindesp após uma consulta no Google.
No dia seguinte, mesmo sem ainda ter realizado uma pesquisa de preços, a pasta já encaminhou um e-mail para o consórcio pedindo a adesão à ata, para a compra de 43 dos 114 itens.
Apenas em 10 de dezembro, às vésperas da assinatura do contrato, a Secretaria de Esportes anexou três propostas de empresas do Rio para os itens vendidos pela WR Calçados.
Essas propostas chegaram no mesmo dia em que o assessor jurídico-chefe da pasta, Leonardo Azeredo dos Santos, procurador do Estado, emitiu um parecer falando sobre a necessidade de uma pesquisa de preços.
As empresas que enviaram valores foram a North Rio Comércio e Serviços Eireli, a Dryprint Store Confecção e Comércio e a L.F.L Moreira Comércio e Serviços, todas com sede na capital fluminense.
Todas ofereceram um valor global maior do que o da WR Calçados, mas havia inconsistências, como diferenças nas quantidades. As três firmas, por exemplo, cotaram 15 mil bolas de futebol de campo, enquanto o contrato com a WR foi para 11 mil.
Por essa pesquisa, os valores totais oferecidos pelas empresas do Rio variaram entre R$ 19,8 milhões e R$ 21,2 milhões, bem acima dos R$ 13,9 milhões da firma mineira.
Ainda assim, uma dessas empresas, a L.F.L Moreira Comércio e Serviços, chegou a oferecer R$ 129,50 por uma bola de basquete masculino semelhante à que o estado contratou com a WR por R$ 440,85.
Desde 27 de janeiro, o UOL tenta contato com as firmas do Rio nos telefones disponíveis no processo administrativo do governo e no site da Receita Federal.
Apenas um representante da L.F.L, que se idenficou como Leonardo, retornou o contato. Pelo WhatsApp, ele informou que fez a cotação, mas sua empresa não foi contratada, sem dar detalhes sobre a proposta.
A Secretaria de Esportes afirmou que a pesquisa de preços "seguiu um parâmetro estabelecido no sistema de compras do governo do Estado do Rio de Janeiro, sendo as empresas participantes amplamente conhecidas no mercado".
"A Secretaria tomou conhecimento dos fornecedores por meio do sistema de compras oficial, os quais já estavam devidamente cadastrados antes da consulta feita pela pasta."
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