'Calma, tô trabalhando': PM atirou em ambulante após discussão, diz enteado
O enteado do vendedor de balas Hiago Bastos, 22, morto ontem baleado pelo policial militar Carlos Arnaud Baldez Silva Júnior em Niterói (RJ), relatou à Polícia Civil que o vendedor pediu "calma" antes de ser atingido por um único tiro no peito.
No depoimento ao qual o UOL teve acesso, o adolescente de 14 anos relata que a confusão começou quando um homem disse a Hiago que não era obrigado a comprar balas e eles começaram a discutir. Neste momento, o PM —que estava de folga— questionou o motivo da briga, mandou Hiago encostar na parede e sacou a arma.
Ao ver a pistola, o vendedor ambulante disse, segundo seu enteado: "Calma! Você vai me atirar. Eu tô trabalhando".
Na versão do menino, após ouvir Hiago, o sargento da PM insistiu para que o vendedor "encostasse" e, logo depois, apertou o gatilho. O crime ocorreu na Praça Arariboia em frente ao Terminal das Barcas de Niterói às 11h em plena luz do dia e em horário de bastante movimento.
O enteado nega que Hiago tenha brigado fisicamente com o PM ou tentado retirar a arma de sua mão.
O sargento Arnaud Júnior foi preso ontem por homicídio doloso (quando há intenção de matar) qualificado por motivo fútil. A reportagem do UOL não localizou a defesa do policial.
Em seu depoimento à polícia, Arnaud Júnior disse ter visto Hiago abordando um terceiro homem dizendo "me dá o seu dinheiro ou eu vou te assaltar" —depoimentos de testemunhas à polícia contradizem a versão.
Por meio de nota, a PM também disse ontem que "de acordo com informações preliminares, um policial militar de folga reagiu a uma tentativa de roubo" —no entanto, a investigação não confirmou essa versão.
Hiago já foi agredido por vender bala e queria festa para filha
Hiago trabalhava na região onde foi morto há cerca de três anos. No final do mês, ele comemoraria a festa de dois anos da sua única filha.
O advogado Roberto Gatti disse que, em 2019, Hiago chegou a ser agredido por seguranças de um shopping de Niterói após se recusar a deixar o local. Na ocasião, o rapaz estava no interior do estabelecimento vendendo balas e acabou imobilizado e agredido por funcionários.
Gatti disse que o rapaz —por ter passagens pela polícia— costumava ser alvo de discriminação.
Quando menor de idade, Hiago teve anotações por fatos análogos a furto, roubo e tentativa de homicídio. Para o advogado, isso fazia com que o ambulante fosse conduzido com frequência a delegacias. Gatti diz que chegou a acompanhá-lo em algumas ocasiões.
A presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-Niterói, Andrea Kraemer, esteve ontem na Delegacia de Homicídios para amparar a família de Hiago. Ela disse que conhecia o rapaz da estação das barcas e o definiu como educado e cordial.
"Quando eu ia para o Rio, ele estava sempre na Praça Arariboia. Às vezes, eu comprava as balas. Ele ficava ali tinha um bom tempo. Era uma pessoa bem conhecida. Sempre era muito educado, cordial. Nunca tive problema com ele, nunca me empurrou bala goela abaixo", comentou.
Uma amiga do vendedor, que pediu para não ter o nome divulgado, descreveu Hiago como uma pessoa trabalhadora.
"Ele chegava sempre cedinho naquela região para trabalhar e ficava até tarde vendendo bala. Era um cara bem comunicativo, que fala com todo mundo, muito brincalhão, só estava trabalhando, como fazia todo dia."
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