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Rio: Negros são 79% dos que têm casa revistada pela polícia, diz pesquisa

19.jan.2022 - Policial aborda jovem na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio - MARCOS PORTO/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO
19.jan.2022 - Policial aborda jovem na favela do Jacarezinho, zona norte do Rio Imagem: MARCOS PORTO/AGÊNCIA O DIA/ESTADÃO CONTEÚDO

Lola Ferreira e Marcela Lemos

Do UOL e colaboração para o UOL, no Rio

15/02/2022 05h00

Pessoas negras são as que mais têm suas casas violadas pelas polícias na cidade do Rio de Janeiro. Entre todos que já tiveram sua casa revistadas, negros são 79%. Os dados são de pesquisa Datafolha encomendada pelo Cesec (Centro de Estudos de Segurança e Cidadania).

Segundo o levantamento, as abordagens policiais a pessoas negras superam proporcionalmente o total de negros —a soma entre pretos e pardos— na capital (55%), conforme os dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). A pesquisa revela que 63% dos "enquadros" policiais têm como alvo pessoas negras.

Foram ouvidos 3.500 moradores do Rio com mais de 16 anos nos dias 4, 5 e 6 de maio de 2021, em pontos de fluxo intenso de toda a cidade. Ao todo, 739 responderam o questionário completo como uma amostra representativa dos moradores que já foram abordados na cidade.

O perfil dos abordados pela polícia

A pesquisa mostra que 17% dos entrevistados foram abordados mais de dez vezes pelas polícias. Os "super parados", segundo define o Cesec, são homens, negros, de até 40 anos, moradores de favela ou bairro da periferia e com remuneração mensal de até três salários mínimos.

"[O perfil] é o estereótipo do bandido brasileiro: negro, jovem e mora na favela." Foi dessa forma que o advogado Vivaldo Lúcio lamentou a prisão de Yago Corrêa de Souza, 21, quando o jovem saía de uma padaria na comunidade do Jacarezinho na semana passada —ele foi solto dois dias depois após ser detido por PMs por suposto envolvimento com o tráfico de drogas.

A defesa e a família do rapaz apontam que o racismo o levou à prisão, já que apenas seu perfil o transformou em suspeito.

Para Pedro Paulo Silva, pesquisador do Cesec, o Rio vive uma "criminalização" territorial e estética.

A polícia tem o imaginário do elemento suspeito: aquele com bigodinho fininho e cabelinho 'na régua' que retrata a cultura negra favelada. A gente consegue ver que a partir dessa construção do elemento suspeito, a gente está criminalizando todos através da estética. Criminalizando um território
Pedro Paulo Silva, pesquisador do Cesec

Racismo nas polícias piorou nos últimos 20 anos, diz pesquisadora

A primeira edição da pesquisa foi lançada em 2003. Agora, quase 20 anos depois, o Datafolha foi às ruas para mostrar o que mudou e o que permanece igual em relação à experiência de negros com as polícias na cidade.

"Passamos por tentativas de mudanças da Polícia Militar, tentativa de reformas, como as UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora], tentativas de mudança dos currículos, acrescentando disciplina de Direitos Humanos e, mesmo assim, as violências não pararam", destaca Pedro Paulo.

A cientista social Silvia Ramos, coordenadora do Cesec e responsável pela primeira pesquisa, analisa como a ascensão acadêmica e econômica de parte da população negra desde 2003 — graças a políticas públicas educacionais— não foi suficiente para diminuir a suspeição em relação a negros.

A produção da imagem da guerra às drogas se intensificou, e a figura do jovem negro de favela hoje é ainda mais identificada como suspeito do que há 20 anos. A gente deu passos para trás e regrediu em termos de justiça e igualdade. A polícia hoje é mais racista do que há 20 anos
Silvia Ramos, cientista social

Em nota enviada ao UOL, a Polícia Militar negou que haja viés racial na "sua missão de combater criminosos" e que as ações "são baseadas em protocolos rígidos de atuação e preceitos técnicos de treinamento e orientação".

A corporação ainda afirmou que a maioria dos policiais vem de classes "de base" da sociedade, o que os torna "parte do contexto estrutural, histórico e social em que atuam". "Mais da metade de seu efetivo de praças e oficiais é composto por afrodescendentes", diz a PM.

População teme a polícia, diz pesquisa

De acordo com o levantamento, negros são os que mais veem pessoas sendo agredidas por policiais (70%) e têm maior proporção de amigos negros presos ou detidos (66%).

Outro dado alarmante dá conta que 74% dos que já viram parentes ou amigos serem mortos pela polícia são negros.

Os resultados demonstram algo apontado há décadas: a polícia seleciona quem aborda por critério racial."
Pedro Paulo Silva, pesquisador do Cesec

A pesquisa também aferiu a percepção dos jovens negros sobre a polícia. Ao responder sobre a primeira ideia que têm, quando pensam em polícia, as palavras mais comuns são violência, medo e corrupção.

Em relação à abordagem policial, repetem-se termos como injustiça, calafrio e constrangimento.

Para Pedro Paulo, esse é um dos efeitos da violência psíquica. "As pessoas negras são as que têm mais medo pois presenciam os fatos e isso causa outra dimensão de violência. A violência policial é tão profunda que a abordagem policial é apenas a ponta do iceberg."

Ameaças e uso de arma cresceram em 20 anos

Se comparada a pesquisa de 2003 e com divulgada hoje, observa-se que as ameaças durante abordagens policiais passaram de 6,5% para 23% —um aumento de 16,5 pontos percentuais.

A experiência violenta mais comum é ter uma arma diretamente apontada para si. Em 2003, 9,7% relataram que tiveram armas apontadas contra si em abordagens policiais —na pesquisa atual, esse número salta para 28%.

O documento mostra que 4% dos entrevistados sofreram violência física; 7%, tentativa de extorsão por policiais e, em 9% dos casos, o policial pediu para ver os celulares dos abordados.

A pesquisa expõe o uso de palavras na abordagem, como: "neguinho", "negão", "meliante", "elemento", "Seu Jorge", "Bob Marley", "escurinho", "favelado", "moleque", "ganso" (pessoa envolvida com o tráfico ou com passagem pela polícia) e "marmita" (termo pejorativo usado para se referir a mulheres que se relacionam com criminosos).