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'Não volto mais': Morador deixará área de tragédia onde morou por 66 anos

23.fev.2022 - O aposentado Marinho Carlos da Silva diz ter visto o Morro da Oficina ser desmatado desde 1960 - Igor Mello/UOL
23.fev.2022 - O aposentado Marinho Carlos da Silva diz ter visto o Morro da Oficina ser desmatado desde 1960 Imagem: Igor Mello/UOL

Igor Mello

Do UOL, em Petrópolis

23/02/2022 13h59

Um dos moradores mais antigos do Morro da Oficina, em Petrópolis (RJ), o metalúrgico aposentado Marinho Carlos da Silva, 66, se prepara para deixar a comunidade e nunca mais voltar. Ele conta ter visto a região —onde parte de uma encosta deslizou— ser ocupada e desmatada desde os anos 60.

A área foi uma das mais atingidas pela chuva de 15 de fevereiro. Até o momento, 198 mortes foram confirmadas no município (ao menos 181 vítimas foram identificadas) e 68 pessoas são consideradas desaparecidas.

A casa onde Marinho vive com a filha, na entrada do Morro da Oficina, não foi atingida pela lama, que destruiu parte do imóvel vizinho. Apesar disso, o aposentado —que vive na comunidade desde que nasceu em 1955—, está abalado com as mortes de amigos.

"Eu não volto mais para cá. Tenho 66 anos, fui nascido e criado aqui. Os moleques que morreram ali [na área atingida ao lado de sua casa] são pessoas que eu vi nascer, brincar, torcer pelo time do coração", relatou nesta quarta-feira à reportagem do UOL.

Ele conta que sempre teve um certo temor de que houvesse um deslizamento na região, mas nunca imaginou uma tragédia dessa magnitude. Segundo ele, o último incidente com mortes ocorreu há 26 anos, em uma véspera de Natal.

"Era 24 de dezembro, estávamos fazendo um churrasco com cerveja. Deu uma chuva forte e um amigo voltou para casa no alto do morro. Ela desabou, matou ele e a mulher", relembra.

'Árvore, pássaro, beija-flor'

A família de Marinho foi uma das primeiras a ocupar o Morro da Oficina —segundo ele, o terreno pertence à antiga rede ferroviária.

"Minha vó já morava aqui há muitos anos quando nasci. Vivíamos em uma casa no alto do morro. Antigamente tinha trem aqui em frente, vinha lá de Raiz da Serra. Acabou o trem nos anos 60 e mais gente começou a invadir aqui. Antigamente isso aqui era só árvore, pássaro, beija-flor."

Marinho ainda conta que a ocupação alterou drasticamente o terreno. No lugar da vegetação e das nascentes, ficaram as casas. "Tinha muita mina d'água aqui, mas tudo secou quando desmataram para fazer casas", completa.