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Jovem fica com caco de vidro nas costas por 20 dias mesmo após atendimento

Maria Luisa Rangel, moradora de Praia Grande (SP) - Arquivo pessoal
Maria Luisa Rangel, moradora de Praia Grande (SP) Imagem: Arquivo pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

19/03/2022 15h48Atualizada em 20/03/2022 08h24

Uma jovem de 21 anos passou quase 20 dias com um caco de vidro de 5 centímetros enterrado nas costas, deixado por um médico que a atendeu em uma UPA (Unidade de Pronto Atendimento), após ter sofrido um acidente doméstico em Praia Grande, litoral de São Paulo. A mãe da jovem acusa a unidade médica de negligência.

Maria Luisa Rangel estava visitando no dia 26 de fevereiro a casa de uma amiga de infância. As duas conversavam do lado de fora quando a amiga percebeu que havia esquecido a chave de casa na residência da avó. Elas então subiram em um telhado para acessar a varanda, que estava aberta, quando Maria Luisa se desequilibrou e caiu sobre uma mesa de vidro que a mãe da amiga guardava na garagem.

Ferida, Maria Luisa foi levada às pressas pela amiga à UPA do Jardim Samambaia, bairro periférico de Praia Grande. A amiga também ligou para a mãe dela, a supervisora administrativa Jamile Rangel, de 40 anos, para avisá-la sobre o acidente.

"Ela foi encaminhada para a emergência, a princípio achei que seria um corte pequeno", contou Jamile ao UOL. "Mas ela teve que tomar 28 pontos nas costas. E o médico plantonista que a atendeu não passou nenhuma receita, ele sequer quis fornecer um atestado para a minha filha se ausentar do trabalho. Ele apenas disse a ela para tomar dipirona e paracetamol caso tivesse dor", afirma.

Ao saber do descaso com que a filha estaria sendo tratada, ela conta que saiu do trabalho, em São Paulo, e pegou a estrada rumo a Praia Grande, em direção à UPA Samambaia. Lá, ela pediu para falar com a controladora da unidade, que teria se recusado a oferecer o prontuário médico. A profissional também teria se negado a fornecer o nome do médico que atendeu Maria Luisa.

"Como um paciente entra em uma unidade de saúde com as costas rasgadas e não fazem sequer um raio X? Não dão uma receita com remédios?", questiona. "Só me passaram o nome do médico quando ameacei chamar a polícia".

Ferida feita com caco de vidro em Maria Luisa Rangel, em Praia Grande (SP) - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ferida de caco de vidro em Maria Luisa Rangel, em Praia Grande (SP)
Imagem: Arquivo pessoal

Secreção brotando dos pontos

Cinco dias depois do incidente, Jamile conta que notou que saía uma secreção dos cortes, brotando dos pontos. Ela então levou a filha ao Hospital Irmã Dulce, que também atende pelo SUS na Praia Grande. A profissional que a atendeu teria dito que aquilo seria "normal" e que não havia nada de errado com os ferimentos de Maria Luiza, dispensando-a de cuidados médicos.

No dia 9 de março, a jovem retirou os pontos e voltou ao trabalho. Mas ela sentia uma dor constante, o que levou Jamile a levá-la a uma unidade de saúde da capital para apurar o que ocorria. Encaminhada ao atendimento de cirurgia geral, a médica plantonista detectou o corpo estranho.

"Ela ficou bem preocupada com os cortes, aquilo era pus", comentou. "Ela poderia ter tido uma septicemia. Além disso, bastou ela tocar na minha filha para descobrir o corpo estranho. Ela dava batidinhas com os nós dos dedos e fazia um som oco, parecia madeira".

No dia 15 de março, data em que comemorou 21 anos, Maria Luisa passou por uma cirurgia de retirada do corpo estranho. Um pedaço de vidro pontiagudo e cortante, com cerca de 5 centímetros de comprimento, que estava preso dentro dos ferimentos, escondido sob as suturas feitas na UPA Samambaia.

"Descobri que o médico que realizou o primeiro atendimento na minha filha era oftalmologista. Como assim?", questiona Jamile. "Ele pode atender vítimas de acidentes com ferimentos em outras áreas do corpo, como a minha filha? Vamos denunciar esse descaso ao Ministério Público, para que outras pessoas não sofram como a minha filha".

Dor está passando, mas trauma ficou

Em entrevista ao UOL, a jovem Maria Luisa disse que, passado o susto, está se recuperando e se sente melhor, com menos dores. Após a cirurgia, ela teve que manter a ferida aberta, sem pontos, por risco de infecção.

"Toda vez que eu deito de barriga para baixo, eu começo a chorar, sinto um desespero, uma angústia. Minha pressão cai. Sinto como se estivesse revivendo aquele dia na UPA Samambaia. Isso gerou um trauma, está sendo difícil superar".

Maria Luisa afirma que tem muita sorte por sua mãe ser esclarecida e conhecer seus direitos. "Ela não me deixou sozinha, mas e quem não tem uma pessoa ao lado? Eu me senti mal quando estava no hospital e, por ser maior [de idade], não podia ter acompanhante, mas minha mãe estava do lado de fora, e eu sabia disso", comentou.

"Agora estou mais calma, estou tentando digerir bem o que houve e tento pensar que está tudo bem. Mas não gosto de lembrar, a agonia que sinto eu nunca tinha sentido antes", afirmou a jovem.

Procurada, a prefeitura de Praia Grande informou que a UPA Samambaia é gerenciada pela SPDM (Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina). Por meio de nota, a Secretaria de Saúde (Sesap) de Praia Grande informou que está abrindo um processo administrativo "para apurar o caso e tomar todas as providências cabíveis".

Por meio de nota, a SPDM, organização social de saúde que administra a UPA Samambaia e o hospital Irmã Dulce, em Praia Grande, declarou que a paciente foi "prontamente examinada em ambas as unidades" e que recebeu tratamento "de acordo com as necessidades clínicas apresentadas naquele momento".

"O Hospital Irmã Dulce informa que sempre esteve (e está) à disposição da família para eventuais dúvidas em relação à conduta médica", diz a nota.