Topo

Prioli não quebra estereótipo: Carnaval tem musas intelectuais e acadêmicas

Gabriela Prioli será musa no Carnaval 2022 em camarote do Rio - Divulgação
Gabriela Prioli será musa no Carnaval 2022 em camarote do Rio Imagem: Divulgação

Lola Ferreira

Do UOL, no Rio

21/04/2022 04h00

A advogada e apresentadora Gabriela Prioli, 36, foi um dos assuntos mais comentados da internet ontem (20). Após entrevista ao UOL sobre a sua primeira vez como musa do camarote na Sapucaí, um trecho em que cita a presença no Carnaval como forma de "desconstruir estereótipos" foi alvo de críticas.

Prioli questionou: "Afinal, por que a musa não pode ser uma intelectual?", o que suscitou comentários e exemplos sobre outras musas —de camarotes ou escolas de samba— que já têm trajetórias conhecidas por suas carreiras acadêmicas e profissões.

Apesar da presença de Prioli no Carnaval 2022 não ser no chão da avenida, o debate reverberou nos barracões e entre acadêmicos. O UOL conversou com pesquisadoras, ativistas e componentes de escolas de samba para compreender a origem das críticas.

Sabrina Ginga, cientista social e passista da Acadêmicos do Salgueiro há 12 anos, pesquisa e é parte do Carnaval. Ela ressalta que compreendeu, em partes, a fala de Prioli.

"Eu acho que ela se resumiu à realidade dela, mas isso diz muito sobre quem é do Carnaval ou não, e ela se mostrou uma mulher que não vive ou conhece minimamente o Carnaval", pondera.

Intelectualidade além do diploma

Ao destacar a fala da advogada, Sabrina amplia a questão e ressalta que não é uma crítica individual.

"[Esse debate] pode mudar a percepção que as pessoas têm [do Carnaval], porque atualmente não se tem um olhar aprofundado sobre quase nada. É um convite para a classe média branca brasileira repensar e mudar, e também para a mídia: mostrar mais a realidade e não só o entretenimento, valorizar o real significado do Carnaval."

A fala é acompanhada por Cláudia Alexandre, doutora em Ciência da Religião pela PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo), que também pesquisa a perda da centralidade de mulheres negras nas escolas de samba.

A pesquisadora avalia que a fala de Prioli tem uma gênese no racismo estrutural, que não costuma associar a produção do Carnaval a um lugar de intelectuais — ou associar intelectualidade ao diploma universitário.

A maioria de nós construiu suas intelectualidades vivendo samba, crescendo nas comunidades. O ambiente acadêmico chegou depois."
Cláudia Alexandre, doutora em Ciência da Religião pela PUC-SP

"Se sentir superior ou intelectual porque possui um diploma, e estar em um meio em que se julga ser diferente por isso, é subjugar o espaço da escola de samba, que originalmente é um território de tradições afro-brasileiras, de comunidades, de periferia. É preconceito", completa Cláudia.

Sabrina Ginga faz coro à avaliação: "É um pensamento muito patriarcal e eurocêntrico, de que a inteligência está só na Academia e só se desenvolve inteligência ali. É muito comum, mas não é real".

Estereótipo da "mulata" precisa ser combatido

Além de Sabrina, o samba coleciona outras figuras conhecidas que trilham carreira de sucesso em suas áreas profissionais fora do Carnaval.

É o caso da musa da Mangueira, Rafaela Bastos, atualmente presidente da Fundação João Goulart, uma instituição do município do Rio, e da rainha de bateria da Acadêmicos do Cubango, Maryanne Hipólito, que é cirurgiã-dentista.

Angélica Ferrarez, doutora em História pela UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), pesquisa memória e mulheres negras no samba. Para ela, uma associação racista faz com que mulheres que desfilam na avenida carreguem, aí sim, um estereótipo.

[A passista] é essa mulher negra hipersexualizada, que preenche o imaginário social de forma animalizada na imagem da mulata. Isso, sim, é um estereótipo violento que interessa desconstruir."
Angélica Ferrarez, doutora em História pela UERJ

Sabrina diz que a fala de Prioli faz sentido ao criticar o machismo.

"Sempre disseram que a gente precisava estudar, não só dançar. É senso comum que a nós existe uma impossibilidade de estudo e acesso ao conhecimento, principalmente para mulheres negras", diz.

A cientista social relembra que já viveu episódios em que interlocutores se chocaram com seu conhecimento teórico ou da sua eloquência no discurso. Para vencer tais barreiras e estereótipos, Sabrina lembra que a luta pela valorização da classe artística caminha lado a lado com a luta pela equidade racial.

"Tudo é racializado nesse país, as coisas caminham juntas. De um lado, estamos lutando por melhorias sociais, de outro lado lutando pela classe artística racializada. Ainda tem muita coisa a ser mudada."