Cracolândia: GCM quebrou barracas, tomou cobertor e atirou, diz padre Julio
Foi com gás lacrimogêneo e disparos com balas de borracha que a GCM (Guarda Civil Metropolitana) dispersou dependentes químicos da antiga cracolândia, na praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, na última quarta-feira (11). A afirmação é do padre Julio Lancellotti e de 16 dependentes que afirmam em vídeo que tiveram barracas, documentos, roupas e cobertores "jogados no lixo" durante a ação.
Na operação do dia 11, a Guarda dispersou os dependentes da praça Princesa Isabel, o então endereço da cracolândia na capital paulista. O alvo seriam os traficantes do PCC (Primeiro Comando da Capital), responsáveis pela venda de crack na região.
Apesar das denúncias, a Polícia Civil afirmou esta semana que todas as ações feitas até agora na operação Caronte (que combate o tráfico de drogas na cracolândia) não tiveram disparo de balas de borracha ou qualquer tipo de violência.
"Prefeitura jogou tudo no lixo"
Cercado por 16 dependentes químicos que estavam na praça no dia da ação, o padre Julio ironizou afirmações da Prefeitura de São Paulo segundo as quais não houve emprego de violência na operação comandada pela GCM.
"A prefeitura disse que foi tudo negociado, tudo pacífico, tudo conversado com eles, que chegou lá e pediu, 'por gentileza, saiam daqui porque vamos arrumar a praça'. Foi isso o que aconteceu?", questionou o padre aos dependentes, que relataram "repressão, uso de gás lacrimogêneo, borrachada".
"A Guarda Civil Metropolitana invadiu, quebrou barraca, bateu, [atirou] bala de borracha na gente", afirmam.
Padre Julio, então, diz que os 16 homens ali presentes "estão com toucas e máscaras porque a Pastoral de Rua está dando pra eles".
A prefeitura tirou tudo deles! Jogou tudo no lixo. Triturou as barracas, tirou documentos, remédios, todos os objetos pessoais. E para onde encaminharam vocês? Pra lugar nenhum."
Padre Julio Lancellotti
"As pessoas não têm onde ficar e são tratadas como lixo", diz. "Não adianta o assessor da prefeitura dizer que era para espalhar [os dependentes] para serem atendidos. É para eles desaparecerem. Negligência da prefeitura e do governo do estado."
Lancellotti disse que vem tentando contato com a prefeitura, mas "ninguém atende, e essas pessoas não têm para onde ir".
"Vamos ficar na rua", afirmou um deles. "Até os cobertores levaram embora."
Se liga prefeitura: isso é crime, é omissão, é violência. Quem ficou na região está sendo pressionado. Vocês são covardes!"
Padre Julio Lancellootti
Ao UOL, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana —a quem responde a GCM— afirma em nota que "não houve registro de ocorrências como as relatadas pela reportagem" e que "toda denúncia é rigorosamente apurada".
"Os Guardas Civis seguem protocolos de atuação humanizada e acolhedora", afirma. "Durante as ações, são recolhidos apenas objetos que caracterizem estabelecimento permanente em local público, principalmente quando impedem a livre circulação de pedestres e veículos, tais como camas, sofás, colchões ou outros bens duráveis que não se caracterizem como de uso pessoal."
Não são recolhidos bens pessoais como documentos de qualquer natureza, cartões bancários, sacolas, medicamentos e receitas médicas, livros, malas, mochilas, roupas, sapatos, cadeiras de rodas, muletas, panelas, fogareiros, utensílios de cozinhar e comer, alimentos, colchonetes, travesseiros, tapetes, carpetes, cobertores, mantas, lençóis, toalhas e barracas desmontáveis."
Secretaria Municipal de Segurança Urbana
"Os bens duráveis são inventariados e encaminhados ao depósito da Subprefeitura. Os possuidores são notificados, no local e momento da apreensão, a respeito da destinação dos bens, recebendo o contralacre com a informação de que poderão retirá-los no prazo de 30 dias corridos, contados da apreensão, no local indicado", conclui.
Já a Secretaria de Segurança Pública afirmou em nota que "as ações realizadas pelo Governo do Estado, em parceria com a Prefeitura, tem o objetivo de prender traficantes de drogas e proteger a dignidade humana dos dependentes com a oferta de tratamento especializado".
Diz ainda que a Polícia Civil localizou e prendeu oito traficantes que atuavam na região e que a PM atuou no apoio às ações municipais para limpeza da área. Também afirma que as ações de saúde na região não foram interrompidas. "Pelo contrário, são ações conjuntas", diz.
"A busca de dependentes químicos por tratamento aumentou 23% na região central da Nova Luz, após a intervenção policial no início da semana", afirma a pasta. "Desde 2019, a Secretaria investiu R$ 25,7 milhões em ações voltadas à assistência desta população."
A ação
A força-tarefa aconteceu na quarta-feira, no dia seguinte a uma ação de rotina que causou quebra-quebra e o bloqueio das ruas na região. Na quarta, a atuação contou com 650 agentes da Polícia Civil, Polícia Militar e GCM (Guarda Civil Metropolitana).
Segundo a Polícia Civil, havia 500 usuários de drogas no local no começo da operação. Foram cumpridos 36 mandados de prisão contra suspeitos de integrar o tráfico de drogas e um mandado coletivo de busca e apreensão.
Desde a madrugada, os agentes mantiveram um cordão de isolamento nas imediações, impedindo a circulação de veículos. Assistentes sociais registravam pessoas no entorno para encaminhá-las a um abrigo, onde teriam acesso a banho e refeição.
Havia também grande concentração de dependentes deitados no meio-fio da avenida Duque de Caxias, em frente à praça Princesa Isabel. Aqueles que tentavam circular pela praça eram barrados por agentes da GCM. Segundo os guardas, não será mais permitida a montagem de barracas na praça.
Ainda no dia 11, um homem morreu após ser atingido por um tiro no peito na avenida Rio Branco em meio a uma incursão policial nos arredores da praça Princesa Isabel. O socorro demorou 29 minutos para chegar (assista ao vídeo aqui).
'Foi covardia', disse morador de rua agredido por guarda
A reportagem do UOL flagrou o momento em que um homem em situação de rua foi agredido com golpes de cassetete por um guarda municipal na avenida Rio Branco. No outro lado da pista, havia a maior concentração de dependentes químicos após a desocupação da praça Princesa Isabel.
No momento em que agentes se aproximavam do local. O angolano Ndongala Garçia, 47, que estava deitado na calçada, recebeu orientação para deixar o local. Ele então se levantou dizendo que não era usuário de droga e estava em situação de rua.
Como resposta, levou dois golpes de cassetete. Um deles atingiu o seu braço esquerdo. O outro causou um ferimento na sua cabeça, que ficou ensanguentada. "Eu só disse ao guarda que eu não estava na 'cracolândia' e ele me agrediu. Foi uma covardia", relatou.
Procurada, a prefeitura de São Paulo disse que está apurando o caso.
Após o episódio, os guardas municipais atravessaram a avenida para ir ao local com a maior concentração de usuários de drogas, onde foram feitas abordagens, para verificar se eles estavam com facas, armas ou drogas.
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