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Porteiro diz que ouviu menina pedir socorro antes de cair do 12° andar

Criança de 6 anos morreu ao cair do 11º andar de um prédio na Praia Grande, litoral paulista - Reprodução
Criança de 6 anos morreu ao cair do 11º andar de um prédio na Praia Grande, litoral paulista Imagem: Reprodução

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

11/06/2022 19h20Atualizada em 05/11/2022 07h18

O porteiro de um edifício próximo ao prédio de onde uma menina de 6 anos caiu do 12º andar na madrugada deste sábado (11) disse que ouviu gritos de socorro vindos do local por volta das 3h da manhã. Ele afirmou ao UOL chegou a pensar que pudesse ser uma discussão familiar, dentro de um dos apartamentos, embora só tenha ouvido a voz da criança. A morte aconteceu no Condomínio Residencial Costa do Mar, em Praia Grande, litoral de São Paulo,

"Eu tinha ido até o banheiro e, quando estava voltando para a guarita, ouvi os gritos. Dava para perceber que era uma criança. Mas eu pensei que ela estivesse gritando com os pais, em algum apartamento, sei lá", contou o porteiro, que pediu para não ser identificado.

"Quando entrei na guarita, o som abafou um pouco, mas deu para ouvir ela gritando por socorro. Depois, só ouvi um barulhão. Parecia uma pancada forte ou batida de carro, não sei dizer. Daí comecei a ouvir latidos de cachorros na vizinhança e acabei achando que era uma batida de carro mesmo. Os gritos tinham parado, aí desencanei. Só quando eu vi o Samu e a polícia, mais tarde, entendi que tinha algo errado no prédio mesmo".

O apartamento de onde a menina caiu está em uma das laterais do prédio. Ela caiu sobre uma laje da garagem do edifício. O porteiro disse que depois de saber do acidente e se sentiu "chocado" com a notícia. Segundo ele, o imóvel de onde ela caiu não tem redes de proteção.

Segundo a polícia, a criança teria acordado assustada e, ao não encontrar o pai, correu para a sacada do apartamento para pedir ajuda. Uma vizinha, ainda de acordo com a polícia, ouviu os gritos e tentou, de longe, acalmar a menina. Em seguida, correu até o interfone para avisar a portaria. Nesse momento, ouviu-se um estrondo. Ao voltar à varanda do apartamento para continuar a acalmar a criança, constatou que ela havia caído.

O UOL tentou contatar a síndica do Costa do Mar, para obter informações sobre o caso, mas o funcionário que atendeu o telefone informou que o clima no prédio estava "complicado", que estavam todos muito nervosos, e que ela "não iria atender ninguém''.

Pais eram separados

O pai da menina de 6 anos que caiu do 11° andar de um edifício de classe média alta no canto do Forte, bairro nobre de Praia Grande, foi solto na tarde deste sábado após uma audiência de custódia. Segundo a Polícia Civil, ele irá responder pelo crime de abandono de incapaz com resultado de morte e aguardará o julgamento em liberdade.

Segundo informações da polícia, ele disse em depoimento que é comerciante e que havia se separado da mãe da menina há alguns anos. Ontem (10) ele teria ido buscar a filha na escola e a levado para o apartamento dele. Na madrugada de hoje, ele teria deixado a criança dormindo e saiu para levar a atual namorada para a casa dela. Quando voltou, soube que a filha tinha caído.

O corpo da menina foi levado para o Instituto Médico Legal, para exame de necropsia. Agentes da Polícia Civil estiveram no imóvel do comerciante para a realização de exames periciais, que podem ajudar a esclarecer as circunstâncias do acidente.

A criança foi enterrada hoje, às 16h, no cemitério Morada da Grande Planície, em Praia Grande. A polícia agora irá colher depoimentos de pessoas próximas à família, testemunhas e também da mãe, que por estar ainda muito abalada não compareceu à delegacia para depor.

Culpa por abandono depende da intenção

O Código Penal, de 1940, traz no seu artigo 133 a figura do abandono de incapaz. E traz também questões como a guarda, a vigilância e a autoridade dos responsáveis. "Incapaz é aquele indivíduo que por qualquer razão esteja, no momento em que sofre a ação, seja incapaz de se defender dos riscos que foram resultado do abandono", explica a advogada Maura da Silva Leitzke, doutora em criminologia. "Temos também as figuras que vão agravar a pena. O abandono que resulta em lesão grave e aquele que resulta em morte".

De acordo com o artigo 133 do Código Penal, o abandono de incapaz prevê pena de seis meses a três anos de detenção. Se do abandono resulta lesão corporal de natureza grave, a pena é de reclusão de um a cinco anos No caso de resultar em morte, a pena é de reclusão de quatro a 12 anos.

Maura explica que esse crime se expressa em determinadas situações previstas na lei. A criança, por exemplo, na opinião da especialista, não tem a capacidade de se defender em situações de perigo. E, no caso específico da menina que caiu do prédio, a primeira coisa a se investigar é o dolo do pai ou responsável. Ou seja, a intenção.

"Se o dolo do pai era abandonar a criança, deixá-la desassistida enquanto ele fazia outras atividades, e ele estava obrigado a guardar a criança, ele responderia por abandono de incapaz. E aí se verificaria se a lesão seria de natureza leve ou grave. Caso contrário, não havendo dolo, não se caracteriza abandono de incapaz. No caso dessa notícia da criança que caiu do prédio, me parece que o pai só teria deixado a criança para levar a namorada à residência dela. Nesse caso, não estaríamos diante de um dolo específico de abandono de incapaz", afirma.

Quanto à caracterização do dolo, essa também depende de alguns aspectos. Segundo o advogado criminalista Roberto Vasconcelos da Gama, a lei prevê o dolo direto, ou seja, a vontade livre e consciente de abandonar a vítima, de modo a expor a perigo a sua vida ou saúde; e o dolo eventual, onde o agente não deseja essa exposição a perigo, mas assume os riscos de produzir esse resultado.

"Nesse contexto, importante analisar se com o abandono o que se desejava era a morte do incapaz, a conduta do agente será enquadrada como homicídio tentado ou consumado, a depender da situação concreta", diz o advogado.

"A Constituição Federal determina, no artigo 229, que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, da mesma forma que os filhos maiores têm a obrigação de amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. Quando esse dever não é cumprido, pode ser caracterizado, na Justiça, como crimes de abandono intelectual, material ou, conforme a jurisprudência recente firmada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), abandono afetivo", conclui.

Errata: este conteúdo foi atualizado
A versão inicial da matéria mencionava de forma errada o andar do qual a menina caiu do prédio. O erro foi corrigido tanto no título quanto no texto.