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Polícia Federal prende homem suspeito de mandar matar Dom e Bruno

Wanderley Preite Sobrinho

Do UOL, em São Paulo

08/07/2022 10h27Atualizada em 08/07/2022 12h31

A Polícia Federal prendeu o principal suspeito de ser o mandante do assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips. O crime ocorreu no início de junho, na região do Vale do Javari, no Amazonas.

A PF confirmou ao UOL a prisão do peruano Rubens Villar Coelho, o Colômbia, que já era investigado por suspeita de tráfico e compra ilegal de pescado. Ele foi detido ontem (7), em flagrante, pela delegacia de Tabatinga (AM), usando documentos falsos —pena que pode passar de quatro anos sem permissão para pagamento de fiança.

Em coletiva de imprensa hoje cedo, o delegado da PF no Amazonas, Eduardo Fontes, afirmou que Colômbia nega a participação no duplo homicídio.

A suspeita é que Colômbia comandava um esquema de compra de pescado ilegal e o exportava para lavar dinheiro do tráfico de droga produzida no Peru e Colômbia. A polícia já pediu sua prisão temporária para aprofundar as investigações.

Hoje (8) também vence o prazo das prisões de Amarildo da Costa de Oliveira, o Pelado; Oseney da Costa de Oliveira, o Dos Santos; e Jefferson da Silva Lima, o Pelado da Dinha —outros suspeitos de participação no crime.

Segundo a PF, a Justiça decidirá a qualquer momento sobre o pedido de prisão preventiva do trio.

Ainda ontem, a Comarca de Atalaia do Norte (AM) decidiu repassar a investigação do caso para a Justiça Federal, que ainda não se manifestou. Segundo a juíza Jacinta Silva dos Santos, "a competência da Justiça Federal ocorre toda vez que a questão versar acerca de disputa sobre direitos indígenas".

Declino da competência em favor do Juízo Federal da Subseção Judiciária de Tabatinga/AM, de modo que determino a remessa dos autos e dos seus apensos e incidentes ao Juízo competente."
Jacinta Silva dos Santos, juíza

PF havia descartado mandante

A indicação de um mandante contrasta com informação preliminar da PF, que em 17 de junho afirmou que as investigações descartavam a participação de organização criminosa ou de um possível mandante por trás dos assassinatos.

Naquele dia, a PF disse por nota que, apesar dos suspeitos presos "não terem um mandante", o inquérito ainda buscava confirmar ou descartar a participação de outras pessoas nos assassinatos. "Com o avanço das diligências, novas prisões podem acontecer."

O que diz a investigação?

Até a prisão de Colômbia, a investigação da PF havia chegado a três suspeitos. Um deles, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como Pelado, confessou a autoria no duplo homicídio, de acordo com a polícia.

O pescador foi preso em flagrante em 7 de junho, por porte de munição de uso restrito. Segundo a investigação, ele confessou, voluntariamente, a autoria do duplo homicídio, e contou com detalhes a dinâmica do crime.

De acordo com o delegado Eduardo Alexandre Fontes, superintendente regional da PF no Amazonas, Dom e Bruno teriam sido perseguidos por criminosos em uma lancha, que chegaram a realizar "disparo de arma de fogo" contra a dupla.

A PF afirmou que a morte de Dom foi causada por "traumatismo toracoabdominal por disparo de arma de fogo com munição típica de caça, com múltiplos balins, ocasionando lesões principalmente sediadas na região abdominal e torácica".

Bruno teria morrido também após "traumatismo toracoabdominal" e ainda craniano, causado por disparos de arma de fogo com "munição típica de caça". O indigenista teria levado dois tiros no tórax e um no rosto ou crânio.

15.jun.2022 - Suspeito de envolvimento no sumiço de Dom e Bruno é levado a local das buscas por agentes - Bruno Kelly/Reuters - Bruno Kelly/Reuters
15.jun.2022 - Suspeito de envolvimento no sumiço de Dom e Bruno é levado a local das buscas por agentes
Imagem: Bruno Kelly/Reuters

Quem são os suspeitos?

A polícia diz que o pescador Amarildo confessou a autoria no crime. Seu irmão, Oseney de Oliveira, conhecido como Do Santos, também preso, negou qualquer envolvimento no duplo homicídio.

Segundo reportagem publicada pelo UOL, Amarildo afirmou à PF que esquartejou e enterrou os corpos do jornalista britânico e do indigenista. No seu depoimento, o pescador também disse ter contado com a ajuda de outras pessoas.

Foi Amarildo quem levou a PF até os corpos —que estavam a mais de três quilômetros da área do crime.

O terceiro suspeito, Jefferson da Silva Lima, conhecido como Pelado da Dinha, se entregou para as autoridades após saber pela sua família que a polícia o procurava. Ele é apontado como alguém que participou diretamente do duplo homicídio e ajudou na ocultação dos corpos.

Onde o indigenista e o jornalista desapareceram - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Quem são o indigenista e o jornalista?

Servidor licenciado da Funai (Fundação Nacional do Índio), Bruno era conhecido como defensor dos povos indígenas e atuante na fiscalização de invasores, como garimpeiros, pescadores e madeireiros. Em entrevista ao UOL, o líder indígena Manoel Chorimpa afirmou que o indigenista estava preocupado com as ameaças de morte que vinha sofrendo.

Dom era correspondente do jornal The Guardian. Britânico, ele veio para o Brasil em 2007 e viajava frequentemente para a Amazônia para relatar a crise ambiental e suas consequências para as comunidades indígenas e suas terras.

O jornalista conheceu Bruno em 2018, durante uma uma reportagem para o Guardian. A dupla fazia parte de uma expedição de 17 dias pela Terra Indígena Vale do Javari, uma das maiores concentrações de indígenas isolados do mundo. O interesse em comum aproximou a dupla.

Dom Phillips toma notas enquanto conversa com indígenas - João Laet/AFP - João Laet/AFP
Dom Phillips toma notas enquanto conversa com indígenas
Imagem: João Laet/AFP

Como é a região do Vale do Javari?

A região do Vale do Javari é a segunda maior terra indígena no Brasil. Palco de episódios de violência, a área está localizada na fronteira com o Peru e a Colômbia e abriga mais de 6 mil indígenas de 26 grupos diferentes.

Em setembro de 2017, por exemplo, o Ministério Público Federal do Amazonas confirmou o assassinato de ao menos 20 indígenas de uma aldeia isolada do Vale do Javari por garimpeiros ilegais do município de São Paulo de Olivença.

Na manifestação, os indígenas cobraram proteção à área e pediram justiça para Bruno Pereira e Dom Phillips - Bruno Kelly/Reuters - Bruno Kelly/Reuters
Em manifestação, indígenas cobraram proteção à área e pediram justiça para Bruno Pereira e Dom Phillips
Imagem: Bruno Kelly/Reuters

Em abril deste ano, a Unijava (União dos Povos Indígenas do Vale do Javari) e o Centro de Trabalho Indígena (CTI) receberam denúncias de uma invasão de garimpeiros à comunidade de Jarinal, também na Terra Indígena. Eles participaram de uma festa em que indígenas foram abusadas sexualmente e, segundo o CTI, os indígenas foram forçados a beber gasolina com água e álcool etílico com suco.