Do amor pela música ao sonho de salvar a Amazônia: quem foi Dom Phillips
O assassinato do jornalista Dom Phillips, no Vale do Javari, no Amazonas, coloca um ponto final na trajetória do aficionado por esportes e música que há 57 anos nasceu na Inglaterra, mas que há 15 escolheu o Brasil para viver e a Amazônia para defender.
Dom foi morto ao lado do indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira, desaparecidos desde 5 de junho, quando faziam uma expedição de barco pela região norte do Amazonas. Segundo a Polícia Federal, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, também conhecido como "Pelado", confessou que matou e enterrou os corpos do servidor licenciado da Funai e do correspondente do jornal The Guardian.
Música, seu primeiro amor
Domenic Phillips nasceu em 1965 na cidade de Bebington, a 8 km ao sul de Liverpool, a cidade dos Beatles, no noroeste da Inglaterra. Como o quarteto, sua primeira paixão foi a música, hobby que virou bico na juventude, quando chegou a tocar pelas ruas em troca de dinheiro.
A música era tão importante para ele que foi por meio dela que iniciou a carreira de jornalista. Dom cobria a efervescente cena eletrônica de seu país nos anos 1990, o que o levou a editar, de 1993 a 1997, a "Bíblia" do gênero, a revista Mixmag, e a publicar o livro "Superstar DJs Here We Go!: The Rise and Fall of the Superstar DJ" (Ebury Digital), em 2009, sobre o nascimento da cultura dos DJs.
São Paulo, Rio e Bahia
Amigo de DJs brasileiros, Dom viajou para São Paulo em 2007 para terminar de escrever seu livro. O plano era passar alguns meses no Brasil, mas acabou ficando de vez.
A paixão pela música brasileira também ajudou. Ela aparecia em publicações em redes sociais, como quando escreveu sobre a morte de Elza Soares, em janeiro, uma artista "grandiosa, única, brilhante".
Em 2012, Dom Pillips se mudou para o Rio de Janeiro, onde conheceu a mulher, a designer Alessandra Sampaio. Por lá, gostava de andar de bicicleta, empreender trilhas e se aventurar em stand-up paddle, esporte que consiste em remar de pé sobre uma prancha.
Mas o desejo de uma vida de custo mais baixo e a perspectiva de adotar uma criança impeliu o casal a se mudar, em março de 2020, para Salvador, na Bahia, estado de Alessandra, que também desejava estar próxima da família.
Quando não estava trabalhando ou praticando stand-up paddle com a mulher, Dom se deslocava até a periferia da cidade, nos bairros Marechal Rondon e Alto do Cabrito, para dar aulas de inglês como voluntário em um projeto da Universidade Federal da Bahia, Fiocruz-BA e Universidade de Liverpool.
Amazônia, um novo amor
Embora o interesse pela Amazônia existisse desde que chegou ao Brasil, Dom passou boa parte da década de 2010 escrevendo sobre os preparativos do país para a Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016. Nos anos seguintes, mudou definitivamente seu foco para o meio ambiente e, e especial, a Amazônia.
Como freelancer, colaborava principalmente para o jornal britânico The Guardian, mas também escrevia para o New York Times, Washington Post, Financial Times e The Intercept.
"Jornalista excelente", escreveu no Twitter o editor de meio ambiente do Guardian, Jonathan Watts, após o desaparecimento do "grande amigo".
Dom viajava frequentemente para a Amazônia para relatar a crise ambiental e suas consequências para as comunidades indígenas e suas terras, "os lugares mais protegidos da Amazônia", como escreveu Dom no Twitter depois de visitar aldeias do povo indígena Ashaninka, considerado um exemplo de sucesso em preservação ambiental.
Foi em mais uma reportagem para o Guardian que Dom conheceu Bruno, em 2018. Os dois fizeram parte de uma expedição de 17 dias pela Terra Indígena Vale do Javari, uma das maiores concentrações de indígenas isolados do mundo. O interesse em comum pelo Vale aproximou o jornalista do indigenista, que desde então viajaram juntos para a região algumas vezes.
"Amazônia, sua linda"
No ano seguinte, Dom ficou nacionalmente conhecido quando, em uma coletiva de imprensa, perguntou ao presidente Jair Bolsonaro (PL) como ele pretendia "mostrar para o mundo que realmente o governo tem preocupação séria com a preservação da Amazônia".
"Primeiro, você tem que entender que a Amazônia é do Brasil, não é de vocês. A primeira resposta é essa daí", respondeu o presidente, que compartilhou o diálogo no Twitter, provocando uma perseguição ao jornalista por parte dos apoiadores do mandatário.
Apesar da pressão, seu interesse pela Amazônia cresceu e, no ano passado, Dom começou a escrever o livro "Como Salvar a Amazônia".
Financiado com uma bolsa da Alicia Patterson Foundation, o livro era escrito como um diário de viagem em que descrevia a agonia da Amazônia e apresentava alternativas para manter a selva de pé.
O projeto nasceu em meio à pandemia, antes que as vacinas começassem a ser aplicadas no Brasil. Para não contaminar as aldeias que pretendia visitar, Dom decidiu se imunizar viajando para o Reino Unido, onde as vacinas já estavam disponíveis.
Sua última visita à floresta pretendia dar contornos finais ao livro, que ele planejava entregar até o fim do ano.
Mas o livro e sua vida foram prematuramente interrompidos no dia 5 de junho de 2022. Cinco dias antes do desaparecimento, ele deixou uma declaração de amor na última frase que escreveu em seu perfil no Instagram:
Amazônia, sua linda."
Dom Phillips, jornalista
*Com Folha, BBC e The Guardian
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