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Casa abandonada teve proposta de R$ 6 mi e ação para impedir empreendimento

18.fev.19 - Edifício Louveira, em Higienópolis, fica ao lado da casa da família de Margarida Bonetti e é patrimônio histórico - Danilo Verpa/Danilo Verpa
18.fev.19 - Edifício Louveira, em Higienópolis, fica ao lado da casa da família de Margarida Bonetti e é patrimônio histórico Imagem: Danilo Verpa/Danilo Verpa

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

28/07/2022 04h00

O interesse imobiliário no terreno de 650 m² onde mora Margarida Bonetti em Higienópolis, área nobre da capital paulista, motivou um pedido de providência encaminhado ao Ministério Público há mais de três anos para impedir a construção de um prédio com nove pavimentos em uma região tombada como patrimônio histórico de São Paulo.

Após o impasse, a congregação judaica Monte Sinai formalizou proposta de R$ 6 milhões em pagamento à vista pela aquisição do terreno, registrada junto à 6ª Vara da Família e das Sucessões do Foro Central da Capital em 25 de outubro de 2021 e renovada há quatro meses.

Questionada por e-mail em 22 de março, após o término da validade da proposta inicial, a congregação informou à Justiça a renovação da oferta, sob as mesmas condições apresentadas em outubro de 2021.

O UOL teve acesso ao documento com a formalização da proposta de compra, condicionada à aprovação do projeto de construção de uma nova edificação de uma sinagoga nas mesmas dimensões da mansão. Procurada pela reportagem, contudo, a congregação disse que não há proposta oficial, apesar do documento assinado pela direção executiva da associação.

O imóvel em péssimo estado de conservação ficou conhecido nos últimos meses em todo o país pela "mulher da casa abandonada", tema de podcast da Folha de S. Paulo produzido por Chico Felitti que mostra que Margarida Bonetti e o marido, Renê, foram acusados de manter uma empregada em condição análoga à escravidão nos Estados Unidos durante duas décadas. Ele foi julgado e preso. Ela veio para o Brasil e não respondeu pelo crime.

Mas a mansão já despertava o interesse dos moradores de Higienópolis anos antes do podcast, devido à especulação imobiliária e da própria família, que trata o espólio de Geraldo Vicente de Azevedo, ainda em tramitação na Justiça. Azevedo morreu em 1998. Margarida, uma das filhas dele, é contrária à venda, segundo pessoas ligadas à família e à própria ação.

Abaixo-assinado cita patrimônio histórico

Há três anos, ao tomarem conhecimento do interesse de uma construtora pela aquisição do terreno da mansão onde vive Margarida Bonetti, moradores da região registraram um abaixo-assinado para impedir o empreendimento. Eles alegaram que o tombamento pelo patrimônio histórico do Edifício Louveira e da Praça Vilaboim também atinge as imediações. A mansão fica ao lado do Louveira; a praça está localizada logo em frente.

Em fevereiro de 2019, o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo havia emitido um parecer favorável pela revogação das limitações construtivas na região —devido ao tombamento. Três meses depois, com o abaixo-assinado, os moradores procuraram um advogado e foi registrado um pedido de providência junto à Promotoria de Habitação e Urbanismo. O conselho acabou voltando atrás.

"O tombamento teve como objetivo proteger não apenas a praça em si, com seu traçado e vegetação arbórea. Mas também todo ambiente constituído pelas quadras lindeiras [quadras vizinhas], a volumetria [dimensões] e implantação dos imóveis da área, a massa arbórea fora da praça e a paisagem que a circunda, espaço raro em região tão densamente ocupada", diz o documento enviado à promotoria.

A 'casa abandonada' fica em Higienópolis, área nobre da capital paulista; já foram apresentadas propostas de compra - Simon Plestenjak/UOL - Simon Plestenjak/UOL
A 'casa abandonada' fica em Higienópolis, área nobre da capital paulista; já foram apresentadas propostas de compra
Imagem: Simon Plestenjak/UOL

O pedido de providência cita o tombamento de 2007 da Praça Vilaboim e do Edifício Louveira pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da cidade de São Paulo) e pelo Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo).

"O tombamento ambiental da Praça Vilaboim reforçou a visibilidade, a harmonia e a ambiência, caracterizadas pela qualidade do entorno de um bem arquitetônico excepcional, que é o edifício Louveira, com seus dois blocos que se destacam na paisagem, recortados contra o céu e marcados pela vegetação e a passagem de luz entre esses blocos", complementa o pedido de providência em nome dos "moradores do bairro de Higienópolis".

A reportagem questionou o Conpresp sobre o assunto, mas ainda não obteve retorno.

'Ela não tem interesse de sair'

Apesar do resultado favorável após o abaixo-assinado, os vizinhos não descartam novas tentativas de alteração da resolução de tombamento.

"Como existe o interesse do setor imobiliário, nada impede que isso aconteça. Esse empreendimento proposto [em 2019] seria um prédio de alto padrão e desperta a especulação imobiliária", diz o advogado Enrico Gonzalez Dal Poz, da EGS Advogados, que representa os moradores.

O defensor mora no prédio ao lado da mansão e disse ter conversado com Margarida Bonetti sobre a possibilidade de venda do terreno. "Ela nunca foi a favor da venda e não tem interesse de sair da mansão. Ela disse que o imóvel foi deixado de herança", afirma.

Procurada, a advogada da família de Margarida não quis se manifestar.

Área de conservação impede prédio

A representação cita ainda as resoluções dos conselhos ligados ao patrimônio histórico, que obrigam os imóveis do entorno a conservar a "volumetria". Em outras palavras, não impede a demolição do imóvel. Mas limita às mesmas da área construída da mansão onde mora Margarida Bonetti.

"O entorno do Edifício Louveira já se encontra densamente ocupado, não havendo elementos que agreguem valor à qualidade ambiental do bem tombado, além de [a área] apresentar-se bastante verticalizada e consolidada", argumenta o pedido dos moradores.