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Por que chamar Sérgio Camargo de capitão do mato é racista; entenda o termo

Candidato a deputado pelo PL, Sérgio Camargo participa de ato no 7 de Setembro - Juliana Arreguy/UOL
Candidato a deputado pelo PL, Sérgio Camargo participa de ato no 7 de Setembro Imagem: Juliana Arreguy/UOL

Colaboração para o UOL

09/09/2022 04h00

Uma figura identificada como quem oprimia e exercia extrema violência contra outros negros —assim era conhecido o capitão do mato, à época da escravatura. É devido a isso que a utilização do termo pode ser considerada racista.

O assunto entrou em discussão na semana passada, quando o deputado federal André Janones (Avante-MG) chamou o ex-presidente da Fundação Palmares Sérgio Camargo, que é negro, dessa forma nos bastidores do debate dos presidenciáveis.

"Certas frases transcendem o contexto em que são utilizadas, como capitão do mato, negão, japa, etc. Todas elas, independente de como são empregadas, têm caráter ofensivo, racista, porque procura legitimar a opressão da pessoa negra", explicou ao UOL o professor Adilson Moreira, doutor em direito antidiscriminatório pela Universidade de Harvard.

Ele explica que o racismo é um sistema de dominação social que tem uma dimensão ideológica — baseada na doutrina da superioridade branca, moral, física, estética, religiosa e institucional.

Uma condição para o funcionamento da democracia é a civilidade, o que significa que todas as pessoas têm direito de serem tratadas com respeitabilidade. Moreira salienta que Sérgio Camargo precisa ser denunciado e publicamente criticado por ter operado contra os interesses dos negros, mas não é a ofensa racial que cumpre esse papel.

Exonerado da fundação, Camargo define-se como "negro de direita, anti-vitimista, inimigo do politicamente correto, livre", nega a existência do racismo estrutural e chamou movimentos negros de "conjunto de escravos ideológicos da esquerda".

Quando saiu da fundação, se manifestou no Twitter: "Chora, negrada vitimista".

'A serviço das elites brancas'

A Fundação Palmares foi criada com objetivo de promover a inclusão racial e ser um importante espaço de discussão. Para o professor, o convocado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL) teve sempre o objetivo "de levar a cabo a política racial anunciada por Bolsonaro; se fosse eleito, negros e indígenas não teriam mais nenhum direito".

O ex-presidente da instituição estava 'a serviço das elites brancas', afirmou Moreira.

O racismo sempre existiu no Brasil e, de acordo com o professor, Camargo provavelmente sabe que ele pode ser parado e assassinado pela polícia a qualquer momento. "Mas ele tem o interesse em negar essa possibilidade. Ele sabe muitíssimo bem que durante a vida inteira ele foi discriminado. Que mulheres brancas atravessam a rua quando o encontram, mas como eles, ele é um agente ideológico a serviço do poder branco, mas nega isso, estrategicamente".

Ele reforça que não é apenas o desprezo pela cor, mas é uma dominação social que opera a partir de uma lógica própria: a de garantir vantagens competitivas para pessoas brancas, para que elas continuem tendo acesso privilegiado ou exclusivo às oportunidades sociais.

"A sociedade precisa ser permanentemente convencida de que negros não são agentes sociais capazes. Então esse é o motivo pelo qual o racismo existe. Ele é uma estratégia social utilizada com objetivo específico de sempre reproduzir a ideia de que pessoas negras não são atores sociais competentes", finaliza o professor.