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Janones diz esperar ser punido por ter chamado Camargo de 'capitão do mato'

O deputado federal André Janones (Avante-MG) aponta para Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares - Reprodução/Twitter/@camargodireita
O deputado federal André Janones (Avante-MG) aponta para Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares Imagem: Reprodução/Twitter/@camargodireita

Do UOL, em São Paulo*

01/09/2022 00h29Atualizada em 01/09/2022 00h42

O deputado federal André Janones (Avante-MG) lamentou ter chamado o Sérgio Camargo, ex-presidente da Fundação Palmares, que é negro, de "capitão do mato". Janones fez a declaração durante confusão na sala onde ficaram os convidados dos presidenciáveis que participaram do debate do último domingo (28), com transmissão do UOL, em parceria com Band, Folha de S.Paulo e TV Cultura.

Um vídeo compartilhado no perfil de Camargo mostra Janones dizendo: "Bate aqui, vagabundo. Vem cá, vem cá, ô valentão. Vagabundo, capitão do mato, desgraçado. Você é um vagabundo". Ambos foram contidos na ocasião. No Brasil, o termo "capitão do mato" é usado para se referir a homens livres e pobres que perseguiam escravos fugitivos em troca de dinheiro de fazendas ou feitorias. Alguns negros também exerciam a função.

"Eu realmente não entendi. Quando eu vi falar no racismo, mas porque eu chamei ele de capitão do mato, isso é racismo? Eu não sabia, fui me aprofundar, fui ler e descobri isso. Espero pagar pela minha ignorância porque ignorância não pode ser justificativa para a gente passar pano para nenhuma atitude que possa soar racista, ainda que não o seja, como de fato não foi. Foi um reflexo de uma ignorância minha", declarou no programa Direto da Redação, da revista Carta Capital, no YouTube.

O político afirmou que não irá contestar uma possível ação que Camargo, que é candidato a deputado federal por São Paulo pelo PL, possa protocolar na justiça contra o parlamentar pela declaração.

Quero dizer em primeira mão, já adiantando os meus próximos passos, que caso ele de fato ingresse com uma ação contra mim, essa ação não será contestada. Então, eu espero ser punido pelo meu erro e que isso possa fortalecer a luta contra o racismo estrutural, que infelizmente ocorre no nosso país. André Janones (Avante-MG)

Janones, que desistiu de concorrer à presidência e agora apoia a campanha do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), pediu desculpas pela sua "ignorância" e ressaltou que não vai se "acovardar em responder pelos atos".

"Peço desculpas pela minha ignorância. Não pelo meu ato, mas pela minha ignorância de não ter a profundidade necessária para saber que aquela fala poderia ter um viés racista e não irei fazer nenhuma defesa no processo. Serei revel no processo para que eu seja condenado e pague indenizações, penalidades na Justiça, enfim", começou.

E continuou: "Não vou, em nenhum momento, me acovardar de responder pelos meus atos, ainda que tenha sido um ato culposo (sem a intenção), e não doloso (com intenção), reflexo da minha falta de conhecimento em relação a esse tema para poder ter me expressado de uma forma melhor ali naquele momento".

O candidato à reeleição na Câmara dos Deputados citou, ainda, que tem uma "parte positiva" na atitude, que foi "convencer o dito cujo que existe racismo no nosso país".

"Pela primeira vez, o que o Bolsonaro não conseguiu, a gente conseguiu: convencer o ex-presidente da Fundação Palmares de que existe racismo no Brasil. Isso é histórico. Eu tenho 30 prints dele dizendo que racismo não existe no Brasil, que é tudo mimimi e, agora, finalmente, ele está fazendo o trabalho dele, que ele deveria ter feito nos últimos quatro anos, que era ajudar a fortalecer a luta antirracista no nosso país."

O que diz Camargo

No Twitter, Camargo publicou ontem uma foto em frente a uma delegacia de São Paulo e escreveu: "Caso Janones: chegando na delegacia". Anteontem, o bolsonarista já havia anunciado (veja o tuíte abaixo) que iria até a polícia e anunciou que sua defesa protocolaria uma ação judicial por injúria racial.

Na segunda-feira (29), o candidato havia compartilhado uma parte da denúncia que faria contra Janones e declarou que "negros não são uma propriedade da esquerda. Negros são livres".

Polêmicas de Camargo

Em abril, quando saiu da Fundação Palmares, Sérgio Camargo se manifestou no Twitter ao compartilhar uma foto com Jair Bolsonaro (PL) e recortes de notícias, escrevendo: "Chora, negrada vitimista". Uma imagem compartilhada no Twitter de Camargo também compartilhada à época dizia: "Sou o terror dos afromimizentos [sic] e libertei a Palmares kkk. A batalha continuará na Câmara Federal".

Essa não foi a primeira vez que Camargo publicou frases racistas. Desde que assumiu o posto de presidente da Fundação Palmares, ele foi criticado por lideranças de movimentos negros por essas manifestações.

O ex-presidente da Fundação Palmares, que se define como "negro de direita, antivitimista, inimigo do politicamente correto, livre", nega a existência do racismo estrutural e chamou movimentos negros de "conjunto de escravos ideológicos da esquerda".

Racismo estrutural existe e é o termo usado para reforçar o fato de que existem sociedades estruturadas com base na discriminação que privilegia algumas raças em detrimento das outras. No Brasil, em outros países americanos e nos europeus, essa distinção favorece os brancos e desfavorece negros e indígenas. Entenda o que é o conceito.

*Com reportagem de Marcelo Oliveira, para o UOL, em São Paulo, em janeiro de 2020