Topo

Esse conteúdo é antigo

Com ajuda das redes, 'Golpe do amor' se multiplica e deixa rastro de crimes

Empresas que administram plataformas de relacionamento online renovam políticas e criam artifícios para dificultar os golpes - Charles Deluvio/Unsplash
Empresas que administram plataformas de relacionamento online renovam políticas e criam artifícios para dificultar os golpes Imagem: Charles Deluvio/Unsplash

Maurício Businari

Colaboração para o UOL

27/10/2022 04h00

A busca por relacionamentos na internet acabou gerando uma oportunidade para vigaristas de todos os tipos se aproveitarem das pessoas que querem encontrar um amor. Quando a vítima cai nas mãos de um estelionatário especializado no "golpe do amor", as consequências podem ser dramáticas. Segundo especialistas ouvidos pelo UOL, os criminosos acabam se aproveitando da carência e da baixa autoestima de suas vítimas.

"Em um primeiro momento, as pessoas buscam encontrar um amor, mas ao perceberem que têm a chance de estabelecer um relacionamento com uma pessoa que, aparentemente, se diferencia das demais por ser rica, famosa, muito bonita, mais jovem, isso pode proporcionar um bem-estar que a pessoa sempre acreditou merecer, mas nunca teve", explica a psicóloga Adriana Severine, especialista em terapia cognitivo comportamental.

Foi exatamente isso que aconteceu a um jovem de classe média alta que mora na cidade de São Paulo. Ele começou a se relacionar com uma jovem muito bonita pelo aplicativo Inner Circle, identificada como Fernanda. Ela sempre se apresentava muito bem vestida, com roupas sensuais, lingeries, o corpo em forma e o rosto maquiado, destacando sua beleza.

"Ele se empolgou demais com essa menina", contou ao UOL a irmã do jovem, que é comerciante. "Eles ficaram conversando por um mês pelo Inner Circle, depois se adicionaram reciprocamente no WhatsApp. No dia em que ele marcou de vê-la pessoalmente, ele chegou na casa dos meus pais antes para contar a novidade, que ia se encontrar com uma mina supergata, que estava muito empolgado", afirmou.

Mas o que era para ser uma aventura amorosa, acabou em uma perigosa armadilha. Ele omitiu esse detalhe da família, mas a jovem disse que morava numa região periférica da Grande São Paulo, um local considerado perigoso, com alto índice de criminalidade. No dia combinado para o encontro, ele foi até lá buscá-la.

O rapaz que foi vítima de um tiro no pescoço estava empolgado em conhecer a garota que se identificava como Fernanda - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
O rapaz que foi vítima de um tiro no pescoço estava empolgado em conhecer a garota que se identificava como Fernanda
Imagem: Arquivo Pessoal

"Ele disse que, enquanto esperava a garota, ficou com medo de descer. Mandou a localização para um amigo dele. Nisso, três caras cercaram o carro e ele saiu. Um deles chegou bem perto e o jovem explicou que estava esperando uma garota e apontou para o prédio. Nessa, o cara puxou o gatilho sem dizer nada e o acertou no pescoço. Depois tentou atirar novamente, com meu irmão já caído no chão, para matar", conta a comerciante.

"Um dos moradores do prédio, vendo toda a cena, começou a gritar. Eles fugiram. Meu irmão foi socorrido. No hospital, soubemos que ele possivelmente nunca mais andaria. Estava paraplégico. A vida dele acabou, ele já disse várias vezes que preferia estar morto do que inválido. É muito triste".

Essa atração que nos faz ignorar as consequências dos nossos atos pode ser interpretada comumente como paixão. Porém, na opinião do psicanalista Roberto Soares, a "cegueira" que acomete as pessoas nesses casos tem mais a ver com a cobiça, o desejo de possuir algo que se acreditava ser muito difícil de conquistar.

Exatamente como aconteceu com uma empresária carioca, que se viu envolvida numa trama em que, para ter o amor tão desejado do "homem dos sonhos" que ela conheceu no Tinder, fez depósitos, pagamentos em Pix e transferências bancárias que a deixaram no vermelho após seis meses de relação.

"Ele fazia de um jeito que eu me sentia culpada se não ajudasse. Ele era mais bonito, mais bem relacionado e mais inteligente do que eu mesma me achava. Eu tinha que tê-lo ao meu lado a qualquer custo. Ele dizia que era separado, que tinha uma filhinha doente. Ele mandava fotos da menina para mim. Acho que, no total, nesse tempo em que ficamos juntos, eu dei para ele uns R$ 70 mil. Depois descobri que ele tinha uma noiva e estava viajando com ela com o meu dinheiro", revelou.

Baixa autoestima

Na opinião de Soares, comportamentos como o da empresária têm mais a ver com a baixa autoestima do que com a paixão por outra pessoa. "A carência, o desejo de conquistar a gata, o cara bonito, que todo mundo deseja, para provar a si mesmo e aos outros de que é capaz", afirma Soares.

"É como se a pessoa deixasse de enxergar a realidade, por mais estudo, vivência e conhecimento que tenha, porque subconscientemente quer viver aquele sonho que sempre acreditou merecer", completa Adriana. "O golpista se aproveita da pessoa em um momento de carência, de baixa autoestima, de solidão e lhe oferece tudo o que ela sempre sonhou".

O que dizem as empresas

Em nota, o Inner Circle informou que não observou um aumento no número de golpistas no Brasil, onde a empresa possui um grande número de usuários, comparado a outros países.

"No entanto, mesmo tendo grandes esforços para prevenir que golpes aconteçam, sabemos que nenhuma medida de segurança é 100% eficaz. Atualmente, estamos desenvolvendo uma nova ferramenta de segurança para prevenir que golpistas entrem no aplicativo", avisa a empresa.

Procurado, o Tinder, que possui 100 milhões de pessoas cadastradas em sua plataforma, não respondeu sobre sua percepção no aumento de "golpes do amor" envolvendo o aplicativo no Brasil. Mas informou que está incentivando membros a usarem a verificação por foto e procurarem o tique azul' ao deslizar - esse tique indica que a imagem do perfil é genuína e foi verificada pelo Tinder. Já no recém-lançado "Explorar", os membros agora podem ter mais controle sobre quem eles encontram, escolhendo ver apenas perfis verificados por foto.

Como evitar golpes

Um levantamento da empresa de segurança digitsal PSafe sobre golpes em relacionamentos virtuais, divulgado em março deste ano, acendeu um alerta: 34,38% das 10.755 pessoas ouvidas afirmaram que já se relacionaram com alguém que conheceram na internet e, desses, 24,59% responderam que já foram vítimas de perfis falsos.

O estudo revelou ainda que 25,5% das pessoas vítimas de criminosos, correspondendo a uma em cada quatro pessoas, tiveram alguma perda financeira em decorrência do relacionamento falso.

Quando se trata de informar o usuário sobre como evitar se tornar uma vítima dos golpistas, as dicas são as mesmas em ambas as plataformas. O UOL separou algumas:

- Nunca envie dinheiro ou compartilhe suas informações bancárias.
- Não compartilhe informações pessoais, como o seu endereço de trabalho ou da escola dos seus filhos.
- Evite convites para conversar em outros apps de mensagens, prefira manter-se na plataforma onde iniciou contato.
- Apenas forneça o seu número de telefone se tiver certeza que o match é verdadeiro.
- Se marcar um encontro, o faça em local público. Buscar em casa, nem pensar.
- Avise um amigo ou parente sobre o seu encontro.
- Se for beber, vigie o seu drink para evitar que sejam colocadas substâncias entorpecentes.
- Mantenha bolsa, carteira e celular sempre junto ao corpo.