Internações, novo delegado, 'big brother': os planos para a cracolândia
Eleita pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) como uma das prioridades de sua gestão, a cracolândia, área que concentra dependentes químicos e traficantes no centro de São Paulo, será alvo de um plano de enfrentamento elaborado em conjunto por governo do estado e prefeitura que será divulgado na tarde de hoje.
Tarcísio e o prefeito Ricardo Nunes (MDB) almoçaram ontem com suas equipes e integrantes do Judiciário no Palácio dos Bandeirantes para debater o tema.
As ações incluem:
- Intensificar a internação dos dependentes que frequentam a área;
- Troca do delegado responsável pela região central;
- Revitalização do Cratod (Centro de Referência de Álcool, Tabaco e Outras Drogas), mantido pelo governo estadual;
- Instalação de câmeras de seguranças na região.
A reportagem apurou que uma proposta de aplicação de justiça terapêutica também foi discutida —trata-se de um programa judicial de redução de dano social para dependentes químicos que cometem infrações de menor potencial ofensivo.
Prefeito defende internação
Nunes defendeu recentemente a internação obrigatória de frequentadores da área que usam crack há mais de cinco anos. Uma pesquisa da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) divulgada no fim do ano passado mostrou que 57,4% das pessoas frequentam a cracolândia há pelo menos cinco anos.
Quem está no consumo há mais de cinco anos --são os estudos que demonstram-- precisa de um atendimento do poder público. Se o atendimento for a internação involuntária, compulsória, comunidade terapêutica, seja ele qual for, a Prefeitura de São Paulo e o governo do estado darão o atendimento que ele precisa. A gente não pode ter as pessoas jogadas na rua, se consumindo com o crack, numa situação que elas não conseguem sair sozinhas."
Ricardo Nunes, em 13 de janeiro
A legislação brasileira prevê três tipos de internação:
- voluntária, quando há concordância do paciente;
- involuntária, quando há discordância do paciente, mas concordância assinada por um terceiro;
- compulsória, determinada pela Justiça;
A prefeitura informou que no ano passado encaminhou 409 pessoas para leitos hospitalares. Essas internações, no entanto, têm sido majoritariamente curtas, de cerca de 10 a 15 dias, segundo apurou o UOL. Deste total de encaminhamentos, três foram involuntários.
O promotor Arthur Pinto Filho, da área de saúde pública e direitos humanos do MP-SP (Ministério Público de São Paulo), diz que internar dependentes contra a vontade deles não resolve o problema e o poder público precisa apresentar planos de assistência a longo prazo.
Já se tentou internação em massa antes, mas conseguimos barrar porque não existe isso. Para isso acontecer, segundo a lei, tem que ter um laudo médico, e o especialista tem que analisar a situação de forma minuciosa. Você não faz esse laudo em uma conversa de cinco minutos, é um processo longo para o psiquiatra entender. Fazer isso em massa é como se as pessoas não tivessem individualidade e cada um tem uma necessidade."
Arthur Pinto Filho, promotor
Coordenadora da pesquisa sobre cracolândia, Clarice Madruga defende uma integração entre a área da saúde e assistência social para reinserir os dependentes na sociedade.
"Enquanto não houver uma articulação muito alinhada entre saúde e assistência social essas pessoas vão passar pela saúde e vão retornar [para a cracolândia] porque elas não têm nenhuma perspectiva de vida fora da cena de uso. Acho que o debate tem que ser o 'e depois, o que vocês vão fazer?'", diz. "A gente não vê nada ser feito para a reinserção dessas pessoas. Não tem trabalho com vínculos familiares, com geração de renda, muito menos moradia."
Novo delegado
Tarcísio já afirmou que a cracolândia "não é questão de polícia, não é uma questão só de saúde pública, só de assistência social ou de habitação. É de todas elas".
Logo após tomar posse, ele designou seu vice, Felício Ramuth (PSD), para gerenciar as ações relacionadas à área e trocou o delegado responsável por cuidar da região central. Jair Barbosa Ortiz assumiu o comando da 1ª Delegacia Seccional Centro no lugar de Roberto Monteiro, idealizador da operação Caronte, realizada desde junho de 2021 para tentar acabar com o consumo e a venda de drogas.
Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo na semana passada, Ortiz disse que irá rever as operações e defendeu menos violência policial.
Faz 30 anos que eu vejo operações policiais muito incisivas na cracolândia e, até hoje, eu não vi resultado. Tendo a acreditar que essa narrativa é mentirosa, de que enfrentar a cracolândia na base de pancada vai resolver."
Jair Barbosa Ortiz, delegado
Ao jornal, o delegado também citou a instalação de 300 câmeras de segurança em pontos públicos e na fachada de comércios e residência para "criar um 'big brother' na região".
As ações realizadas até agora na cracolândia não impediram a venda e o consumo de drogas no local —apenas fizeram com que os usuários se espalhassem por vários pontos.
Embora a prefeitura defenda que a dispersão ajude no acolhimento aos usuários, Pinto Filho avalia que isso prejudicou o trabalho de agentes de saúde e da área social. "Não conseguem mais achar as pessoas, porque são pontos móveis."
O que dizem prefeitura e Estado
Em nota a Prefeitura de São Paulo informou que oferece acolhimento e tratamento a usuários de álcool e outras drogas em situação de vulnerabilidade, com ações integradas entre diferentes secretarias.
Já o governo paulista disse realizar um diagnóstico das ações de atendimento aos dependentes químicos. "O objetivo, a partir dessa análise, é construir uma nova dinâmica de acolhimento, acompanhamento e atendimento aos usuários, integrando os serviços de diferentes esferas de governo, do Judiciário e da Defensoria Pública."
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