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'Que chova canivete': moradores de Pinheiros se enfurecem com Carnaval

Bloco de rua em Pinheiros, no Carnaval de 2019 - Edson Lopes Jr./UOL
Bloco de rua em Pinheiros, no Carnaval de 2019 Imagem: Edson Lopes Jr./UOL

Camila Corsini

Do UOL, em São Paulo

06/02/2023 04h00

Os foliões já estão prontos para botar o bloco na rua. Parte dos moradores e comerciantes dos bairros de Pinheiros e Vila Madalena, na zona oeste de São Paulo, no entanto, não vê motivo nenhum para festa.

Os bairros são rota de blocos famosos que devem desfilar na cidade — em um ano que marca a retomada da folia em fevereiro e sem restrições da pandemia.

O pré-carnaval começa, oficialmente, no dia 12, mas já há "esquentas" por toda a cidade. E moradores enfurecidos.

"Que chova canivetes! Todos os dias", disse uma moradora em um grupo no Facebook. "Lamentável ter de conviver com a sujeira e a baderna sem ter tido opção de escolha", completou outra.

O fórum online foi criado em 2017 justamente para mobilizar quem está "aflito e extremamente incomodado com a degradação crescente" da região, de acordo com a descrição do grupo.

Os moradores também se mobilizam fora das redes: buscam o Ministério Público e marcam reuniões com autoridades locais para fazer sugestões contra a aglomeração da folia.

Ruas como Purpurina, Aspicuelta, Fradique Coutinho, João Moura, Fidalga são parte do trajeto dos mais de 70 desfiles que devem acontecer na área de abrangência da Subprefeitura de Pinheiros no mês de fevereiro. A previsão é de desfiles durante todo o dia.

Em toda a cidade, são cerca de 531 blocos de rua e previsão de 14 milhões de pessoas para o Carnaval deste ano.

Carnaval - Edson Lopes Jr./UOL - Edson Lopes Jr./UOL
Previsão de público é de 14 milhões de pessoas no Carnaval de SP
Imagem: Edson Lopes Jr./UOL

'Degradante'

"Antes era só um dia, dois. Depois, começou essa palhaçada. É quase uma festa do Divino, que não tem fim", reclama a decoradora Cecilia Alves Meira, de 62 anos, se referindo aos festejos do pré e do pós-Carnaval.

Não é porque o bairro é boêmio que você é obrigado a conviver com bar tocando batucada, forró e sei lá mais o que em altos brados até altas horas da noite
Cecília Alves Meira

Ela mora há 20 anos na Rua Purpurina, rota dos bloquinhos e point da vida noturna na cidade.

"Quando vim morar aqui, não tinha nada disso. Foi mais ou menos da Copa de 2014 para cá. Agora eu assisto de camarote", completa. Da própria janela, ela afirma já ter visto de tudo: pessoas fazendo xixi, "quase transando na rua" e vendendo droga.

Quando vira o ano, ela já se organiza para sair de São Paulo e ir ao interior. Se não consegue, acorda cedo e vai para a casa da mãe em Alto de Pinheiros, o bairro vizinho — onde ainda diz haver sossego nessa época do ano.

Tenho de me programar, sair com horas de antecedência e voltar quando acabou a balbúrdia
Cecília Alves Meira, moradora da Rua Purpurina

Ela diz que sequer consegue pedir um táxi e que é inevitável torcer para que São Pedro faça sua parte. "Que chova, que inunde."

"Me lembro que uma vez, na Praça Pôr do Sol [uma área próxima de onde mora, em Pinheiros], colocaram uma fileira de banheiros químicos. Pagam uma nota de IPTU para morar naquele lugar e fica o mês inteiro aquela fila. Você abre a janela, tem uma fila daquelas casinhas horríveis. É degradante."

'Não sabem o que a gente passa'

Em um dos quarteirões mais badalados da Vila Madalena, na Rua Aspicuelta, mora a dona de casa Marina Araújo, de 33 anos.

"Em 2014, passavam blocos e trios na porta de casa. Mas era isso, iam embora e pronto. A rua ficava tranquila. Tinha movimentação, mas nada comparado ao que temos hoje. Hoje é um horror."

Como ela tem filhos pequenos, em idade escolar, viajar o mês de fevereiro inteiro não é uma opção.

"É a minha casa, bar dos dois lados e na frente. Estamos ilhados. Quando vira o ano, a gente já fica nervoso. Muita gente acha legal eu morar aqui, mas as pessoas não sabem o que a gente passa", completa.

Marina e a família escolheram, há pouco tempo, cercar a casa com arame farpado. Eles também têm um cachorro Rottweiler — que não era suficiente para frear os grupos mais exaltados.

O pessoal subia e sentava no muro, jogava coisa no quintal, queimava o cachorro com bituca de cigarro, fazia xixi no portão. É um caos
Marina Araújo, moradora da Rua Aspicuelta

'Respeito não existe'

A engenheira Simone Oppenheim, de 50 anos, tomou a decisão de sair do bairro no ano passado, depois de passar metade da sua vida no miolo da Vila Madalena.

"Uma das razões de eu ter saído de lá era essa bagunça que não tinha limite. A região sempre teve uma baguncinha, mas o pico foi depois de 2014. Surgiram novos blocos e, cada vez mais, a gente com menos sossego e mais restritos na questão do direito de ir e vir."

Carnaval - Marcelo Justo/Folhapress - Marcelo Justo/Folhapress
Carnaval de 2019: na imagem, bloco começou na Rua Cardeal Arcoverde e encerrou na Praça Benedito Calixto, em Pinheiros
Imagem: Marcelo Justo/Folhapress

Ela também optava por viajar no período, por não conseguir lidar com a situação.

"Não sou uma pessoa que gosta de Carnaval — respeito quem gosta. Mas começou a ficar impraticável tanto a questão de movimentação quanto de barulho. Por mais que termine o desfile, as pessoas não vão embora."

Tem gritaria, tem gente quebrando garrafa, urinando e defecando na rua. Vi isso da janela do meu apartamento. As ruas ficam imundas e o respeito pelos moradores não existe
Simone Oppenheim

Para ela, é difícil que as coisas mudem porque não existe um consenso entre os moradores.

"O bairro é dividido. Tem muita gente que ama Carnaval. Não dá para generalizar o público como totalmente contra. Tinha gente no meu prédio que adorava, que descia e tinha bloquinho na esquina. Como lida com isso?"

E o comércio?

Nem todos os comerciantes da região se animam com a folia. Eles dizem que trabalhar no circuito de um bloco pode trazer mais prejuízos do que lucro.

"Ninguém que vai ao bloco para em um bar para pedir gin ou cerveja mais elaborada. O comércio só vai ter lucro se a Prefeitura determinar o desfile pela manhã e, às 15 horas, ficar tudo limpo e reaberto", opina Vanessa Rocha Rego, presidente do Coletivo Pinheiros.

A rede representa parte dos comércios da região entre a Rua Pedroso de Morais, Avenida Rebouças, Teodoro Sampaio e Henrique Schaumann.

"Se abrir, precisa reforçar a segurança porque as pessoas se acham no direito de entrar e usar o banheiro. Aí quebra pia, deixa tudo imundo, tem consumo de papel, água e sabão. E não tem retorno financeiro disso."

O que diz a Prefeitura

Por meio de nota, a Prefeitura de São Paulo disse que "está em fase final de planejamento para execução da infraestrutura necessária para a realização de uma festa livre, democrática e descentralizada, com enorme relevância cultural, turística e econômica".

Afirma, ainda, que a Secretaria Municipal das Subprefeituras elabora e coordena a fiscalização dos desfiles em conjunto com a Guarda Civil Metropolitana — assim como atuação contra o comércio e propaganda irregulares.

Segundo a Prefeitura, a Secretaria Executiva de Limpeza Urbana deve realizar "a limpeza mais rápida do Brasil" ao fim dos desfiles — a expectativa é de que, em 40 minutos, as vias estejam limpas e lavadas para serem entregues à livre circulação de pessoas e veículos.

A gestão municipal afirma, ainda, que, por meio da Guarda Civil, será feito um patrulhamento comunitário e preventivo na tentativa de inibir crimes de oportunidade.