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Carlos Madeiro

REPORTAGEM

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Garimpeiros pagam em ouro por fuga da Terra Yanomami: 'tudo para ir embora'

Com pertences em sacos pendurados nas costas e usando chinelos, garimpeiros deixam Terra Yanomami - Lalo de Almeida/Folhapress
Com pertences em sacos pendurados nas costas e usando chinelos, garimpeiros deixam Terra Yanomami Imagem: Lalo de Almeida/Folhapress

Colunista do UOL

10/02/2023 04h00

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Quatro garimpeiros que atuavam ilegalmente na Terra Indígena Yanomami devem iniciar hoje uma viagem de mais de dois dias para deixar a região, que será alvo de operação em breve para acabar com a atividade.

O roteiro traz um percurso usando três meios de transporte: helicóptero, canoa e, por fim, carro. Nesses dois últimos, o pagamento será feito em ouro retirado do território.

Um dos garimpeiros, que pediu para não ser identificado, conversou com a coluna e explicou o plano em detalhes.

Vamos pagar R$ 16 mil no helicóptero [valor que será dividido entre os quatro] para ir para outro garimpo, onde há uma canoa que nos leva até uma cidade em uma viagem de dois a três dias. De lá pegamos um carro para concluir a viagem
Garimpeiro

Ao todo, a operação de saída deve custar R$ 5.300 para cada um deles. Além do helicóptero, ele explicou que a viagem de canoa vai custar individualmente três gramas de ouro (ou cerca de R$ 800), e a viagem no carro, dois gramas (cerca de R$ 550).

O grupo, diz, vai gastar tudo que arrecadou nesse último tempo de garimpo para sair do local.

Nós vamos dar tudo que temos aqui para ir embora.
Garimpeiro

A opção de dividir a viagem por terra, água e ar é para baratear o custo. Uma vaga em voo direto hoje pode custar até R$ 15 mil, e poucos têm essas condições.

Os preços altos revoltaram os garimpeiros, que fecharam a pista do Jeremias esta semana, uma das principais do território, evitando novos pousos.

Sem recursos, grupo fica

O local onde o grupo que falou à coluna está é uma área com barraca em que ainda há comida para mais alguns dias. Dos 14 presentes, dez vão ficar e esperar um resgate porque não têm recursos para pagar um deslocamento.

"Tem muito garimpeiro que entrou faz pouco tempo e não conseguiu juntar ainda a quantidade. O preço está muito alto", diz, citando a varação —como eles chamam a caminhada na floresta.

Muitos no desespero caíram mata adentro, e ninguém sabe o que aconteceu. Tem muita gente doente nas pistas, que estão passando fome esperando um voo. Está uma loucura, um caos total.
Garimpeiro

Sair a pé de onde estão, diz, é uma opção arriscada. Na versão dele, os garimpeiros são vítimas de indígenas. "Se os índios [sic] nos encontrar, eles saqueiam, já mataram. A história de garimpeiro matar índio é mentira só para ganhar mídia", afirma. A PF, porém, afirma que já registrou casos de yanomamis assassinados por garimpeiros em fuga.

Os garimpeiros, diz, sempre os ajudaram com comida, medicamentos e roupa. "Essa terra do lado brasileiro aqui estava abandonada. Eles agora se viraram contra a gente, acho que porque viram a gente sair", afirma.

Por fim, ele diz que o prazo até o dia 13 anunciado pelo ministro Flávio Dino (Justiça) para que os garimpeiros deixem a área é insuficiente. "Não têm como sair! Os garimpeiros estão cooperando, querem sair, mas tem de ter prazo, é muita gente".

Aeronave e helicópteros na pista de voo na comunidade de Homoxi, na terra Yanomami - © Bruno Kelly/HAY - © Bruno Kelly/HAY
Aeronave e helicópteros na pista de voo na comunidade de Homoxi, na terra Yanomami
Imagem: © Bruno Kelly/HAY

"Todos organizados para sair"

A líder da Associação dos Garimpeiros Independentes de Roraima, Carine Farias, afirma que tem ajudado garimpeiros a deixar a área, mas a situação é caótica.

"Estão todos organizados para sair, mas como é muita gente, e o prazo é pouco, não tem tanto transporte para todo mundo. Além disso, a maioria das pessoas não tem ouro ou dinheiro para pagar a viagem", declarou.

Ela cita que algumas pessoas que decidiram fazer a varação estão desaparecidas, em áreas sem sinal de celular com internet. "Os familiares estão em desespero."

Hoje temos canoas em que cabem 20 pessoas saindo com 47 pessoas, superlotadas, com risco de virar e matar várias pessoas. Tem gente perdida na mata, tem gente ferida. São muitas situações.
Carine Farias