'Meu braço rolou para dentro da boca do tubarão': como sobrevivi a ataque
O contador Márcio Palma, de 39 anos, tem vontade de visitar Fernando de Noronha mais uma vez — agora para, de fato, conhecer o arquipélago. Um acidente interrompeu o passeio dele de forma instantânea no fim de 2015: Márcio foi vítima de um ataque de tubarão — o primeiro registrado oficialmente em Noronha.
De lá para cá, outros nove aconteceram no arquipélago. A Praia do Sueste, onde houve o acidente com Márcio, chegou a ser interditada após o ataque a uma menina no ano passado. Dois acidentes seguidos em uma praia no Grande Recife, na semana passada, voltaram a chamar a atenção para o problema.
Sem parte do antebraço e da mão direita, Márcio voltou para Loanda, no interior do Paraná, onde mora, e se adaptou à nova vida. Ao UOL, ele contou sobre o episódio.
"Noronha é o sonho de muita gente e era o nosso também. Foi um planejamento de ano para ir para lá, porque não é uma viagem barata — fomos eu, minha esposa, meu irmão, minha cunhada e um casal de amigos. A ideia era ficar quatro dias.
No dia 21 de dezembro, fizemos um passeio de barco pela manhã. De tarde, fomos à Praia do Sueste.
A gente sabia que ali tinha tubarão e uma das nossas preocupações era se eles atacavam, mas os guias disseram que não tinha problema. Eles viviam em harmonia porque, ali, tinha bastante alimento para eles
Fiquei empolgado com a possibilidade de ver um tubarão de perto. E a tarde foi assim: praticamos snorkel [mergulho com pouca profundidade para observação], vimos tubarões de longe. No final da tarde, a praia já estava suja [água turva] e estávamos quase indo embora.
Como eu ainda queria ver um peixe grande, chamei o pessoal para ir comigo do outro lado, onde a água estava menos turva. Eles não quiseram. Chamei minha esposa e ela aceitou.
Naquele trecho, tem algumas boias de limitação. Como eu estava com o colete salva-vidas, avisei para ela que iria até ali e voltaria. Ela ficou onde dava pé, me esperando.
Estava procurando os peixes e, quando virei na outra direção, vi o tubarão. Até pensei 'que legal!' porque estávamos a uma distância de mais ou menos um metro e meio.
Mas ele continuou vindo na minha direção e, quando estava a uns 40 centímetros [de mim], abriu a boca. Só pensei em desviar. Quando bati o braço na água, ele me pegou.
Senti que a mordida foi até o osso, ele deu três chacoalhões e arrancou meu braço. Eu estava ali, rodopiando na água, e vi ele passando na minha frente com a boca entreaberta e o meu braço rolando para dentro da boca dele
Essa é a lembrança que eu tenho. Na hora, vi que perdi meu braço.
Por instinto, ergui o outro braço, nadei e gritei que tinha um tubarão ali. Fiquei com medo porque, depois do ataque, minha esposa veio na minha direção. Meu braço estava jorrando sangue e fiquei com medo de que isso atraísse mais tubarões.
Fiquei consciente todo o tempo. Quando cheguei na areia, tentei conter o sangramento porque sabia que perder muito sangue poderia me prejudicar. Andamos até onde estavam os carros, o ICMBio [Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade] ligou para o pronto-atendimento e fui levado ao hospital.
Eles até mergulharam procurando o braço, mas não acharam vestígios. Mas eu avisei: eu vi o tubarão engolindo, não tinha o que procurar ali
Quando cheguei ao hospital, só tinha uma médica e ela ficou confusa. Ali não tinha estrutura para me atenderem. Ela chamou, então, alguns médicos que estavam de férias para dar os primeiros atendimentos.
Passei a noite esperando o avião para ir ao Recife, porque a pista não podia receber voos à noite. Fiquei internado em quarentena.
O medo dos médicos era em relação a infecções, porque não temos como saber quais as bactérias da boca do tubarão. Ele come de tudo. Mas não tive nenhuma infecção e pude logo voltar para a minha cidade, no interior do Paraná
Canhoto 'na marra'
Depois disso, foi apenas a recuperação. Eu era destro e tive de me tornar canhoto na marra. Hoje já estou adaptado, mas sinto consequências do uso repetitivo de um único membro. Isso faz parte.
Não fiquei com traumas. Estava em um lugar em que podia estar, mas era o mar, o habitat desses animais. Estava sujeito a isso e foi uma fatalidade. Os tubarões não têm culpa nenhuma e não tenho nada contra eles.
Eles precisam ser preservados e muitas pessoas acabam os matando. São eles que equilibram a cadeia alimentar marítima e são necessários. Nós é que estamos invadindo o habitat deles
Quando vejo notícias de outras pessoas atacadas por tubarões [como as vítimas dos ataques recentes], não me gera lembranças tristes, mas fico com pena porque a adaptação é complicada. Perder um membro é difícil. Se não se cuidarem, podem entrar em um processo depressivo.
Se a gente soubesse do risco [em Noronha], não entraria naquela praia, com certeza. Sou consciente de que não podemos nem brincar com um peixe dessa estrutura, mas também não tenho medo de voltar onde tudo aconteceu.
Quero voltar lá com a minha família. O lugar é muito bonito e não podemos perder uma oportunidade dessa."
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