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Casada há 16 anos, ela nunca morou com marido e ele nem sequer foi à festa

Mara Rúbia se casou no civil com Jonas em 2006 e até hoje os dois não vivem juntos por ele estar preso - Arquivo Pessoal
Mara Rúbia se casou no civil com Jonas em 2006 e até hoje os dois não vivem juntos por ele estar preso Imagem: Arquivo Pessoal

Maurício Businari

Colaboração para o UOL, em Santos

15/03/2023 04h00

Muitas mulheres sonham com o casamento perfeito. Flores, cerimônia, vestido de noiva, festa, convidados. Mas para a missionária Mara Rúbia Batista dos Santos, 55, tudo foi diferente.

Ela conta que se casou há 16 anos com o amor de sua vida, mas até hoje não morou um dia sequer ao lado dele. Ele nem sequer pôde participar da cerimônia.

Jonas da Mota, 52, está preso há mais de três décadas e suas penas, somadas, chegam a 120 anos — por ter matado três pessoas da mesma família.

A chacina, conta Mara, teria sido uma vingança: uma das vítimas teria matado a tiros a primeira esposa de Jonas.

"Eu tinha 27 anos e ele, 24. Eu estava separada do meu esposo e ele havia tentado várias relações que não deram certo. Fui com a mãe e as irmãs dele até o presídio e quando o vi, de pé, conversando com um amigo, vi um brilho diferente. Algo que fez meu coração disparar."

Em entrevista ao UOL, Mara conta que conheceu Jonas muitos anos antes, quando ele era apenas o irmão de suas amigas e eles todos moravam no Jardim Camargo Novo, no Itaim Paulista, extremo leste de São Paulo.

Eram jovens e, à medida que cresciam, foram tomando caminhos diferentes, sem perder totalmente o contato.

Uma vez, ela foi visitá-lo na cadeia e percebeu que estava apaixonada pelo conhecido de infância. Era 2004 quando decidiu se declarar.

Eu disse a ele o quanto o amava, que nunca ia deixá-lo, que eu lutaria por ele até o fim, até conseguir tirá-lo de lá e podermos viver uma vida feliz juntos.

Ele estava detido em um presídio de segurança máxima, vivendo em uma solitária, quando recebeu o recado numa carta. Respondeu de forma evasiva, dizendo que não queria sofrer outra desilusão amorosa e não queria ser abandonado novamente.

Mas Mara estava determinada.

Eu queria abraçá-lo, demonstrar o meu carinho, mas só podíamos conversar pelo interfone.

Enquanto isso, Mara passou a trabalhar nos bastidores para ajudar Jonas a sair da cadeia. Pediu audiências com juízes, conversou com advogados, procurou autoridades.

Recebeu muitos "nãos" e alguma ajuda, até que conseguiu reduzir a pena de 120 anos para 76.

Pedido de casamento

Muitos meses depois, veio a surpresa. Foi a vez de Jonas pedir Mara em casamento.

"Eu fiquei radiante. Comecei os preparativos e, no dia do casamento, fui ao cartório com três testemunhas, assinei o livro, e fomos para o presídio com o juiz de paz para ele assinar também. Os padrinhos foram três amigos que ele fez no presídio, e as madrinhas, as esposas deles".

Em vez de vestido de noiva, ela vestia calça jeans e uma blusa azul e branca, mas, na festa, usou um véu de renda branca.

Mara, em sua festa de casamento, no momento de cortar o bolo que celebrou a união com Jonas - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Mara, em sua festa de casamento, no momento de cortar o bolo que celebrou a união com Jonas
Imagem: Arquivo Pessoal

Jonas, que não pôde comparecer ao casamento, também não pôde usufruir da noite de núpcias porque cumpria regime disciplinar.

Eles tiveram de esperar 10 meses até que ele fosse transferido para o CDP de Pinheiros, em São Paulo, para ter acesso a uma cela comum, com direito a visitas íntimas.

Nossa primeira noite juntos foi maravilhosa. Os presos emprestaram uma cela só para nós passarmos a noite, com privacidade. Eu simplesmente esqueci que estava naquele lugar, o cenário todo desapareceu. E continua desaparecendo todas as vezes em que estou com ele

A missionária enfeitou a cabeça com um véu de renda branca em sua festa de casamento - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
A missionária enfeitou a cabeça com um véu de renda branca em sua festa de casamento
Imagem: Arquivo Pessoal

Vida de dificuldade virou chamado

Mara conta que o ambiente carcerário sempre esteve presente na sua vida. Dos oito filhos que teve do primeiro casamento, seis foram presos e atualmente apenas um permanece detido. Ela mesma, quando jovem, foi detida três vezes, mas nunca recebeu uma condenação —provou nas três oportunidades a ocorrência de arbitrariedade das autoridades nas prisões.

Na primeira vez, Mara foi presa em Poá. Ela estava com o ex-marido, comendo num restaurante, quando um amigo de ex-companheiro foi acusado de ter roubado um paliteiro. A polícia foi chamada e, como o ex-marido estava armado, foram todos levados para a delegacia. Apesar de tentar explicar que houve um equívoco, ficou detida um mês, acusada de assalto, até ser ouvida pelo juiz, que retirou as acusações.

A segunda prisão aconteceu no Itaim Paulista. Ela estava na casa da ex-cunhada quando a polícia chegou e prendeu o filho da mulher por tráfico de drogas. Mara foi chamada como testemunha e, ao chegar na delegacia, foi presa. "Foi um choque. Eu não tinha nada a ver com a história. Fiquei 25 dias detida, saí no relaxamento do flagrante. As acusações contra mim também foram retiradas".

Já na terceira vez, ela foi flagrada em Presidente Venceslau com uma quantidade pequena de entorpecentes. "Eu disse que era dependente química, houve um tempo em que fui mesmo, mas me acusaram de querer levar as drogas para a cadeia. Afinal, eu tinha cadastro lá por causa do Jonas. Fiquei detida três meses, até que o juiz se convenceu de que eu falava a verdade. Nunca houve condenação contra mim. Sempre consegui provar que houve arbitrariedade nas minhas prisões".

Hoje, acredita que a familiaridade com esse tipo de história tornou-se um chamado, uma vocação. Além de missionária evangélica, virou ativista dos direitos dos presidiários.

Não defendo bandidos. Eu recebo muitas críticas, porque as pessoas não entendem como o sistema funciona e as injustiças cometidas. Eu luto para que os presos tenham um tratamento digno, consigam estudo e uma ocupação no presídio. Busco também discutir e planejar com autoridades formas de ressocialização

Ela trabalha voluntariamente no auxílio de presidiários com históricos de injustiça ou abuso e consegue levar até eles médicos, advogados e religiosos.

Também ajuda as esposas e as famílias dos detentos a superar a dor e a humilhação de ter um familiar vivendo em um presídio.

Recentemente, Mara recebeu uma notícia importante: como Jonas já cumpriu 30 anos da pena, ele poderá ser solto em janeiro — seus crimes são anteriores à lei 13.964/2019, que aumentou de 30 para 40 anos a pena máxima de prisão no Brasil.

Tenho conversado muito com ele, para que se comporte bem, não responda de forma grosseira aos guardas, que seja tolerante e paciente. Ele mudou muito nesses anos e não vê a hora de sair. E eu não vejo a hora de poder finalmente ter uma vida feliz com ele, morando juntos, como marido e mulher".