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MP diz que PM mudou cena de morte de jurado pelo PCC, mas pede arquivamento

O piloto de helicóptero Felipe Ramos Morais, que prestou serviços ao PCC - Reprodução
O piloto de helicóptero Felipe Ramos Morais, que prestou serviços ao PCC Imagem: Reprodução

Do UOL, em São Paulo

25/05/2023 04h00

Os laudos da ação da PM de Goiás que matou o piloto jurado de morte pelo PCC indicam alteração da cena do crime e contestam a versão de legítima defesa dos policiais. Apesar de reconhecer irregularidades, o MP pediu arquivamento por falta de provas do processo que investiga se houve homicídio.

O que diz a investigação

Os estojos das munições das armas dos policiais militares foram removidos do local, indica relatório do MP. Felipe Ramos Morais e outros dois homens foram mortos a tiros no dia 17 de fevereiro em um sítio na capital Goiânia. As armas supostamente usadas pelos três mortos foram encontradas em uma caminhonete. Por isso, possivelmente foram retiradas da cena do crime, segundo a investigação.

Os policiais militares não souberam explicar em depoimento como as armas atribuídas aos suspeitos foram colocadas no veículo. Elas estavam fora da cena de confronto, de acordo com a reconstituição do crime. Também não foram encontrados estojos compatíveis com as armas que estariam com os mortos.

Os corpos foram retirados da cena do crime por socorristas, segundo a PM. Mas os laudos cadavéricos indicam que eles já estariam mortos após a ação policial —portanto, não precisariam de atendimento médico. Com os corpos no local do crime, a perícia poderia fazer um trabalho mais preciso.

A perícia encontrou apenas dois orifícios característicos de entrada e saída de disparos de arma de fogo no veículo dos três mortos. "A posição relativa dos personagens na cena e a quantidade de disparos sofridos pelas vítimas, inclusive com múltiplas transfixações, seria de se esperar que o veículo apresentasse uma quantidade maior de danos", cita o documento.

Três homens foram mortos em operação da PM-GO, um deles o piloto de helicóptero Felipe Ramos Morais - Polícia Militar de Goiás/Divulgação - Polícia Militar de Goiás/Divulgação
Três homens foram mortos em operação da PM-GO, um deles o piloto de helicóptero Felipe Ramos Morais
Imagem: Polícia Militar de Goiás/Divulgação

MP diz que não há prova de legítima defesa

A alteração da cena do crime fragiliza a tese de legítima defesa, segundo relatório assinado pelo promotor Spiridon Anyfantis no dia 16 de maio.

Apesar das irregularidades, o MP entende que "não há elementos" para incriminar os policiais. "O MP de Goiás promove o arquivamento [por falta de provas]", cita o relatório. Mas diz que as investigações devem prosseguir, caso surjam novas evidências.

Procurada há três dias, a Secretaria de Segurança Pública de Goiás não se posicionou. Questionado pelo UOL, o MP reafirmou o posicionamento do relatório.

O posicionamento do MP foi contestado pela defesa da família do piloto Felipe Ramos Morais. O caso foi redistribuído na segunda-feira (22) para a 3ª Vara dos Crimes Dolosos contra a Vida de Goiânia (GO), que vai remeter o processo para outro promotor. Ele então vai decidir se concorda ou não com o pedido de arquivamento.

Os laudos técnicos (...) demonstram que os vestígios presentes no local do fato foram alterados anteriormente como, por exemplo, os estojos das munições das armas dos policiais militares, indicando prévio recolhimento, bem como das armas supostamente utilizadas pelas vítimas, encontradas no interior do automóvel, o que demonstra sua remoção dos pontos originais de repouso.
Trecho do relatório do MP-GO

Carta escrita por Felipe Ramos Morais; piloto se disse inocente e se dispôs a fazer delação premiada - Reprodução/STJ - Reprodução/STJ
Carta escrita por Felipe Ramos Morais; piloto se disse inocente e se dispôs a fazer delação premiada
Imagem: Reprodução/STJ

O que diz a defesa do piloto morto

O advogado Sérgio Miranda de Oliveira Rodrigues entende que a Promotoria não poderia pedir o arquivamento do caso. "O MP aponta contradições e omissões. Só poderia pedir arquivamento se houvesse legítima defesa evidente. Como não foi o caso, deveria pedir novas diligências à Polícia Civil ou oferecer denúncia."

O defensor também contesta a versão da PM de que houve apreensão de 100 kg de cocaína no local da operação. "Inicialmente, ele falou em apreensão de 5 kg [de cocaína] e apresentou a droga com foto para a imprensa com uma faca fincada dentro. Depois, falou em 100 kg. Mas essa droga não foi apresentada", disse Miranda.

Ele também questiona a versão da PM de que o local da operação estaria sendo usado pelo tráfico de drogas. Segundo ele, a chácara estava sendo usada desde novembro de 2021. "O Felipe [Ramos Morais] alugou a chácara para fazer a manutenção das aeronaves. Os voos relatados eram para testar as peças em plena luz do dia."

Miranda diz que o piloto atuou como informante da Polícia Federal, sobrevoando áreas de garimpo. "Isso explica a movimentação de aeronaves em áreas de fronteira. A denúncia de tráfico foi uma farsa montada pela PM, sem provas."

Os corpos foram arrastados ao redor da caminhonete para criar uma falsa dinâmica dos fatos. As armas atribuídas aos mortos foram colocadas no capô da PM e, depois, no veículo. Houve droga polvilhada nas aeronaves. Em casos de tráfico, ela vem embalada a vácuo. E, mesmo assim, todo o processo foi direcionado para o arquivamento. Isso é fraude processual.
Sérgio Miranda, advogado

O que dizem os especialistas

O desaparecimento dos estojos deflagrados pelas armas dos policiais é injustificável e impede a preservação mínima da cena do crime. Esse tipo de 'limpeza' tem o objetivo de esvaziar os exames periciais, impedindo que se determine qual foi a posição do atirador. Com as armas dos suspeitos mortos dentro do veículo, fica inviabilizada as discussões sobre a dinâmica dos fatos.
Cássio Thyone Rosa, perito criminal e presidente do Conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Soa estranho quando o Ministério Público promove o arquivamento após constatar que houve alteração de cena do crime com apenas três meses de investigação. Em casos similares, costuma-se aprofundar a discussão, pedindo novas diligências e esclarecimentos dos peritos.
Luciano Santoro, advogado criminalista

Líder do PCC, Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, foi assassinado em 2018 - Reprodução - Reprodução
Líder do PCC, Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, foi assassinado em 2018
Imagem: Reprodução

Quem eram os mortos na operação

O piloto Felipe Ramos Morais levou de helicóptero dois líderes do PCC para uma emboscada na aldeia indígena de Aquiraz, na região metropolitana de Fortaleza (CE) em 2018. Rogério Jeremias Simone, o Gegê do Mangue, e Fabiano Alves de Souza, o Paca, foram mortos pela própria facção.

Após os assassinatos, o piloto foi preso por suspeita de envolvimento no crime. Em abril de 2021, Felipe foi solto da penitenciária federal de Campo Grande (MS) por determinação da Justiça cearense.

O piloto sempre negou o envolvimento com a organização criminosa.

Após fazer acordo de delação premiada contra a cúpula do PCC, ele foi jurado de morte pela facção. Com base nas delações dele, a Polícia Federal bloqueou ao menos R$ 1 bilhão em bens e contas bancárias ligadas à organização criminosa.

Nathan Moreira Cavalcante, funcionário da empresa de voo panorâmico, e o mecânico de aeronaves Paulo Ricardo Pereira Bueno não tinham antecedentes criminais, segundo a polícia. "As vítimas (...) são absolutamente insuspeitas, não possuindo, em sistemas oficiais de Segurança Pública, qualquer informação que desabone ambos", cita o inquérito policial.