MP cobra Nunes por defasagem em cadastro de pobres que precisam de ajuda

O Ministério Público de São Paulo ingressou na Justiça com uma Ação Civil Pública em que ameaça multar em R$ 20 mil por dia a Prefeitura de São Paulo por "descaso" ao manter defasado o CadÚnico, cadastro de pessoas pobres que precisam de ajuda social.

O que aconteceu

O Cadastro Único é usado pelo governo federal para selecionar as famílias aptas a participarem de programas sociais, como o Bolsa Família. A União repassa mensalmente uma verba para que as prefeituras alimentem o CadÚnico, que também ajuda estados e municípios a mapearem os vulneráveis de sua região para formular seus próprios programas de assistência social.

A gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB) mantém atualização do CadÚnico paulistano abaixo da média nacional. A chamada Taxa de Atualização Cadastral da capital paulista estava em 67% em abril deste ano, contra uma média nacional de 82,8%. Em junho do ano passado, a taxa paulistana não passava de 52,12%.

Atualização do CadÚnico é necessária para o ingresso no Bolsa Família
Atualização do CadÚnico é necessária para o ingresso no Bolsa Família Imagem: Divulgação

Os dados citados na ação pelo MP são de uma pesquisa do programa Polos de Cidadania, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). "Essa taxa é de 85,2% no Rio, 92,4% em Belo Horizonte, 84,1% em Salvador e 90,5% em Brasília", diz o pesquisador e professor André Luiz Freitas Dias.

"Para piorar", greve afetou recadastramento. Segundo o MP, funcionários que atualizam o CadÚnico na capital "entraram em greve por falta de pagamento" de salários em março último.

Estudo da própria prefeitura indica defasagem. O levantamento informa "800 mil cadastros que precisam de atualização o mais rápido possível", além de "985 mil cadastros que estarão desatualizados no próximo biênio".

Procurada, a prefeitura de São Paulo disse que o cadastramento aumentou. A Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social afirmou que a atualização "foi de 75%" em agosto —ainda abaixo da meta nacional— e foram feitas "512.395 inserções" nos oito primeiros meses do ano.

A pasta informa que contratará um "novo serviço de prestação de cadastros". A intenção é chegar a 90 mil cadastros por mês. Em junho, a prefeitura diz ter criado 20 postos de cadastramento, chegando a 97 endereços e 280 entrevistadores.

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MP pede multa diária de R$ 20 mil

Unidade móvel da Prefeitura de SP cadastra pessoas em vulnerabilidade no CadÚnico
Unidade móvel da Prefeitura de SP cadastra pessoas em vulnerabilidade no CadÚnico Imagem: Divulgção

Promotora quer "medidas urgentes" ou multa. Anna Trotta Yaryd pede à Justiça que dê prazo de 30 dias para a prefeitura reservar dinheiro do orçamento para "adoção de medidas urgentes" para "garantir a manutenção e a expansão do atendimento do CadÚnico".

E tenham como meta mínima atingir, até o final do exercício de 2024, a média nacional de 82,8%, sob pena de aplicação de multa diária no valor de R$ 20.000,00 por dia de descumprimento.
Trecho da Ação Civil Pública

O MP também quer conhecer as regiões da cidade com mais vulneráveis. A ação pede que a prefeitura seja "condenada" a apresentar em seis meses "estudo técnico e levantamento georreferenciado, por distrito, que diagnostique as regiões com maior necessidade de atualização cadastral".

Prefeitura mantém dinheiro em caixa

Embora o MP peça que a prefeitura reserve dinheiro ao CadÚnico, a gestão paulistana está com o caixa cheio. O Fundo Municipal de Assistência Social da cidade acumulava em agosto R$ 12,9 milhões repassados pela União exclusivamente para gerir o CadÚnico, segundo o Relatório Gestão do CadÚnico e do Bolsa Família. Só em março, a prefeitura recebeu R$ 3,6 milhões.

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"R$ 6,7 milhões já estão empenhados em ações do Cadastro Único", diz a secretaria. "Há R$ 6,2 milhões restantes que passarão por nova projeção orçamentária para aplicação nos projetos relacionados."

"Todas as populações vulneráveis são afetadas pela má gestão do CadÚnico", declara o professor Dias, da UFMG. "São famílias na pobreza e extrema pobreza que vivem com até meio salário mínimo e que terão dificuldades para acessar benefícios sociais."

O CadÚnico atende a programas como:

  1. Enem
  2. Bolsa Família
  3. Água para Todos
  4. Carteira do Idoso
  5. Minha Casa Minha Vida
  6. Tarifa Social de Energia Elétrica
  7. Benefício de Prestação Continuada
  8. Isenção de taxa em concursos públicos
  9. Aposentadoria a Pessoas de Baixa Renda

Defasagem ocorre mesmo com explosão de moradores em situação de rua. O estudo da UFMG tinha como foco estimar o número de moradores nessa situação no Brasil. "Em agosto a capital paulista tinha 56.288 pessoas morando na rua, 1/4 de toda a população nessa situação no país", estimada em 227.098 pessoas, diz o professor.

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Mesmo com 25% de toda a população em situação de rua no Brasil e com dinheiro parado em caixa, a prefeitura não atualiza o CadÚnico como se deve.
André Luiz Freitas Dias, da UFMG

A secretaria também refuta o número. Ela cita o Censo da População em Situação de Rua, de 2021, que contabilizou 31.884 moradores de rua na capital, pesquisa que será refeita este ano.

Na capital, essa população não precisa agendar atendimento. Eles são cadastrados apenas nos Centros de Referência Especializado para População em Situação de Rua, com "10.328 inserções e atualizações" no primeiro semestre, diz a secretaria.

As normas do CadÚnico, porém, orientam as prefeituras a buscarem as pessoas que precisam de ajuda. "Não basta que a assistência social abra uma portinha dizendo que estão fazendo cadastro único", comenta o professor. "São Paulo sempre teve dificuldade em lidar com a população em situação de rua, mas não tenho dúvidas de que isso se agravou na atual gestão."

A subnotificação do CadÚnico não pode se tornar um aparato técnico gerador de uma política de morte.
Trecho da Ação Civil Pública

03.04.2023 - Moradores em situação de rua sob o Minhocão, em São Paulo
03.04.2023 - Moradores em situação de rua sob o Minhocão, em São Paulo Imagem: Tomzé Fonseca/Futura Press/Folhapress

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