Conteúdo publicado há 7 meses

Mãe que recebeu voz de prisão de juiz em MT conta que se sentiu 'humilhada'

A mulher que recebeu voz de prisão de um juiz, após se manifestar contra o réu acusado de assassinar o seu filho, disse que se sentiu "humilhada" e "caluniada". Ela participava de uma audiência de instrução como testemunha da acusação.

O que aconteceu:

Sylvia Mirian Tolentino, que trabalha como cabeleireira, lembrou que estava na audiência em busca de justiça pela morte do filho. "Você chega na frente de um juiz, de uma autoridade que é estudada para isso, para poder te defender, mas você é julgada por uma coisa que não fez. Você recebe voz de prisão", lamentou, em entrevista à TV Globo.

Ao lembrar do episódio, a mãe descreveu que o sentimento foi de humilhação. "Me senti muito humilhada e caluniada", afirmou durante a entrevista.

Para ela, sua participação na audiência era importante. Sylvia ressaltou que considerava a audiência como um "local seguro" para se expressar. "Sinto muita dor. Entrei em depressão, perdi o emprego e sofro até hoje. Além disso, meu filho deixou uma filha com a minha nora, que também sofre muito".

A cabeleireira destacou que não imaginava o desfecho da audiência e espera que o juiz reconheça que cometeu uma injustiça. "Eu espero que a justiça seja feita, e que o doutor juiz reconheça que ele errou comigo. Eu não deveria ser presa e isso me dói muito. Eu fiquei com muita vergonha. Era para ele me defender".

Relembre o caso

O juiz Wladymir Perri, da 12ª Vara Criminal de Cuiabá, em Mato Grosso, mandou prender Sylvia após ela se manifestar contra o réu acusado de matar a tiros o seu filho.

No início da audiência, a promotora do caso, Marcelle Rodrigues da Costa e Faria, diz ao juiz que a testemunha é a mãe da vítima. Ela também pergunta à mulher se ela estava constrangida com a presença do réu na mesma sala onde prestaria depoimento.

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Em resposta, a mãe da vítima diz que não tem problema e diz que o réu é "ninguém". "Por mim, ele pode ficar aí, ele não é ninguém", disse. A audiência de instrução foi realizada no dia 29 de setembro, mas o caso ganhou repercussão após imagens serem divulgadas nas redes sociais.

Após a mãe da vítima se manifestar contra o acusado, o advogado do réu pede "respeito". O magistrado também a repreende. "Peço a senhora que, por mais que seja doloroso, que a senhora mantenha a serenidade, com a inteligência sobre essa circunstância", afirmou o juiz.

Em seguida, a mulher responde ao juiz e diz que é uma "pessoa inteligente". Ela diz que o fato de falar que o réu não é "ninguém" não interfere no que falaria no seu depoimento.

O juiz Wladymir Perri repreende a mãe novamente e pede que ela tenha inteligência emocional. "Essa eu não tenho", diz a mulher após ouvir a declaração do magistrado.

A promotora tenta argumentar com o magistrado, mas ele reclama que ela "não para de falar" e encerra a audiência.

Voz de prisão

A mãe da vítima se levanta, joga um copo de plástico e bate na mesa. Segundo a promotora, a mulher teria dito que o réu "escapou da Justiça dos homens, mas da Justiça divina não escapa".

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O juiz também se levanta e dá voz de prisão a mulher, por volta das 16h. Ela permaneceu detida no fórum por cerca de quatro horas até que o magistrado publicasse a ata da audiência, que, segundo a promotora, só foi disponibilizada às 20h.

Ela foi levada à delegacia, prestou depoimento e foi liberada. O Ministério Público impetrou um habeas corpus para evitar a prisão da mãe da vítima. "Eu acompanhei ela na delegacia. O delegado ouviu todo o depoimento dela e dos familiares. Ele não verificou uma justa causa para a prisão e não lavrou o flagrante", contou a promotora.

Abuso de poder

A promotora Marcelle Faria explica que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) tem resoluções e políticas determinando de que forma a vítima tem que ser acolhida pelo Poder Judiciário, para diminuir o seu sofrimento. "Nenhum protocolo desse foi seguido pelo magistrado", ressaltou.

Ela diz ainda que, pela Organização das Nações Unidas, não só é vítima de crime a pessoa que diretamente sofreu a violação do direito. É vítima de crime, também, a pessoa que indiretamente sofre com aquela violação, especificamente nos crimes de homicídio. "O homicídio tira a vida da vítima, mas acaba com o psicológico, com a integridade e com a dignidade dos familiares".

Na ata da audiência, o juiz diz que mandou prendê-la porque ela ameaçou o réu. Para a promotora, o que a mãe da vítima falou não pode ser considerado uma ameaça.

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Eu não compreendo que essa frase, 'da justiça divina, você não escapa, é uma ameaça'. Não era um ambiente de ameaça, porque era um ambiente seguro, com policiais, com o magistrado, o advogado do réu. Não era um ambiente que denotaria qualquer forma de ameaça ou violência dessa mãe chorosa e enlutada.
Marcelle Faria, promotora do MPMT

A representante do MP esclarece também que, se não houve justa causa para determinar a prisão dela, houve um abuso de poder do magistrado. "A vítima tem direito de participar do processo, tem direito de ser ouvida e de ser informada, ela foi calada. É isso que o Ministério Público compreendeu", afirmou.

Ela simplesmente falou e ela tem liberdade de expressão, a audiência estava encerrada, ele encerrou a audiência. Então, eu acho que não houve justa causa para determinar a prisão dela.
Marcelle Faria, promotora do MPMT

O UOL entrou em contato com a Corregedoria do Tribunal de Justiça do Mato Grosso, mas não houve retorno. O magistrado também foi procurado por e-mail, mas não retornou. O espaço segue aberto para manifestação.

O crime

A vítima era usuária de drogas e, por conta da dependência química, costumava usar substâncias entorpecentes em uma casa abandonada, localizada aos fundos de onde residia a mãe do denunciando, o que lhe gerava revolta, segundo o Ministério Público de Mato Grosso.

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Dias antes de cometer o crime, o acusado chegou a anunciar que daria vários tiros na cabeça da vítima.

No dia 10 de setembro de 2016, a vítima transitava em sua motocicleta, quando foi surpreendida pelo réu, que estava com uma arma de fogo em punho e efetuou diversos disparos em sua direção, dos quais ao menos dez o atingiram.

Ele fugiu após efetuar os disparos.

A vítima morreu no local em razão de traumatismo cranioencefálico.

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