Guerra por poder e união com traficantes: como agem as milícias no Rio
As áreas dominadas por grupos milicianos na Grande Rio cresceram 387% em 16 anos. Elas atuam em 10% de toda a região metropolitana. Na zona oeste carioca, onde ônibus foram queimados, o número de mortos por tiros mais do que dobrou (+127%) de 2022 para 2023. E só neste ano foram 248 assassinatos.
Os dados são do Mapa dos Grupos Armados, feito pelo Instituto Fogo Cruzado em parceria com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF).
Entenda abaixo a evolução destes grupos:
1. Formada por agentes do estado
- Milícias são grupos armados que formam um poder paralelo, à revelia das forças de segurança do Estado.
- São formadas por agentes ou ex-agentes de segurança do próprio Estado, como policiais, bombeiros e guardas penitenciários. Também pode ter agentes de segurança privada entre os membros.
- A Liga da Justiça é formada inicialmente por policiais expulsos e aposentados, por exemplo.
- A existência desses grupos é antiga e tem origem nos grupos de extermínio, mas ganhou especial atenção a partir dos anos 2000.
- Não se trata de uma única milícia, são grupos que inclusive rivalizam entre si, ressalta o professor José Claudio Sousa Alves, da UFRRJ.
2. De cara, ganharam apoio
- Os grupos criminosos eram exaltados publicamente, logo que surgiram, até mesmo por prefeitos e governadores.
- Havia uma sensação de que funcionavam como grupos auxiliares na segurança pública.
- Por terem surgido dentro das organizações, guardavam proteção e influência tanto dentro das forças de segurança quanto na política.
- Foi um grave erro, segundo especialistas, já que se tratava de crime organizado que extorque moradores e comerciantes mediante elevada brutalidade.
3. CPI das Milícias abriu novo capítulo
- Em 2008, 225 pessoas foram indiciados na CPI das Milícias, da Alerj (Assembleia Legislativa do Rio), incluindo vereadores e deputados estaduais.
- Foi um passo importante para mostrar o verdadeiro papel dessas organizações em territórios de moradia de baixa renda.
- Os grupos controlam ilegalmente ou cobram taxas extorsivas sobre serviços essenciais como água, luz, gás, TV a cabo, transporte e segurança, além do mercado imobiliário, diz o relatório da comissão.
Sabe-se que tais controles são exercidos de maneira arbitrária, por meio de ações coercitivas como espancamentos, tortura e homicídios. Sabe-se ainda que as milícias se envolvem em disputas territoriais violentas - entre si e com "comandos" do tráfico de drogas - e que em diversas áreas elas também lucram com a venda de drogas."
Relatório "A expansão das milícias no Rio de Janeiro: uso da força estatal, mercado imobiliário e grupos armados"
4. Milícias se aliam ao tráfico de drogas
- Desde a CPI, o perfil das milícias mudou bastante. Se no início se vendia a ilusão de que elas protegeriam moradores do Rio das facções do tráfico, hoje alguns desses grupos se aliaram a eles.
- As milícias têm alianças com Terceiro Comando Puro (TCP) e o Comando Vermelho (CV), a maior facção criminosa do Rio, e diversificaram seus negócios.
- A Liga da Justiça se transformou quando chegou o traficante Carlinhos Três Pontes, que nunca foi policial e chamou outros traficantes para compor a milícia.
5. Guerra leva terror aos bairros
- A violência na zona oeste se intensificou a partir da morte de Ecko, como era conhecido Wellington da Silva Braga, líder da Liga da Justiça, então a maior milícia do Rio. Ele foi morto em 2021 em uma ação da Polícia Civil.
- O processo de sucessão desencadeou uma guerra entre seu irmão Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho, e Danilo Dias Lima, o Tandera.
- Zinho ganhou destaque por ser bom de conta, responsável por contabilizar e lavar o dinheiro vindo das atividades ilícitas (venda clandestina de sinais de TV a cabo, licenças para serviços de transporte, gás e taxas de segurança dos pequenos comerciantes), diz investigação do governo do Rio.
- Tandera rompeu com o grupo, se aliou a outros parceiros e é conhecido por ser cruel e usar armas potentes. Ele controla vastas regiões na Baixada Fluminense, como Seropédica, Queimados e Nova Iguaçu.
Houve um racha na milícia. Esse conflito é grande e afeta a vida de milhões de pessoas há meses"
Cecília Olliveira, diretora executiva do Instituto Fogo Cruzado
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Quero receber6. Governo diz que investe em combate
- As ações para 'asfixiar o crime organizado" deram resultado, segundo o governo do Rio de Janeiro.
- Os prejuízos às milícias seriam de mais de R$ 2,5 bilhões.
- Mais de 1.500 milicianos foram presos.
- Há perseguição de líderes, mas isso não afeta a estrutura, porque não há nenhuma ação para atacar o poder miliciano no Estado há pelo menos uma década, segundo Cecília Oliveira.
Há uma escalada de assassinatos desses líderes e parece que temos uma ação antimilícia em curso. Só que esta é uma lógica muito parecida com as ações antitráfico que vemos"
Cecília Olliveira
Você tem agentes públicos cedendo informações privilegiadas para o crime organizado. É muito difícil imaginar que haja um combate efetivo. Ano após ano, Estado e imprensa elegem o bandido mais procurado e perigoso e, como consequência, temos várias operações, tiroteios, mortes, impactos nos serviços públicos nessa caça. São diferentes nomes, mas sempre com o estado operando como mesmo método: personificar uma estrutura criminosa em um indivíduo dar uma sensação de combate ao crime organizado.
Carlos Nhanga, coordenador do Instituto Fogo Cruzado
(Com Agência Brasil e Estadão Conteúdo)
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