Em 8 estados, 90% das vítimas da polícia são negras, diz pesquisa
Uma pesquisa divulgada hoje revela que, em média, nove em cada dez vítimas da polícia têm a pele negra em oito estados brasileiros: Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, São Paulo e Rio de Janeiro.
Os dados foram obtidos por meio de Lei de Acesso à Informação (LAI) pela Rede de Observatórios da Segurança.
O que diz a pesquisa
Foram registradas 4.219 mortes em intervenções policiais em 2022 nesses estados. Desse total, 3.171 registros informam a cor/raça das vítimas: são negras 87% delas, ou 2.770 pessoas.
Nesses oito estados, uma pessoa negra morreu pelas mãos da polícia a cada quatro horas no ano passado.
A Bahia ficou em primeiro lugar em proporção de vítimas negras, com 94,7% — pretos e pardos somam 80% da população no estado. Na sequência vêm Pará (93,9%), Pernambuco (89%), Piauí (88%) e Rio de Janeiro (86%).
No ano passado, a Bahia ultrapassou o Rio de Janeiro no número de mortes praticadas por policiais. Os dois estados foram responsáveis por 66,23% do total dos óbitos por intervenção policial, percentual que salta para 78% quando apenas as vítimas negras são contabilizadas.
Os números, porém, podem ser maiores. Há subnotificação no Maranhão, Ceará e Pará, que não registram satisfatoriamente a cor e raça das vítimas, segundo a pesquisa. "Os maranhenses não incluem essas informações. No Ceará, os registros foram feitos em 30% do total, e no Pará, em 33%."
"O estudo ressalta a estrutura violenta e racista na atuação desses agentes, sem apontar qualquer perspectiva de real mudança", comenta a cientista social Silvia Ramos, coordenadora da Rede de Observatórios. "As mortes em ação também trazem prejuízos às próprias corporações que as produzem."
É necessário tornar a letalidade de pessoas negras causada por policiais uma questão política e social.
Silva Ramos, da Rede de Observatórios
"Meu filho morreu pedindo clemência"
Mãe viu vídeo de filho sendo morto pela polícia. Em fevereiro deste ano, Sandra de Jesus, 40, acordou assustada com a quantidade de notificações no celular. Quando olhou para a tela, assistiu a um vídeo do filho, Luiz Fernando Alves de Jesus, 20, sendo morto pelas costas pela Rota (Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar) na zona sul de São Paulo.
As imagens foram gravadas de dentro de um carro. O ocupante filmava Luiz e outro homem tentando assaltar um casal numa moto usando uma arma falsa. Caído, Luiz pediu clemência, mas recebeu o último tiro.
"A polícia deveria dar voz de prisão, apreender meu filho e apresentá-lo à Justiça, e não matar", afirmou Sandra ao UOL. "Mas eles atiraram da viatura: o policial apoiou a arma na janela e atirou. Meu filho correu e eles continuaram atirando", diz ela, que teve acesso à descrição feita com base nas imagens feitas pelas câmeras corporais da polícia.
Não se combate um ato errado, como um assalto, com outro mais grave. Isso não é justiça, é extermínio. Meu filho deveria ter sido preso, não criei filho para isso, mas nada justifica uma execução.
Sandra de Jesus, mãe de Luiz
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Quero receberNa época, a SSP disse que os policiais militares estavam em patrulhamento e foram informados do roubo antes de chegarem ao local. "Um dos criminosos estava armado e apontou na direção dos policiais, que intervieram", relatou em fevereiro a Secretaria de Segurança Pública de SP.
"Mataram porque era negro"
Sandra diz que a Rota não teria executado seu filho se ele fosse branco. "Se branco, morasse em bairro nobre, tivesse seis dígitos na conta, a abordagem seria outra."
"Negros na comunidade são esculachados pela polícia mesmo sem fazer nada. Criminalizam pela roupa e música que ouvem", afirma. "Em bairro nobre tem mandado; na periferia, eles picam o pé na porta e entram."
"Negaram socorro"
Assim que viu o filho atingindo, Sandra correu para encontrá-lo. "O corpo estava coberto, mas o boné estava lá, manchado de sangue. Eu sabia que era ele, ninguém precisava dizer."
"Foram duas rajadas. A primeira, depois a segunda, e depois mais um tiro, nove disparos em 27 segundos", diz. Segundo o inquérito, o último tiro perfurou o pulmão. "Ele ficou agonizando porque negaram socorro", afirma.
O inquérito descreve a cena da câmera corporal.
Meu filho clamou pela vida. Ele estava com as mãos para cima e suas últimas palavras foram: "Por favor, senhor". Não foi abordagem, foi execução.
Sandra de Jesus
Três agentes foram indiciados por homicídio, omissão e fraude processual.
A letalidade nos 8 estados
Bahia
Em 2022, a Bahia chegou ao topo do ranking, com 1.465 vítimas, sendo 1.121 negras. Entre 2015 e 2022, o aumento foi de 300%. Negros representaram 94,7% dos mortos, 74% com idade entre 18 e 29 anos.
Rio de Janeiro
Os agentes de segurança mataram 1.042 negros em 2022 (87% dos casos), o segundo estado com mais mortos pela polícia. A cada 8 horas e 24 minutos, uma pessoa negra morreu nessas condições.
Pará
O Pará é o terceiro estado com maior número total de mortos pela polícia: uma vítima a cada 14 horas. "Com 631 casos, tem mais vítimas do que São Paulo, mesmo com um quinto da sua população", segundo a Rede de Observatórios.
O Pará também falha no registro de cor/raça, omitindo a informação sobre 66% das vítimas. "Mas entre os casos em que são identificadas cor e raça, as pessoas negras representam 93,9%", informa o estudo.
São Paulo
Em São Paulo, morre uma pessoa a cada 23 horas pelas mãos da polícia. No estado em que 40% da população é negra, 64% das vítimas eram negras. Em 2022, houve redução de 48,3% nessas mortes em relação a 2019, "decorrente do uso de câmeras corporais", diz a Rede de Observatórios.
Ceará
Em 69% do total de 152 mortes no ano passado, não foram identificadas raça/cor. "Nos casos com a informação, 80,4% das mortes foram de negros", diz a pesquisa.
Maranhão
Dos oito estados, o Maranhão é o único que negligencia 100% das informações sobre raça e cor. "Foram 92 vítimas da violência policial, em que os jovens de 18 a 29 anos são a grande maioria."
Pernambuco
O índice de vítimas negras foi de 89% do total de 87 casos informados com registros de cor e raça.
Piauí
Das 39 vítimas registradas, 88% eram negras. "Fundamental destacar ainda que o estado tem reduzido investimentos para políticas educacionais, culturais e econômicas de inclusão", segundo o estudo.
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