'Brennand' EP5: a relação de amor e brigas entre Thiago e o filho

O quinto episódio de "Brennand", podcast do UOL Prime, conta detalhes da relação entre Thiago e seu único filho, L., de 18 anos. Os dois colecionam episódios de briga e de companheirismo, registrados em boletim de ocorrência, em depoimentos à Justiça e em postagens nas redes sociais. Ouça o programa no arquivo acima.

L. é filho de Thiago Brennand com a ex-namorada D., do Recife. O casal conviveu durante quatro anos. Após a separação, compartilharam a guarda do menino.

Em fevereiro de 2012, a mãe entrou na Justiça alegando que Brennand estava usando sua posição social para afastá-la do filho. A juíza decidiu a favor de D., mas, depois, a decisão foi revertida e o empresário obteve guarda exclusiva.

L. e Brennand moravam juntos em São Paulo e compartilham a paixão pelo jiu-jítsu e pelo surfe. Em setembro de 2022, no entanto, como antecipou o UOL, L. deu um depoimento ao Ministério Público de São Paulo, no qual contou detalhes de violência do pai. Naquela época, Brennand estava nos Emirados Árabes, denunciado por crimes como agressão e estupro.

À Promotoria de Justiça de Porto Feliz (SP), L. contou que cresceu ouvindo que sua mãe o abandonou — e que era uma "drogada", uma "puta" que "rodou a cidade inteira". Também relembrou situações em que foi agredido pelo pai, incluindo uma fuga, em 2020, quando foi para a casa da mãe no Recife. Ele registrou um boletim de ocorrência por maus-tratos.

Intitulado "A morte antes da desonra", frase usada com frequência por Brennand, o quinto episódio traz depoimentos de L., obtidos com exclusividade. Também revela a mudança de narrativa do filho, em agosto de 2023, ao depor na Justiça a favor do pai.

"De fato, falei coisas horríveis do meu pai, coisas assim que me deixaram muito tempo sem dormir em paz", reclamou. "Gostaria de ressaltar que eu fui 100% constrangido, fui 110% constrangido."

Procurada pela reportagem, a defesa de Thiago Brennand diz que está impedida de se manifestar. "Tudo que posso lhe dizer é que os casos estão em segredo de Justiça", explica o advogado Roberto Podval.

O podcast narrativo é apresentado pelo jornalista do UOL Mateus Araújo, que divide a reportagem com Juliana Sayuri. Os episódios vão ao ar sempre às quintas-feiras.

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"Brennand" está disponível no YouTube do UOL Prime, Spotify, Apple Podcasts, Amazon Music, Deezer e em todas as plataformas de podcast.

'Brennand'

Episódio 5 — A morte antes da desonra

Aviso: esse programa tem linguagem forte, relatos de abuso sexual e pode não ser adequado para todos os públicos.

THIAGO BRENNAND: Deixa eu lhe contar uma história minha, posso lhe contar?

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MATEUS ARAÚJO: Era fevereiro de 2012. D., uma ex-namorada de Thiago Brennand, entrava na Justiça contra ele. Ela acusava Brennand de alienação parental e questionava a guarda do filho dos dois, que tinha, na época, 7 anos.

Segundo ela, Thiago não respeitava as regras da guarda compartilhada. Disse que ficou cinco meses sem ver o filho, que o empresário viajou com o menino sem a sua autorização e que a criança foi batizada sem que ela fosse informada.

D. alegou que ele, "uma das pessoas mais ricas e influentes de Pernambuco, se aproveitava de sua posição social para afastar ela do filho".

Na contestação, Brennand dizia que ela tinha interesses financeiros com a situação. Nós procuramos D., mas ela não quis dar entrevista para o podcast.

De qualquer forma, o argumento do interesse financeiro não funcionou com a Justiça.

Nove meses depois, em novembro daquele mesmo ano, a juíza Ana Emília Corrêa de Oliveira, da 3ª Vara de Pernambuco, decidiu acatar o pedido de D. Ela concedeu a guarda unilateral do menino à mãe.

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Dois meses depois, no entanto, a juíza pediu afastamento do caso. Ela justificou que uma das partes estava "se valendo de vários expedientes infundados para atrasar o processo".

THIAGO BRENNAND: Procura saber no fórum de Pernambuco o que que eu fiz.

MATEUS ARAÚJO: Ana Emília foi substituída pelo juiz João Maurício Guedes Alcoforado.

Em dezembro de 2017, ele reverteu a decisão em favor de Thiago Brennand e deu a guarda unilateral do garoto ao pai.

Ficou determinado que D. teria direito a visitas esporádicas e convívio nas férias, feriados e fins de semana.

Na decisão, o juiz disse que Thiago "demonstrou ser um 'pai completamente investido na função de melhor educar' o filho".

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Alcoforado também disse que a situação financeira de Brennand colocava o menino na condição de uma criança privilegiada.

THIAGO BRENNAND: Eu ganhei a guarda do [silenciado] unilateral. Fui o único no Brasil. Eu entrei dentro da vara dela e falei: "Deixa eu dizer à senhora uma coisa: A caneta não dá poder ou dá? Cada um tem suas armas, viu?"

MATEUS ARAÚJO: Nós falamos com a juíza Ana Emília Corrêa por telefone, mas ela não quis comentar o caso.

L., o filho de Brennand que hoje tem 18 anos, vive com o pai desde pequeno. Além de serem muito parecidos fisicamente, os dois são unha e carne.

Juntos, eles surfavam, lutavam jiu-jítsu, tocavam instrumentos musicais e compartilhavam os registros desses momentos.

Um deles foi postado justamente naquele ano, 2012, quando aconteceu todo o imbróglio judicial da guarda de L.

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Em 1º de agosto, Thiago publicou no YouTube um vídeo no qual aparece tocando no violão a música "Eu sei que vou te amar", de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, enquanto o menino cantava ao lado.

Os dois estão sentados juntos, numa cama, com cuecas samba-canção xadrez iguais, mas de cores diferentes.

O menino canta enquanto olha para o pai, que devolve o olhar, orgulhoso.

Na descrição, Thiago escreveu: "Cantando com papai como sempre fez desde criancinha... Dessa vez decorou a letra inteira e a métrica de 'Eu sei que vou te amar'. Muito lindo".

Dez anos depois daquele vídeo, aos 16, L. apareceu junto ao pai em outro registro: nas filmagens das câmeras de segurança que flagraram a agressão de Thiago Brennand a uma modelo na academia Bodytech.

VINHETA: Eu sou Mateus Araújo. E esse é Brennand, um podcast do UOL Prime. A agressão pública do empresário Thiago Brennand a uma mulher numa academia traz à tona uma cadeia de outros crimes e acusações dos quais ele sempre conseguiu sair ileso. A partir da história e dos áudios de K., uma das vítimas dele, revelamos pela primeira vez o modus operandi de Brennand com as mulheres com quem ele se relaciona. Mas para entender sua personalidade é preciso colocar uma lupa no laço que, para Thiago, parece ser o mais importante: o de pai e filho.

H.: O [silenciado] tinha que mostrar pro pai que tava do lado dele. Ele viveu a vida dele inteira fazendo isso, tendo que criar situações, fingir que tava xingando a mãe, pro pai não tomar outras medidas, fingir que não estava falando com fulano ou com sicrano, por proteção, ele bloqueava as pessoas por proteção.

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VINHETA: Episódio 5. A morte antes da desonra.

MATEUS ARAÚJO: Em setembro de 2021, vídeos de uma relação sexual entre Thiago e K. foram divulgados via WhatsApp.

Entre as pessoas que receberam o conteúdo estavam o ex-marido, o ex-namorado mais recente e também a filha dela que, naquela época, tinha apenas 15 anos.

Em um telefonema, durante uma discussão, Thiago chegou a ameaçar K. dizendo que iria divulgar essas imagens. Vídeos que, segundo ela, foram feitos sem consentimento.

K.: Thiago, você faz o que você quiser. Você manda meu vídeo com você pra quem você quiser.
THIAGO BRENNAND: Já fiz.
K.: Já fez? Que bom que você já mandou meu vídeo.
THIAGO BRENNAND: Eu não só tenho isso não, eu tenho mais coisa.
K.: Ah, tá bom. Manda o que você quiser, não tenho medo de nada disso, não.

MATEUS ARAÚJO: As gravações não foram enviadas do número de Thiago, mas sim do telefone do filho dele, L.

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Nas mensagens que acompanhavam esses vídeos, Brennand dizia que era ele mesmo, Thiago, o emissor daquele conteúdo. K. contou isso na oitiva ao Ministério Público.

K.: Ele fez questão de falar que era ele.

MATEUS ARAÚJO: Thiago tinha a senha do celular de L. Segundo o depoimento do filho ao Ministério Público, aquela não era a primeira vez que o pai usava o aparelho dele pra enviar mensagens para outras pessoas.

A legislação prevê punição para quem divulgar conteúdo íntimo de terceiros na internet — e, mesmo que o conteúdo tenha saído do celular de L., é Thiago quem tá sendo indiciado por isso.

A proximidade entre pai e filho é tão importante quanto a relação com K. pra entender Thiago Brennand.

Era com L. que Thiago estava em agosto de 2022, quando agrediu uma mulher na academia.

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TRECHO DE REPORTAGEM DE TV: Repare nessa mulher de preto que está treinando sozinha. O exercício vai ser interrompido por esse homem, que acaba de chegar ao local. Ao ver a modelo, ele para e parece se incomodar. O homem vai até uma funcionária e reclama que a mulher está atrapalhando a passagem. Poucos minutos depois, o homem retorna e começa a discutir. A mulher não abaixa a cabeça, diz que não vai sair do local. A briga evoluiu.

TRECHO DE REPORTAGEM DE TV: Ah lá, ele cospe primeiro no rosto dessa moça e continua com as agressões covardes. As pessoas inclusive tentam interceder, tentam separar, mas ainda são ameaçadas também. Me parece que tem um aí que é filho dele. Ah lá e vem outra moça tentar separar essa covardia. Ó o tamanho do cara, ó o tamanho do cara.

MATEUS ARAÚJO: A situação toda aconteceu na noite do dia 3 de agosto de 2022, no Shopping Iguatemi, que fica no bairro dos Jardins, em São Paulo.

Nas imagens das câmeras de segurança do lugar, dá pra ver que L. chega perto da confusão, observa, mas logo perde o interesse pelo que está acontecendo.

Ele volta pra máquina de supino, termina uma série de exercícios e depois vai embora, como se o que tivesse acontecido ali fosse algo corriqueiro. Assim como era o envio de áudios agressivos a um primo com câncer: Thiago fazia isso, como você já ouviu, e L. também.

L.: Jason, rapaz, cê tá tão calado. Tu tá morrendo é? Aqui é o [silenciado], mais conhecido como "desertor". Ô, Jason, tu tá namorando uma necrófila, é? Que eu tô vendo aí na tua foto de perfil.

No dia 28, o vídeo da agressão foi ao ar pela primeira vez, numa reportagem do "Fantástico".

Thiago e mais gente já sabiam que o vídeo seria exibido. É o que disse uma mulher que vamos chamar de H. À época, ela namorava com o filho de Brennand.

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H.: Nós já tínhamos ciência que sairia no "Fantástico" muito antes, através de uma pessoa, uma amiga, que contou pra gente, que tava esses comentários na academia.

H.: Ele deu risada, ele tirou sarro da minha cara, ele falou que o que ele fez não era pra esse nível, que era coisa de bandido aparecer em "Fantástico".

MATEUS ARAÚJO: H. tinha 29 anos quando tudo isso aconteceu. 13 anos a mais que L.

H. afirma ser "empresária do ramo de eventos". Segundo o depoimento dela, os dois tinham amigos em comum e se conheceram numa festa. Ela só teria ficado sabendo da idade do menino tempos depois.

A mulher também disse que, para Thiago, a condição pra que continuasse saindo com L. era sempre levar uma amiga pra fazer companhia a ele, o sogro.

H.: Então começou a virar uma condição... Eu sou uma pessoa que eu conheço muita gente, moro em São Paulo há bastante tempo, já trabalhei no meio de meninas com eventos, com coisas, isso me aproxima de muitas pessoas. E aí o Thiago começou a usar isso, até com brincadeirinha, que "você é cafetina", que "você é isso", que "você é aquilo". Aí eu falei: "É, tô sendo a sua cafetina de graça, então, né?"

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MATEUS ARAÚJO: Esse áudio que a gente tá ouvindo é de um depoimento dela ao Ministério Público de São Paulo, em setembro de 2022. Na ocasião, ela tava acompanhada do namorado, L., e da mãe dele, D.

Em alguns trechos, é possível ouvir comentários do filho de Thiago.

H. conta que, quando o caso foi noticiado, a família tava de malas prontas. Filho e pai tinham programado uma viagem de surfe para o Peru, e ela ia também.

H.: A gente tava com a viagem marcada, eu tava com a mala na casa dele pra viajar e aí já mudou totalmente o clima na casa. [...] Ele ficou tenso. Ele [dizia]: "Não, tenho que ficar aqui resolvendo alguma coisa". Depois ele mudava de ideia: "Não, eu tenho que surfar, espairecer a cabeça, deixa tudo isso pra lá", porque ele não tinha noção da proporção, aí foram aparecendo vítimas, pessoas falando, aí apareceu no "Fantástico" de novo, e aí ele começou a ficar desesperado, ele falou não, tenho que sair daqui, vamos pro Peru. Aí, de repente, ele mudou de ideia e falou, não, nós vamos pra Dubai.

MATEUS ARAÚJO: Sobre a escolha do novo destino, tudo que se sabe é que Thiago já chegou a mencionar em depoimento que tinha imóveis e negócios nos Emirados Árabes.

Desde 2019, Brasil e Emirados Árabes têm um tratado que formaliza casos de extradição, mas esse documento ainda não foi sancionado pela Presidência da República.

Novo destino escolhido, tinha um problema: L., o filho de Brennand, estava com o passaporte vencido.

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No Peru, que é um estado associado do Mercosul, ele conseguiria entrar somente com a carteira de identidade. O mesmo não aconteceria nos Emirados Árabes.

H.: E, assim, a vida do Thiago é o [silenciado]. Aí ele [dizia]: "Não, não posso". Tava cogitando outros lugares onde daria pro [silenciado] ir. Aí ele entrou numa solução de desespero, por orientação, aí ele resolveu ir pra Dubai, foi dois dias antes de sair o último "Fantástico", que foi o mais grave, né?

MATEUS ARAÚJO: A reportagem "mais grave" do "Fantástico" é justamente a edição em que K. — a vítima que você conhece dos episódios anteriores — falou pela primeira vez à imprensa. Na matéria, ela mostrou a tatuagem com as iniciais TFV que teria sido obrigada por Thiago a fazer.

Abalado com o que seria veiculado pela imprensa e sem poder levar o filho com ele para Dubai, Thiago teve uma ideia.

H.: Ele olhou pra mim [...], me chamou na sala e falou exatamente com essas palavras: "Minha norinha, será que você pode ir comigo pra me fazer companhia?"

MATEUS ARAÚJO: Só quando tivemos acesso a esses áudios descobrimos que Thiago não foi sozinho para Dubai. Ninguém da imprensa soube que a nora H. estava com ele.

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O pedido do empresário para a nora acompanhar ele pode causar estranheza pra quem não tá inserido no contexto da casa de Thiago.

Mas, pelo visto, não surpreendeu nem um pouco L. ou a própria H. Os dois disseram ao Ministério Público que tinham ciência de que Thiago não conseguiria lidar com tudo aquilo sozinho.

H.: O Thiago é uma pessoa que não sabe lidar com solidão, ele tem que tá sempre rodeado de muitas pessoas. [...] E, devido aos problemas do Thiago, que a gente sabe que ele tem problemas psicológicos, a gente ficou com medo dele tomar alguma atitude, de fazer alguma coisa, até porque ele fica usando uma frase que é "a morte antes da desonra", e isso preocupa a gente.

MATEUS ARAÚJO: "A morte antes da desonra". A frase é como um mantra pra Thiago.

Nas redes sociais, ele a exibia frequentemente. Numa publicação que fez no Facebook, ele chegou a mostrar um print de uma conversa com o filho na qual ele dizia a frase ao menino.

Em depoimento, C., uma das mulheres estrangeiras que acusa Thiago de estupro, lembrou disso:

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C.: Tem que ser "morte antes de honor", sei lá, "honor antes de morte", sei lá. Ele gostava de falar "death before dishonor".

MATEUS ARAÚJO: E o próprio Thiago disse o lema em um vídeo publicado por ele no YouTube, enquanto conversava ao telefone.

THIAGO BRENNAND EM VÍDEO NO YOUTUBE: O que você tá fazendo? O que você tá fazendo? Eu não queria, meu amigo, na minha vida, prefiro a morte à desonra de fazer o que você tá fazendo.

MATEUS ARAÚJO: Segundo H., ela e o namorado tinham medo de que o sogro levasse aquilo ao pé da letra. O menino, então, fez um pedido à namorada.

H.: O [silenciado], no dia, chegou e falou, você vai com ele? Porque até então o [silenciado] ia tirar o passaporte e, três ou quatro dias depois, estaria lá em Dubai. E eu fiquei tranquila com isso. Aí eu falei: "Tudo bem, eu vou".
L.: Na verdade, antes dela viajar, a gente já sabia que ia dar em merda.

MATEUS ARAÚJO: "Já sabia que ia dar em merda." Esse é L., durante o depoimento da namorada dele ao Ministério Público, em que os dois participaram juntos.

H.: Mas, pô, como até ali eu nunca tinha tido um problema com Thiago, nunca tinha me agredido verbalmente.
L.: Ele te tratava super bem.
H.: Bem, não, Pra uma pessoa normal, não é bem. [...] Só que pra gente que convive e vê como ele trata outras pessoas, você se sente uma princesa ali sendo tratada por ele, porque isso virou o parâmetro de normalidade dentro da casa. E o [silenciado] queria que eu fosse.
L.: Se ela não fosse, obviamente, eu não ia mais falar com ela, né?

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MATEUS ARAÚJO: Eles dizem que se H. não fosse com Thiago para Dubai, ele proibiria ela de continuar a se relacionar com o filho.

A atitude não parece a de alguém que gostava de bancar o parceirão do menino, quase mais um amigo do que pai, como eles sempre mostraram.

Mas, de acordo com os depoimentos de vítimas, da nora e do próprio L., as coisas na casa de Thiago eram bem diferentes da relação de companheirismo exibida nas redes sociais. E o garoto tava acostumado a viver nessa contradição fazia muito tempo.

L.: Até hoje eu tenho dificuldade em me relacionar com as pessoas da minha própria forma, sem tentar me personificar no Thiago, entendeu? Porque eu fui criado em uma casa onde... Pô, eu tive uma festa de aniversário a vida inteira. Eu posso contar nos dedos as vezes que eu saí com um amigo meu, para dormir na casa de um amigo meu, para sair para um restaurante comer.

MATEUS ARAÚJO: Esse que você ouviu é o fotógrafo André Nery, que vai dar voz neste episódio a L., o filho de Brennand, quando os depoimentos do jovem — aos quais tivemos acesso — forem apenas transcritos, e não gravados.

Aqui é um depoimento dado por L. no mesmo dia em que a namorada dele falou com o Ministério Público.

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A oitiva foi online. O casal estava numa das salas do escritório de Marcio Janjacomo, advogado da maioria das mulheres que denunciaram Thiago Brennand. D., a mãe do rapaz, também acompanhou tudo.

L. falou ao Ministério Público na condição de informante — já que, legalmente, ele não pode ser testemunha. As razões de o rapaz decidir falar contra o próprio pai não ficaram claras.

Num documento enviado ao Tribunal de Justiça de São Paulo, a defesa de Brennand questionou a legalidade daquela oitiva.

Os advogados Roberto Podval e Marcelo Rafainni disseram que aquilo se tratava de uma "excrescência jurídica", um ato "antiético" do Ministério Público e que desrespeitava as regras do processo penal.

Segundo eles, L. foi ouvido "sem o respeito a qualquer formalidade legal, e pior, com a conivência do órgão ministerial".

Podval e Rafainni criticaram o fato de L. ter dado o depoimento no escritório de Janjacomo, ao lado de H. e sem a presença de um "psicólogo forense", já que ele era menor de idade.

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Os advogados de defesa de Brennand também afirmam que estão tomando providências junto ao Conselho Nacional e à Corregedoria do Ministério Público.

Aqui, mais um trecho do depoimento que foi dado em setembro de 2022.

L.: Eu vim aqui com o intuito não de prejudicar meu pai, porque eu não posso negar que eu tenho sentimento por ele. Fui criado a vida inteira com meu pai, então eu vou falar a verdade. Se a verdade prejudicar ele, infelizmente, eu não posso fazer nada, né?

MATEUS ARAÚJO: L. fez questão de frisar que não compactuava com o comportamento e as atitudes agressivas do pai.

L.: Eu quero deixar clara a parte do "eu não sou meu pai, entendeu?". Eu não sou meu pai, e todas as pessoas do meu convívio sabem que a minha índole, o meu caráter, a minha vontade difere muito do meu pai, completamente do meu pai. Eu não quero ser responsabilizado por coisas que ele fez, por coisas que ele causou...

MATEUS ARAÚJO: Pra acompanhar esse depoimento, então, a gente dá uma pausa naquela imagem de pai e filho parceiros e vai pra uma realidade que não tá estampada em nenhum álbum de família.

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L.: Eu vivi a vida toda com ele. E sempre fui orientado a fazer o que ele mandava. Só que, para mim, era muito claro, desde pequeno, que o que ele dizia que era certo e o que eu achava que era certo era muito diferente, entendeu? Eu fui criado escutando ele falar que minha mãe usava droga e que minha mãe me abandonou, basicamente.

MATEUS ARAÚJO: Em um dos momentos quando a relação com Thiago ficou insustentável, segundo L., o garoto chegou a fugir de casa.

L.: Quando eu fugi de casa pela primeira vez, no dia 15 de abril de 2020, eu encontrei minha mãe depois de muito tempo. Já não via ela tinha uns sete anos. Só que, por obra do destino, coisa de Deus, eu sempre tive uma relação muito boa com minha mãe, independentemente de qualquer coisa, porque sempre foi o jogo dele tentar me jogar contra a minha mãe.

MATEUS ARAÚJO: L. foi pro Recife. O menino tinha 14 anos e saiu de São Paulo atrás de D.

Na capital pernambucana, mãe e filho procuraram a Delegacia de Polícia de Crimes contra Crianças e Adolescentes. L. prestou queixa contra o pai, alegando sofrer maus-tratos.

L.: Ele me ligava e começava a falar coisas do tipo: "Isso vai ficar marcado na sua vida, você tá traindo o seu pai, a única pessoa que lhe ajudou, que lhe deu alguma coisa". E começava a fazer todo um jogo mental comigo. E ele me convenceu, sim, a ir na delegacia dizer que era tudo mentira.

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MATEUS ARAÚJO: L. tinha relatado à polícia uma série de violências. Disse que o pai batia nele antes mesmo dos seus 5 anos e que sofria punições com corda e baquetas de bateria. Chegou a contar que uma vez, em Fernando de Noronha, Thiago quebrou quatro cabides de roupa nele.

Na época da queixa, L. foi submetido a uma perícia, no Recife. O laudo do exame indicou escoriações no braço direito, causadas por "instrumento contundente".

A reportagem do UOL teve acesso a esse inquérito, que continha também fotos de marcas de agressão nas costas do adolescente, e um registro que o garoto fez do pai deitado num sofá, ao lado de uma arma.

Segundo ele disse à polícia, Thiago fazia aquilo para "torturá-lo e intimidá-lo psicologicamente".

Dois dias depois, no entanto, o rapaz voltou à delegacia e retirou tudo que tinha dito — disse que as marcas eram "outras coisas" e pediu para "alterar tudo".

Chamado a depor, Thiago argumentou que os hematomas do filho foram "lesões causadas pelo próprio adolescente a fim de convencer a mãe de que era agredido".

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Para a polícia, L. disse que tudo não tinha passado de um mal-entendido, um ato de rebeldia. O inquérito foi arquivado.

Ao Ministério Público, em 2022, L. comentou sobre a desistência:

L.: Não tem nem como falar que aquilo que foi dito no meu inquérito de 2020 era mentira, porque tem inúmeras provas no próprio inquérito... Fotos, mensagens de WhatsApp, vídeos... Qualquer animal bípede que ler o processo inteiro vai saber que aquilo ali é a mais pura verdade, entendeu? Não tô querendo ser juiz aqui, mas, pelo amor de Deus, gente, não tem como não ser verdade. Está mais claro do que água que eu fui lá no outro dia induzido a me retratar.

MATEUS ARAÚJO: Essa história de L. é bastante parecida com a de K., que disse ter sido pressionada por Thiago a desfazer um B.O. feito contra ele.

Mesmo sabendo mais do que ninguém quem era Thiago, L. continuou a incentivar a ida da namorada com o pai para o exterior.

No dia 4 de setembro de 2022, Thiago e H. embarcaram para Dubai.

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O empresário deixou o Brasil horas antes de ser denunciado pela primeira vez pelo Ministério Público de São Paulo por lesão corporal e corrupção de menor, por supostamente ter incentivado o filho a ofender a modelo agredida na Bodytech.

Thiago passou pela imigração à 00h10 daquele domingo. Ele e H. decolaram à 1h25 da manhã, na primeira classe, com passagens que custaram R$ 81 mil cada.

O empresário tinha retorno ao Brasil previsto para dia 18 de outubro de 2022, conforme constam nos bilhetes aéreos anexados pela defesa dele ao processo.

Antes de partir, H. fez um acordo com o filho de Thiago.

H.: Eu deixei isso muito bem claro, antes de sair de São Paulo, eu falei: "[Silenciado], eu tô com o teu pai, eu tô com vocês, eu tô sendo parceira, mas, assim, eu tô pelo certo. Tudo que vá pro caminho errado, não conte comigo. Eu já tô te avisando isso antes". O [silenciado] virou pra mim e falou assim: "Ele também não vai contar comigo se ele fizer algo de errado. [...] Ele só vai contar comigo como apoio, que eu vou estar perto dele, que eu não vou abandonar o meu pai, mas eu não vou fazer nada de errado".

MATEUS ARAÚJO: Só que não demorou muito para começarem os problemas.

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H. tinha viajado com dois celulares: um de São Paulo e outro de Miami, cidade onde a empresa em que ela trabalhava na época tem uma filial.

Os números brasileiros dela e de Thiago não faziam ligações de vídeo e tinham algumas outras limitações no território dos Emirados Árabes. Quando descobriu isso, Brennand achou de bom tom pegar para si o telefone estadunidense da nora, como ela conta.

H. não teve outra opção que não ceder. E explica o porquê:

H.: Ele vai colocando coisas na sua cabeça e você fica em dúvida do que é verdade, do que é mentira, do que é certo, do que é errado. Ele vai te afastando de pessoas, ele vai tomando posse do seu celular, que ele fala que ninguém tem nada pra esconder de ninguém, "a minha senha é tal, você tem a senha do meu celular", "eu tenho que ter tua senha, meu filho tem que ter a tua senha", "se você não tem nada pra esconder, você dê a senha do celular". [...] Aí ele ficava bravo, perguntava se eu não confiava nele, que tinha que deixar com ele, que eu não tinha a biografia dele pra falar aquilo pra ele, tudo era em questão da biografia dele.

MATEUS ARAÚJO: E as regras da estadia não se limitaram somente à apreensão do celular.

H.: Ele fazia eu dormir na mesma cama que ele, porque ele tem medo de ficar sozinho. Ele nunca tentou nada comigo, nunca faltou com o respeito — eu falo puxando pro lado sexual mesmo, nunca tentou nada. Mas ele fazia com que eu dormisse do lado dele, eu não podia... Quando eu pegava o celular, às vezes, tinha que ser monitorada por ele. Eu não podia ir pro banheiro com o celular, não podia sair do quarto com o meu celular.

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MATEUS ARAÚJO: Alguns dias depois da chegada dos dois em Dubai, Thiago comentou com a nora que um novo boletim de ocorrência tinha sido aberto contra ele no Brasil. E um detalhe chamou a atenção dela.

H.: Tinham feito um boletim de ocorrência de que ele tinha ligado ou mandado mensagem de um número dos Estados Unidos ameaçando a pessoa, e ele negava. Só que assim, eu ali sabia, isso faz total sentido, porque ele tá com meu número dos Estados Unidos? Como que alguém vai fazer um boletim falando que ele ameaçou com um número dos Estados Unidos? Como que alguém vai saber disso?

MATEUS ARAÚJO: A gente não encontrou nenhum B.O. aberto contra Thiago com essas descrições. Mas, com medo de estar envolvida legalmente nos esquemas de Brennand, H. resolveu tomar uma atitude.

H.: Eu consegui pegar o meu celular. Ele tava distraído no celular dele, eu me tranquei no banheiro e fui falar com o [silenciado]. Eu não aguentei, a emoção não conteve, o [silenciado] percebeu que tinha alguma coisa de estranho, e o [silenciado] olhou pra mim e falou...
L.: Na verdade, eu já sabia que ia acabar assim. Eu já comentava com o pessoal lá da casa também.
H.: Aí o [silenciado] virou e falou assim: "[Silenciado] Eu não vou. A gente vai dar um jeito de você ir embora e eu não vou".

MATEUS ARAÚJO: Diante de Thiago, um homem alto, forte e faixa preta de jiu-jítsu, H. não era ameaça física.

"Desafiar" quem ele considera, de alguma forma, inferior, é uma constante na vida de Thiago, segundo o próprio filho dele disse naquele depoimento que André Nery tá lendo pra gente.

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L.: Meu pai é uma pessoa que ele não tem muita coragem pessoal, sabe? Falta culhão nele. Eu acho que ele tem muito bocão e faz pouco, sabe? Quando é com uma mulher, com pobre, com um motoboy coitado da fazenda, aí ele tem. Agora, quando é uma briga justa, de armas iguais, ele não encara de frente. Então, ele começa ameaçando, já meio como uma forma de a pessoa falar: "Não, não, tá tranquilo, eu não quero problema".

MATEUS ARAÚJO: Foi assim quando, no quarto de hotel, H. falou que ia embora por causa do que tinha acontecido com o celular.

H.: Aí o Thiago sentou, parecia um louco, parecia não, tava louco. Ele sentou, era uma mesa de escritório, ele sentou, ele falava assim, ele mudava, ele oscilava de comportamento. Três tipos de comportamento diferente.
L.: Isso é um traço dele, total.

MATEUS ARAÚJO: Durante a discussão com a nora, Thiago ligou pro filho.

H.: Aí ele olhava pra mim e falava assim, tentando me manipular: "Não porque, olha, tá tudo certo nós estamos na [suíte] presidencial, olha a vida que eu to te proporcionando, cê nunca vai ter isso na vida, eu vou dar. O [silenciado] chegando aqui, eu vou dar um cartão pra vocês, de 70 e poucos mil, vocês vão ter a vida de vocês, [...] Você vai sair do seu emprego. Eu vou te dar, fora o cartão, eu vou te dar um salário, você não vai precisar trabalhar, você não vai precisar fazer nada, só ficar aqui com a gente". E aí ele mudava, aí ele: "Tá tudo bem, né? Tá tudo bem agora, nós somos uma família". Falando num tom de voz bem calminho.

MATEUS ARAÚJO: Mas, ao desligar o telefone, H. diz que a "outra" personalidade de Thiago apareceu.

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H.: Ele desligou o telefone e começou a vir agressivo. "Eu sempre soube que você era uma bandida, que você isso", a ofender, xingar, tudo que vocês puderem imaginar. Batia na mesa, gritava. [...] Eu sentada, olhando pra cara dele, chorando, falava: "Você é um manipulador, eu quero ir embora". E o [silenciado] desesperado, tentando contato com a gente e mandando [mensagem]: "Ela não quer tá aí, deixa ela ir embora, libera ela". E ele: "Tá vendo o que você tá causando numa família? Você tá destruindo uma família". [...] Aí ele começou a entrar num jogo: que esse sempre foi o meu plano, que eu entrei na família dele pra destruir a família e causar isso, que eu já tinha isso na cabeça, de separar ele do filho dele. E ele falava assim: "Todos tentaram, ninguém nunca conseguiu. Porque eu sou muito maior".

MATEUS ARAÚJO: Só que, em vez de ficar ouvindo calada, dessa vez H. conta que começou a debater com Thiago.

H.: "Que que você tem, você tem dinheiro, né? Que mais cê tem? Você não tem mais nada." [...] No que eu comecei a desafiar ele, ele começou a me insultar, aí ele entrava: "É porque você sabe, né? Se fosse você nessa situação, você acha que cê taria no 'Fantástico'? Você nem taria no 'Cidade Alerta'. Isso é pros grandes!" E se comparava com outras pessoas. Porque qual é a dele? Ele gosta de humilhar as pessoas e se sentir melhor. Esse é o jogo da vida dele, com tudo e com todos.

MATEUS ARAÚJO: A discussão entre os dois foi interrompida com uma batida na porta.

A nora tinha pedido o serviço de quarto, um almoço pra eles. Ela recebeu os pratos e a conversa continuou.

H.: Ele pegou e sentou, como se nada tivesse acontecido: "Cê não vai comer não?" Eu falei: "Não, tô sem fome". "Tá bom". [...] Ele: "Você quer ir embora? Pode ir, inclusive, eu não estou confortável com você aqui, você tá tirando minha privacidade. Faz assim, ó: vai, vai". E começou a me mandar embora. E eu falei: "Vai pra onde? Eu quero organizar, pegar meu celular pra me organizar pra onde eu vou". "Eu não vou dar o seu celular". Aí entrava aquela risada dele malvada. Parecia que era uma criança ali, já mudou o personagem, sabe uma criança com pirraça? Ele agia dessa forma, comendo normalmente e eu aos prantos, sentada na cadeira, assim: "Thiago, pelo amor de Deus, eu só quero ir embora. Você quer que eu deixe o [silenciado] em paz? Fica tranquilo, você vai ter seu filho aqui, eu só quero ir embora, eu quero sair disso tudo".

MATEUS ARAÚJO: E foi aí que a discussão, que já tava acalorada, ganhou ainda mais combustível.

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H.: Eu falei assim: "Então eu vou embora, só que assim, [...] eu vou movimentar o Brasil inteiro agora, todo mundo vai saber quem você é de verdade". Aí ele levantou: "Como é que é?" Aí ele empunhou o corpo assim, aí começa a fazer umas caras de louco mesmo, bem de louco? "Como é que é? Você vai fazer o quê?" E ele não vinha pra cima, jogava a cabeça assim pra cima de mim. No que eu fui sair correndo, na hora que eu abri a porta, tava a moça pra entregar o suco, só que ela leva num carrinho e o carrinho bloqueia a porta. Eu saí caindo no carrinho, eu tava tão desesperada, que eu saí apertando as campainhas de todos os quartos.

MATEUS ARAÚJO: Antes da briga com a nora, Thiago, que não costuma beber, estava tomando drinks com dois amigos no bar do hotel. Quando saiu correndo às pressas e passou pela recepção, H. deu de cara com a dupla.

O primeiro deles era Renzo Gracie, lutador de jiu-jítsu e membro do clã dos Gracie do Rio de Janeiro. Renzo foi nomeado embaixador do turismo brasileiro, em 2019. Quem fez esse convite pra ele foi Gilson Machado, então ministro do Turismo no governo Bolsonaro e presidente da Embratur. À época, os dois gravaram um vídeo juntos em agradecimento a Brennand.

GILSON MACHADO: Thiagão, muito obrigado, tô aqui com nosso amigo, nosso irmão Renzão.
RENZO GRACIE: Thiago, obrigado por me apresentar essa fera aqui. É uma honra tá aqui com ele. Olha aqui, mermão, arrumadinho, todo engomado, tá de brincadeira? Isso não é pra qualquer um não, rapaz. Eu achava que eu só ia me vestir assim no dia que eu morresse.
GILSON MACHADO: Você é responsável por isso.
RENZO GRACIE: A culpa é tua, irmão. Dá um abraço no moleque.

MATEUS ARAÚJO: O segundo amigo foi identificado por H. como "Eduardo", supostamente CEO de uma clínica de reabilitação na Suíça.

H.: O Renzo nem deu muita importância pra mim, e subiu pro quarto. Nisso, o [silenciado] tava falando com esse Eduardo. E esse Eduardo, diz ele, que já saiu na Forbes, que isso que aquilo, só se autopromovia: "Olha o link de onde eu tô, pra você ficar confiante, se você quiser?" O cara não me conhecia, nunca tinha me visto, ele falava assim: "Se você quiser, eu posso levá-la até a Suíça e de lá eu mando ela pro Brasil", porque ele mora na Suíça. Qual o sentido disso?

MATEUS ARAÚJO: Do Brasil, e pelas costas do pai, L. conseguiu articular com Renzo e Eduardo a viagem de volta da namorada para o Brasil.

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Thiago permaneceu lá por mais oito meses. Depois do retorno da nora, a governanta M. foi ficar com ele.

Mesmo bem distante dele fisicamente, H. se sentia ameaçada. E o filho de Brennand, que não foi encontrar o pai nos Emirados Árabes, dava razão para a namorada.

L.: Agora, eu acho que ela tem total razão de se sentir ameaçada. Eu me sinto zero, por questões pessoais. Eu não me sinto ameaçado. Até porque, eu acho que ele não tá em condição de fazer absolutamente nada com ninguém. O problema tá nele. Se ele pisar no Brasil, ele tá em cana. A menos que ele mande alguém fazer, e eu pelo menos acho que ele não é nem doido de fazer. [...]

Mas acho que ela tem total razão. Eu, no lugar dela, estaria em pânico, porque eu vivi 17 anos com ele, então eu narrando aqui para você e vai aparecer natural, porque foi minha vida, mas uma pessoa que tem 27, 28 anos, que nunca experimentou nada desse tipo, é um marco na vida dela, entendeu? Acho até que de todas essas mulheres, ela é quem mais tem razão de se sentir ameaçada, porque dentro dele é como se ela tivesse me roubando dele, entendeu?

MATEUS ARAÚJO: Em outubro de 2022, pouco tempo depois da volta de H. pro Brasil, a Promotoria de Justiça de Porto Feliz pediu a prisão preventiva e a inclusão do nome de Brennand em uma lista da Interpol por causa da agressão na academia Bodytech e também outras acusações, como do caso K.

Esse aviso de busca da Interpol permite a prisão internacional de pessoas procuradas. Nas observações, o documento dizia que Brennand podia estar armado, ser perigoso e violento.

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Ele chegou a ser preso lá nos Emirados Árabes, mas foi liberado no dia seguinte após pagar uma fiança cujo valor não foi divulgado.

Em março de 2023, uma nova prisão preventiva, ainda pelo caso da academia, foi decretada pela Justiça.

No início de abril, Thiago publicou um vídeo no canal dele no YouTube. Ele se defendeu de uma acusação de estupro — que eu vou contar em detalhes no próximo episódio — e disse que no Brasil "muita gente tem sede de Justiça".

Citou os pais, que, segundo ele, estavam doentes, e o filho, que estava sozinho no país. Afirmou que ia "enfrentar o que tivesse que enfrentar" por causa deles, se referindo à volta ao Brasil.

THIAGO BRENNAND EM VÍDEO NO YOUTUBE: Tudo é distorcido, você é o vilão, você é o sujeito pior do mundo. Eu acho que isso é ruim pro país, isso é ruim pra todo mundo. Fez um dano enorme em minha vida, eu vou me apresentar, provavelmente vão me prender injustamente.

MATEUS ARAÚJO: Ele foi preso novamente no dia 17 de abril, ainda no país estrangeiro, quando teve a sua extradição autorizada pelos Emirados Árabes.

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O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, deu a notícia durante um pronunciamento.

LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA: Aliás, por falar em violência, vou falar uma coisa importante: os Emirados Árabes liberou o tal do Brennand, aquele que bate em mulher e a polícia federal acho que tá indo buscá-lo nessa semana pra prendê-lo aqui no Brasil.

MATEUS ARAÚJO: A equipe da Polícia Federal que foi buscar Thiago nos Emirados Árabes foi selecionada a dedo. Tinha até um escrivão faixa-preta em jiu-jítsu, por causa do "histórico agressivo" do empresário.

Em 29 de abril de 2023, ele desembarcou no Brasil usando boné, máscara e um blusão vermelho em cima dos braços, escondendo as algemas.

Durante depoimento à Justiça, em 21 de junho de 2023, Brennand afirmou ao juiz Fernando Henrique Masseroni Mayer, da 2ª Vara de Porto Feliz, no interior paulista, que estava "no Brasil por vontade própria".

THIAGO BRENNAND: Eu entrei em contato com o vice-presidente da Interpol para as Américas, Valdecy Urquiza, que é delegado da Polícia Federal, e disse que queria voltar ao Brasil por vontade própria. Não houve processo com sucesso de extradição, nem o Lula que trouxe o Thiago. Voltei porque meus pais estavam com cânceres, entendeu? Voltei sabendo que iria ser preso injustamente. Ao contrário de alguns que fogem, eu vim por livre espontânea vontade.

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MATEUS ARAÚJO: A gente procurou a Polícia Federal para confirmar a informação. Em nota, a assessoria de imprensa disse que não comenta esse tipo de caso.

Também tentamos falar com o vice-presidente da Interpol para as Américas, Valdecy Urquiza, que foi mencionado por Thiago. A PF não autorizou a entrevista.

Desde que foi extraditado, Thiago está preso no Centro de Detenção Provisória, no bairro de Pinheiros, em São Paulo.

Quatro meses após a chegada de Brennand no Brasil, o filho dele voltou a procurar a Justiça para prestar depoimento na condição de informante a respeito do episódio da academia Bodytech.

A gente conseguiu os áudios dessa audiência. Também participaram os advogados de defesa e Marcio Janjacomo, que representa muitas das mulheres que acusam Thiago Brennand.

Na ocasião, a advogada de Thiago, Maria Clara Santiago, perguntou a L. sobre o que a modelo Helena Gomes teria dito ao pai dele na academia.

ADVOGADA DE DEFESA: Você conseguiu ouvir o que a Helena falou pro seu pai?
L.: Consegui, muito bem.
ADVOGADA DE DEFESA: O que foi dito?
L.: Você quer que eu diga o que ela falou pra papai?
ADVOGADA DE DEFESA: Isso.
L.: As piores agressões, de nível mais baixo assim que você pode imaginar. Desde dizer que minha vó é uma porca por ter tido ele como filho, que ele só tem dinheiro dele, que nossa família não presta, chamar ele de filho da puta, os piores xingamentos que você pode imaginar.

MATEUS ARAÚJO: E, na hora de falar sobre como era a convivência entre os dois, L. olhou diretamente pra câmera, encarando o pai que tava participando da audiência ao lado de um dos advogados da defesa, e disse:

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L.: A melhor forma que eu posso responder isso é... Hoje eu olho pros meus amigos e sinto pena deles porque eu tenho certeza que eles nunca tiveram a ligação que eu tive com meu pai e que eu tenho com meu pai. Eu acho que a relação que eu tive com meu pai, toda a vida, desde pequeno, desde me ensinar a... A andar nas... [chora]. Porra, aí é foda.

MATEUS ARAÚJO: Os dois se emocionam. Thiago chora. L. tira um minuto para beber um copo d'água.

As questões são retomadas. O promotor Bruno Rodrigues pergunta a L. sobre a contradição entre o que ele acabou de dizer e o que foi dito por ele no depoimento anterior à volta de Thiago ao Brasil.

L.: Excelência, eu gostaria de esclarecer, porque essa pergunta aí do senhor promotor foi muito boa preu pegar aqui a oportunidade aqui de um dia que eu fui levado ao escritório desse senhor que está aí na câmera, o doutor Marcio Janjacomo, de maneira criminosa?
PROMOTOR: Excelência, pela ordem.

MATEUS ARAÚJO: Aqui, o promotor interrompe a fala de L. No depoimento do garoto, fica claro que ele e a namorada já não estão mais juntos.

A gente entrou em contato com ela diversas vezes, mas ela não atendeu e nem retornou as ligações.

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L.: Bom, como eu tava dizendo? Eu fui levado, eu tava numa fase conturbada, assim, tava com uma mulher que é 10 anos mais velha que eu, meu pai tava numa exposição midiática nunca antes vista, do outro lado do mundo, com um monte de gente atacando ele, minha família toda desestabilizada e eu fui levado lá. Quem me colocou em contato com ele foi a minha mãe e eu, de fato, falei coisas horríveis do meu pai, coisas assim que me deixaram muito tempo sem dormir em paz, muito tempo sem dormir em paz.

MATEUS ARAÚJO: Nesse momento, novamente, L. olha diretamente para a câmera do computador.

L.: E também gostaria de ressaltar que eu fui 100% constrangido, fui 110% constrangido, inclusive a minha namorada na época deu depoimento do meu lado. Quando eu cheguei na sala, nessa sala que o senhor está sentado aí [se referindo a Marcio Janjacomo], quando eu cheguei nessa sala, já tinha, por vídeo, um promotor do Ministério Público, de nome Josmar, então eu não tive muita defesa.
PROMOTOR: Que coisas horríveis o senhor disse sobre o pai do senhor?
L.: Eu acho que as coisas que eu disse eram as coisas que qualquer adolescente com raiva de um pai diria.
PROMOTOR: E por que o senhor estaria com raiva do seu pai?
L.: Bom, são motivos pessoais meus e eu não gostaria de revelar.

MATEUS ARAÚJO: O promotor insiste em perguntar quais seriam essas "coisas horríveis".

Ele questiona o rapaz sobre o que seria verdade: aquilo que tinha dito ao Ministério Público em setembro de 2022 ou agora. O questionamento gerou uma discussão entre os advogados de defesa e o promotor.

L.: Excelência, eu não vou mais responder.
PROMOTOR: O senhor não vai responder essa pergunta ou todas as perguntas?
L.: Não vou responder nenhuma pergunta.

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MATEUS ARAÚJO: No final da audiência, Thiago e L. se encaram novamente, emocionados. Pai e filho se despedem fazendo um gesto de continência um para o outro.

A gente já falou aqui que Thiago sempre se vangloriou de nunca ter a ficha suja. Numa conversa de telefone gravada com K., em 2021, ele disse que sequer tinha pisado numa delegacia em toda a vida.

THIAGO BRENNAND: Nunca fui em uma delegacia com 41 anos com tantas brigas que tive.

MATEUS ARAÚJO: Em 2022, num vídeo publicado no YouTube dele, o discurso já mudou um pouco.

THIAGO BRENNAND EM VÍDEO NO YOUTUBE: Um cidadão sem nenhum processo em andamento. Bom, pra que seja mais precisa essa colocação, havia um processo prescrito de um uso de jet-ski, uma contravenção por uso de jet-ski.

MATEUS ARAÚJO: Recentemente, em 2023, a fala voltou a ser diferente.

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THIAGO BRENNAND: Nunca respondi a um processo no estado de São Paulo e, em Pernambuco, no máximo uma lesão corporal...
JUIZ: Essa lesão corporal foi no estado de Pernambuco?
THIAGO BRENNAND: Eu, eu, eu, eu... Não lembro da tipificação, eu devo ter tido uma briga ou duas, nenhuma lesão dos dois lados, coisas frívolas...

MATEUS ARAÚJO: Até agora, a gente contou 41 acusações contra Thiago. Denúncias que vão de porte de maconha, desacato a policiais e alienação parental, até agressão, perseguição e estupro. No último episódio, a ficha policial de Thiago Brennand é trazida à tona por completo, pela primeira vez.

No próximo episódio de "Brennand":

S.: Eu ainda tava desorientada, perguntando onde eu tava. Porque eu acordo sozinha num quarto de hotel e aquilo parecia que tinha sido um sonho, não parecia real. [...] Agora começam as horas mais malucas, porque eu entrei no modo sobrevivência.

C.: E daí ele virou para mim durante esse episódio e falou: "Eu mato você agora. Quem vai procurar você? Se eu atirar e jogar você do lado na rua, quem vai ver? Quem vai procurar?"

K.: Eu decidi, percebi que eu tinha que ter força, voltar à delegacia e falar tudo que aconteceu porque esse cara tinha que tomar um freio, ele tinha que parar de alguma forma. Então, eu criei coragem, voltei à delegacia, e falei tudo que aconteceu.

MATEUS ARAÚJO: Eu sou Mateus Araújo e esse é "Brennand". A pesquisa e a reportagem do podcast foram feitas por mim e por Juliana Sayuri. O roteiro é de Clara Rellstab. Montagem é de Danilo Corrêa. Desenho de som de João Pedro Pinheiro. Trilha sonora de João Pedro Pinheiro com base na obra de Luiz Álvares Pinto. Trilhas adicionais do Epidemic Sound. O design é de Eric Fiori. Motion Design de Leonardo Henrique Rodrigues. Direção de arte de Gisele Pungan e René Cardillo. Coordenação de Juliana Carpanez, Ligia Carriel e Olivia Fraga.

O podcast é um produto do UOL Prime, que tem Diego Assis como gerente geral de reportagens especiais. O projeto também conta com Murilo Garavello, diretor de conteúdo do UOL.

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