'Aos 11, vi meu irmão morrer no meu colo, eletrocutado no computador'

A gerente de vendas Juliana Maciel Latorraca, 27, viu o irmão Felipe Maciel Latorraca, dois anos mais velho, morrer após levar um choque enquanto tentava ligar a caixa de som do computador.

O acidente aconteceu na casa em que a família morava, em Cuiabá, há 16 anos. Após anos sob o luto da perda do único irmão, hoje Juliana consegue falar do ocorrido. Ela contou sua história ao UOL.

'Estava na frente dele'

"Eu tinha 11 anos na época e meu irmão, 13. Meu pai estava indo para um curso a trabalho e minha mãe tinha ido levar meu pai ao aeroporto. Naquele dia, ela pediu para uma amiga buscar a gente na escola.

Juliana e Felipe tinham voltado da escola quando acidente aconteceu
Juliana e Felipe tinham voltado da escola quando acidente aconteceu Imagem: Arquivo pessoal

Chegamos em casa, almoçamos e, após o almoço, a gente sempre disputava para ver quem ia usar o computador primeiro. Tínhamos apenas um computador em casa porque era algo caro.

Então, a gente terminava de comer e saía correndo para ver quem chegava primeiro ao escritório. E, naquele dia, meu irmão chegou primeiro.

Eu não costumava ficar no escritório enquanto ele usava o computador, mas, naquele dia, fiquei.

O Felipe gostava muito de jogar no computador e todo mundo conversava com outros jogadores durante as partidas. Quando ele ligou o computador, percebeu que o cabo das caixinhas de som, aquelas que ficavam externas, estavam soltos. Ele então foi conectar esse cabo.

Para ligar o cabo, ele tirou o CPU do compartimento em que ficava, colocou no chão e se deitou. Ele estava descalço e ainda usava o uniforme da escola.

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Ao mexer nos cabos, ele levou um choque. E eu estava na frente dele.

No momento em que ele levou o choque, não conseguiu soltar a mão do computador, que estava com corrente elétrica, e ficou tomando choque grudado no CPU.

Felipe e Juliana, na infância: irmãos eram unidos
Felipe e Juliana, na infância: irmãos eram unidos Imagem: Arquivo pessoal

Ele falava: "Juliana". E tentava me mostrar que estava levando um choque. Falou meu nome três vezes e desmaiou. Desesperada, eu comecei a gritar: tinha só 11 anos, era uma criança, não sabia o que fazer naquela situação.

Tinha duas funcionárias em casa e elas logo vieram correndo, desesperadas. Começamos a procurar a chave padrão da energia do imóvel para desligar e socorrer meu irmão.

Saí no meio da rua, pedindo socorro para os vizinhos e a quem mais passasse na rua. Naquela época, eu nem sabia o que era morte e achava que meu irmão estava apenas desmaiado.

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'Comecei a entender e a rezar'

Chamamos o Samu, mas ele estava demorando. Então, uma vizinha ouviu nosso desespero e veio correndo nos ajudar, lembro que ela estava de camisola, colocou a gente no carro e fomos ao hospital.

Eu fui no banco de trás, com meu irmão no meu colo. Vendo a gravidade da situação, a funcionária que estava com a gente no carro falou para eu tentar fazer uma respiração boca a boca no meu irmão enquanto ela tentava a massagem cardíaca. Não sabia como fazer, mas mesmo assim eu tentei.

Felipe Maciel Latorraca morreu aos 13 anos após levar um choque
Felipe Maciel Latorraca morreu aos 13 anos após levar um choque Imagem: Arquivo Pessoal

As mulheres que trabalhavam em casa já haviam ligado para minha mãe e contado o que aconteceu. Do aeroporto, meu pai ligou para alguns amigos cardiologistas no hospital da cidade e, quando chegamos ao pronto-socorro, já havia médicos nos esperando.

Eles pegaram meu irmão e entraram correndo para reanimá-lo. Foi no hospital, vendo toda a movimentação, que comecei a entender que o que havia acontecido era grave e que meu irmão poderia morrer. Comecei a rezar.

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Em questão de minutos, meus pais, tios e muita gente da minha família também chegou ao hospital. Foram 30 minutos dos médicos tentando reanimar o Felipe. E, de repente, veio um deles e nos avisou que meu irmão não havia resistido ao choque e faleceu.

Foi um baque gigante, a gente nunca havia perdido ninguém da família. E, de repente, eu perdi meu irmão de um minuto para o outro. Ele morreu na minha frente, no meu colo.

'Por muito tempo, me culpei'

Toda a família sentiu muito a perda do Felipe: ele foi o primeiro neto, era o primeiro filho dos meus pais.

Lembro que, no primeiro mês, nem televisão ligávamos em casa. Eu e minha mãe nos apegamos à religião para tentar superar aquela situação. Já o meu pai se apegou ao trabalho. Há dez anos, ele não fala sobre o assunto.

Por um tempo, eu me culpei pela situação, por não conseguir ajudar meu irmão. Mas, hoje, sei que se eu tivesse tentado puxá-lo eu também teria levado o choque.

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Na adolescência, me cobrei muito, queria ser uma boa filha, com boas notas e não fazer com que meus pais se preocupassem comigo. Afinal, eles já sofriam demais pelo Felipe.

Juliana Maciel Latorraca, 27, perdeu o irmão após o garoto levar um choque
Juliana Maciel Latorraca, 27, perdeu o irmão após o garoto levar um choque Imagem: Arquivo Pessoal

Com o passar do tempo, acredito que após uns cinco anos da partida dele, comecei a lidar melhor com a situação. Entendi que eu tinha duas opções: aprender a lidar com a falta dele ou sofrer pelo resto da vida.

Tentando superar meu luto, conheci o espiritismo e, cinco anos após a morte do Felipe, recebi a primeira carta dele psicografada. Ele dizia para eu não ficar buscando respostas, porque elas muitas vezes ainda não existem, mas acreditar que ele estava comigo o tempo todo, porque a nossa ligação é muito forte.

Após essa carta, recebi algumas outras e isso me ajudou a superar a falta dele, porque tenho certeza que ainda vamos nos reencontrar."

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