Sequestrada e morta, menina 'virou santa' e atrai fiéis: 'Fazendo um altar'
O cemitério Campo da Esperança, localizado na Asa Sul do Distrito Federal, abriga uma história de milagres e devoção. O túmulo de Ana Lídia Braga, estuprada e assassinada aos 7 anos, é visitado até hoje por pessoas que acreditam que a menina se tornou santa. O crime aconteceu na década de 70 e não teve um desfecho.
A menina que virou "santa"
Das 250 mil lápides do cemitério, a de Ana Lídia é a mais procurada, segundo funcionários. O túmulo está sempre decorado com flores, bonecas, balas, ursos de pelúcia e cartas. Lá, ficam também vários agradecimentos por milagres.
O túmulo é cuidado por dois jardineiros. Segundo eles, o serviço é pago por um idoso que teve uma graça alcançada após pedir pela intercessão da menina. Outro jardineiro disse ao UOL que os milagres passam de geração em geração, e até pessoas de fora de Brasília já procuraram o local para pedir e agradecer.
Todos os dias alguém me aborda procurando o túmulo dela. Fica ainda mais cheio no dia de Finados. São muitas flores, brinquedos, doces. Muitas histórias também de curas de doenças, aprovações em concursos e empregos.
Valdir Pereira, jardineiro
'Ana Lídia já me proporcionou dois milagres'
A decoradora de ambientes Maria das Neves Pessoa Santos, 64, morava em Brasília quando o crime aconteceu.
Eu tinha 14 anos quando tudo aconteceu e me atingiu muito, sabe? A imagem dela na televisão com roupinha azul, os cabelos loiros, e eu nunca mais esqueci. Foram momentos de dor, ansiedade, revolta. Não tinha como não sofrer junto.
Os anos passaram, Maria das Neves mudou de cidade, mas nunca esqueceu de Ana Lídia. Hoje, é devota da menina e está construindo um altar para ela dentro de casa.
No ano de 1987, eu me mudei para São Paulo, mas a minha vida continuou em Brasília. Em uma das viagens, fui ao banco e estava com todos os meus cartões e talões de cheque, passagem de volta, o que daria cerca de R$ 2 mil. Esqueci minha carteira em um dos balcões e voltei para casa de familiares. Quando percebi, voltei ao banco, mas já estava fechado. Era sexta-feira e fiquei desesperada.
A decoradora conta que, imediatamente, pensou em Ana Lídia.
Já havia ouvido falar nos milagres e rezei muito. Pedi para ela me socorrer, me ajudar, me dar uma luz. Na segunda-feira, o banco me ligou dizendo que havia encontrado a carteira e que ela estava intacta. Depois, minha filha rezou pela menina, para que fosse aprovada em um concurso público. Ela conseguiu e levou um buquê de flores no túmulo da Ana Lídia. Conseguimos dois milagres.
O crime
Crime aconteceu no dia 11 de setembro de 1973, por volta das 14h. Naquele dia, os pais de Ana Lídia a deixaram na porta da escola, na L2 Norte, em Brasília. A menina, no entanto, nunca entrou no colégio.
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Quero receberQuando uma funcionária da família foi buscá-la, descobriu que Ana Lídia não havia sido vista no prédio. À época, um funcionário relatou que a menina foi abordada por um homem alto, loiro, de cabelos compridos, vestindo blusa branca e calça verde-oliva, e os dois teriam deixado o colégio.
Os pais acionaram a polícia. Naquela mesma noite, o delegado foi contatado por um homem que afirmava ter sequestrado Ana Lídia, exigindo um resgate de 2 milhões de cruzeiros. No dia seguinte, uma carta surgiu em um supermercado próximo à casa da família, solicitando o pagamento de 500 mil cruzeiros.
No dia seguinte, o corpo de Ana Lídia foi encontrado em um matagal próximo à UnB (Universidade de Brasília). Estava nu, com os cabelos cortados de maneira desigual e rente ao couro cabeludo. Próximo ao local, foram encontrados preservativos, mas os materiais genéticos nunca foram comparados com os suspeitos. O exame também revelou hematomas e escoriações no corpo da vítima, confirmando que ela foi estuprada após sua morte.
Investigação
O desenrolar do caso mudou quando os investigadores apontaram o irmão de Ana Lídia, Álvaro Henrique Braga, como suspeito de ter forjado o sequestro junto com o traficante de drogas Raimundo Duque. Supostamente, o objetivo era extorquir dinheiro do pai, um funcionário público. Álvaro foi identificado como o possível responsável por buscar Ana Lídia na escola, coincidindo com a descrição do homem que a acompanhou. Além disso, ele enfrentava acusações de envolvimento com drogas e suspeitas de dívidas com traficantes, embora tenha sido absolvido na época.
Em 1974, por censura, o caso deixou de ser divulgado pela imprensa. Surgiram então outros suspeitos, Alfredo Buzaid Júnior (Buzaidinho), filho do ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, e de Eduardo Rezende, filho do senador Eurico Rezende, líder do governo na época. Contudo, nada foi comprovado contra os suspeitos. O irmão de Ana Lídia e Raimundo Duque, também foram absolvidos em 1974 devido à falta de provas em relação ao crime.
O caso nunca teve uma solução, o que causa revolta até hoje para os brasilienses, como a bibliotecária Claudia Stocker, 57, que estudou com Ana Lídia.
Estávamos na primeira série. Ela era uma menina muito carismática, extrovertida, inteligentíssima e não conversava muito. Uma menina linda de cabelos loiros e cacheados e olhos azuis. A sua morte foi um choque para todos naquela época. Eu soube pelo noticiário da TV e com a inocência de criança, não entendia o porquê daquela barbárie. Até hoje, recordo bem dela e me entristece muito, passados 50 anos, este crime permanecer cheio de mistérios e impunidades, mas não esquecido.
Claudia Stocker
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