TJ-SP confirma liminar e Enel pode pagar multas por má prestação de serviço

O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) manteve nesta quinta-feira (11) uma liminar que obriga a Enel, concessionária de energia de São Paulo, a cumprir com prazos de atendimento ao público e regras estabelecidos pela Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), órgão regulador do setor.

Teoricamente, as multas podem chegar a R$ 1 bilhão, embora seja raro que concessionárias cheguem mesmo a desembolsar tais montantes porque as punições administrativas costumam ser rediscutidas na Justiça, e os valores, reduzidos.

O que aconteceu

O tribunal confirmou a liminar de primeira instância, de dezembro do ano passado, e definiu as seguintes obrigações à Enel:

  1. Obedecer o máximo de horas anuais de interrupção e o limite anual máximo de interrupções do fornecimento de energia elétrica, regras conhecidas como DEC e FEC, sob pena de multa de R$ 250 mil por conjunto elétrico em que for verificado o descumprimento, até o limite de R$ 500 milhões;
  2. Divulgar na conta de luz e no site da empresa seus índices mensais de DEC e FEC e os últimos índices anuais, ou pagar multa de R$ 50 mil por descumprimento, até o prazo de R$ 300 milhões;
  3. Informar a cada consumidor, de forma individualizada, a previsão de restabelecimento do fornecimento de energia, sob pena de multa de R$ 2.000 a cada reclamação registrada;
  4. Obedecer o prazo máximo de 30 minutos para atendimento pessoal de consumidores, sob pena de R$ 100 por reclamação;
  5. Permitir que o consumidor seja atendido por um ser humano em até 60 segundos nos atendimentos por telefone, sob pena de R$ 100 por reclamação;
  6. Responder em até 60 segundos contatos de consumidores feitos por WhatsApp, Telegram ou aplicativo próprio, ou pagar R$ 500 de multa por reclamação;

A decisão foi tomada pela 22a Câmara de Direito Privado do TJ-SP, que confirmou liminar concedida pelo relator, desembargador Roberto Mac Cracken, em janeiro deste ano.

Para tomar a decisão, os desembargadores da câmara consideraram "a extrema gravidade dos fatos narrados no presente recurso", ou seja, os apagões de novembro do ano passado e de março deste ano, "bem como a relevantíssima repercussão social negativa e intoleráveis consequências sociais aos atingidos".

De acordo com dados do Procon de São Paulo do início do ano, somente até o dia 11 de janeiro a Enel já havia sido alvo de 500 reclamações na entidade. Em 2023, foram mais de 20 mil. No dia 4 de abril, o Procon-SP anunciou mais uma multa, já conforme a liminar de dezembro: R$ 12,9 milhões.

Se as reclamações se mantiverem nesse ritmo e forem transformadas em multas nos termos da decisão judicial, a Enel disse a desembargadores que pode ter de pagar R$ 1 milhão em multas antes do fim deste ano.

Em nota enviada ao UOL, a Enel disse que "a decisão invade a competência privativa da União e da Aneel de legislar e regular a prestação do serviço de distribuição de energia elétrica" e avisou que vai recorrer.

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A decisão desta quinta foi uma liminar. Agora, o caso vai voltar à primeira instância para discussão de mérito, na qual será debatida ainda a imposição de uma indenização por dano social de R$ 350 milhões.

Eventos climáticos

No recurso contra a liminar no TJ-SP, a Enel afirmou que as obrigações impostas pela Justiça não estão previstas em lei e não poderiam constar da decisão. A empresa disse ainda que a exigência de pronto atendimento aos consumidores é desproporcional, e acusou o juiz de não considerar as consequências de sua decisão.

A Enel ainda disse que as reclamações sobre seus serviços aconteceram por causa de circunstâncias "imprevisíveis", como fortes chuvas e eventos climáticos mais intensos do que em anos anteriores.

O TJ-SP, no entanto, considerou esses argumentos insuficientes para justificar o comportamento da empresa em relação aos consumidores.

No acórdão, a 22a Câmara ainda determinou a intimação pessoal do presidente da Enel Brasil, Antonio Scala, e do presidente da Enel Distribuição, Max Xavier Lins, "tudo sob as penas da lei, sem exceção" - ou seja, caso descumpram a decisão, podem ter de responder pelo crime de desobediência.

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Apagão de 2023

A decisão foi tomada em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo no final do ano passado, na esteira do apagão de 3 de novembro, quando mais de dois milhões de pessoas ficaram sem luz por mais de 24 horas.

Segundo o MP, só a respeito daquele evento foram registradas mais de 2.300 reclamações em menos de 20 dias. Na ação, os promotores afirmam ter registrado casos de pessoas que ficaram mais de cinco dias sem luz.

A ação também aponta que a Enel responde por 143 conjuntos elétricos, nos critérios da Aneel. E em 2021, segundo o MP, os prazos máximos de horas sem fornecimento foram desrespeitados em 13 delas, e o limite anual de quedas no fornecimento, em 46 delas. Em 2022, as falhas aconteceram em 9 e 31 conjuntos, respectivamente, e a Enel não divulgou os números de 2023 até hoje.

De acordo com a ação, durante o apagão, o tempo médio de espera para ser atendido pela Enel subiu de 89 segundos para 795 segundos e, depois, para 863 segundos.

O MP aponta ainda que a Enel já foi multada algumas vezes porque "não cumpre os níveis de qualidade de fornecimento de energia elétrica desde 2019". Em agosto de 2021, a concessionária foi multada pela Aneel em R$ 16,2 milhões por desrespeito aos prazos de DEC e FEC. Em julho de 2022, chegou a ser multada em R$ 95,8 milhões, mas o valor foi depois reduzido para R$ 53,7 milhões.

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Liminar de primeira instância

Na decisão de primeira instância, o juiz Fábio de Souza Pimenta disse que o apagão de 3 de novembro confirmou a percepção de caos e desorganização estrutural denunciada pelo amontoado de fios emaranhados e pendurados em postes, misturados com árvores, sinais de trânsito, semáforos e equipamentos que, além de causar terrível poluição visual das vias públicas".

Não é crível que, num mundo de crescente uso de tecnologia e evolução estrutural, com maior conscientização ambiental, evolução nas políticas de segurança do trabalho e respeito aos direitos do consumidor, ainda tenha a população que conviver com transistores, fios e postes na frente de casas e estabelecimentos, sob o risco de quedas e permanentes variações de tensões que causam o estrago de equipamentos residenciais e de empresas, com interrupções sem previsão de retorno,cujas informações não são levadas ao conhecimento de seus destinatários finais pela ausência de estrutura, logística e funcionários para o devido atendimento público Fábio de Souza Pimenta, juiz da 32ª Vara Cível de São Paulo

O pedido inicial do Ministério Público era que a Enel pagasse multa de R$ 1 milhão para cada conjunto elétrico em que houve desrespeito às regras de DEC e FEC, mais R$ 1 milhão por demorar mais de 60 segundos para atender consumidores no telefone e outro R$ 1 milhão pela demora nos atendimentos por aplicativo.

No entanto, o juiz considerou que a melhor solução seria fazer com que a empresa use o dinheiro para investir na melhoria dos serviços, em vez de pagar multas. Por isso, estabeleceu as obrigações, que passariam a valer em 1º de abril - cinco meses depois da publicação da decisão.

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