'Vídeo mostra que não reagiu', diz esposa de baleado por bombeiro em metrô

A esposa de Thyago dos Reis Feres, 25, baleado por um bombeiro à paisana na Estação da Luz de São Paulo, após pular a catraca do metrô, relatou o que aconteceu com o marido momentos antes e depois de ele ser atingido pelo militar, no último dia 17.

Diferentemente da versão divulgada pela SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) no dia seguinte ao ocorrido, Fabianne Fleury, 20, afirmou ao UOL que não houve confronto físico entre Thyago e o policial, apenas uma discussão verbal momentos antes do disparo.

Ele realmente pulou a catraca e estava indo para casa, mas não reagiu, não teve agressão, não teve nada disso. Isso eu posso afirmar porque é o que realmente as imagens mostram. Em momento nenhum o Thyago bateu em alguém, desrespeitou, não existiu isso. Até porque todo mundo que estava no metrô ficou extremamente indignado e diziam [ao bombeiro]: 'por que você fez isso?' 'o menino não fez nada', contou Fabianne, que está grávida de oito meses.

O que aconteceu

Um dia após Thyago ter sido atingido pelo disparo de arma de fogo de um bombeiro à paisana, cuja identidade ainda não foi revelada, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo divulgou que o militar havia passado pela catraca "quando viu que o passageiro avançou pelo bloqueio sem pagar".

"O bombeiro pediu para que ele voltasse e pagasse a passagem, momento em que o homem avançou contra o bombeiro. O policial tentou afastá-lo, mas o homem continuou avançando", alegou a SSP em nota enviada à Folha de S.Paulo.

No entanto, a gravação de uma testemunha, enviada à reportagem dias depois do ocorrido, mostra que, no segundo seguinte ao disparo do bombeiro, o militar e Thyago estavam a uma certa distância um do outro.

Em outro vídeo cedido ao UOL, passageiros aparecem gritando em direção ao policial, que passou a socorrer Thyago, estirado no chão envolto de muito sangue. "Foi sem necessidade", gritou diversas vezes uma das testemunhas.

Continua após a publicidade

O UOL apresentou o vídeo para a SSP e solicitou um novo posicionamento. A SSP informou à reportagem que "a Polícia Militar não compactua com desvios de conduta ou excessos de seus agentes".

O caso é investigado por meio de um Inquérito Policial Militar e pela Delegacia do Metropolitano. As equipes da unidade aguardam a alta médica da vítima, que foi socorrida pelo próprio bombeiro, para que ela possa prestar depoimento. Além disso, a arma do militar foi apreendida e encaminhada para perícia, juntamente com as imagens coletadas. As investigações continuam em andamento para esclarecer os fatos. O militar envolvido na ocorrência estava de folga e desempenha funções no serviço administrativo. Nota da SSP-SP

Este é o segundo caso conhecido, apenas neste mês de abril, de violência envolvendo um militar dentro da Estação da Luz. No início do mês, uma passageira que estava sentada no chão do Metrô foi agredida por um policial militar fardado.

'Achou que fosse morrer'

Segundo a esposa de Thyago, o marido foi atingido nas duas pernas pelo disparo do bombeiro, perdeu muito sangue e passou alguns dias internado na UTI (Unidade de Terapia Intensiva) da Santa Casa de Misericórdia, após uma cirurgia de emergência.

O que ele me falou foi que, quando caiu e começou a perder todo aquele sangue, ele começou a ficar sem fôlego e achou que fosse morrer. (...) A bala atravessou a perna esquerda e foi para a perna direita. Comprometeu as artérias da perna, inclusive a veia safena, e a cirurgia aconteceu de imediato porque, se não, ele podia ter morrido mesmo, ele perdeu muito sangue. Fabianne Fleury, esposa de Thyago

Continua após a publicidade

Quase 15 dias depois, Thyago segue internado na Santa Casa em tratamento com fisioterapia e medicamentos, de acordo com sua mulher. "Sequelas certamente ficarão, mas ainda é cedo para identificar quais", afirmou Fabianne.

A esposa do jovem disse ainda que o marido está recebendo cuidados por parte da família, da qual é o "caçula", e que será afastado pelo INSS do emprego. Ele trabalhava como estoquista em uma loja de artigos de celular na 25 de Março, região central de São Paulo.

Fabianne Fleury, grávida de oito meses, e Thyago dos Reis Feres, esperam a chegada de uma filha
Fabianne Fleury, grávida de oito meses, e Thyago dos Reis Feres, esperam a chegada de uma filha Imagem: Divulgação Instagram

'Preconceito' e 'culpa'

Questionada sobre as suspeitas da família sobre o motivo do disparo contra Thyago, Fabianne afirmou: "Propícios a riscos, todos nós estamos. Mas eu acho que envolveu preconceito e que essa pessoa que atirou não tem nem condições psicológicas para ter uma arma".

O Thyago tem um estilo mais despojado e ele não vai trabalhar na 25 de Março todo engomadinho, ele vai do jeito que ele é, do jeito que ele gosta, bermuda, chinelo, camisetão. Ele é negro, é alto, tem quase 1,90 de altura, então, acho que foi um pouco de preconceito, sim.

Continua após a publicidade

Além das sequelas que comprometem a saúde física do jovem, Fabianne afirma que o marido "se sente culpado pela situação" e com uma "tristeza profunda". E explica: "Não achando que ele merecia o tiro ou algo assim, mas culpado porque eu estou grávida, culpado porque a mãe dele já é idosa e ele vê a gente indo para o hospital frequentemente".

A gente mora na região da zona leste e ele está na Santa Casa, que é no Centro. Então a gente está sempre se locomovendo e, com toda a exaustão, tanto física quanto psicológica, ele está se sentindo muito mal. Ele realmente achou que não ia mais me ver, ver a família, ver a filha nascendo. Então, isso gera uma tristeza profunda nele.

Fabianne diz que Thyago dará seu depoimento à Polícia Militar após receber alta médica e que a família fará o que estiver ao alcance para conseguir justiça para o jovem.

'Conduta completamente fora dos padrões'

De acordo com Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, a ação do bombeiro à paisana foi "completamente equivocada" e viola normas federais que regulamentam o uso da força por agentes de segurança pública.

O disparo só é considerado justificável se a outra pessoa estiver apresentando uma ameaça concreta à vida desse agente ou à vida de terceiros. Natália Pollachi

Continua após a publicidade

Entre as normas citadas por Pollachi está uma lei federal que disciplina o uso da força por agentes de segurança pública em todo território nacional.

Não é legítimo o uso de arma de fogo contra pessoa em fuga que esteja desarmada ou que não represente risco imediato de morte ou de lesão aos agentes de segurança pública ou a terceiros (...). Artigo 2° da Lei 13.060, de 22 de dezembro de 2014

A especialista em segurança pública avalia ainda que uma conduta indicada ao bombeiro na ocasião seria solicitar apoio da segurança do próprio Metrô para o encaminhamento do caso.

Também há situações em que, inclusive, seria mais seguro para todas as partes deixar o rapaz ir do que gerar esse tipo de consequência, que poderia ter colocado outras pessoas em risco, além do ferimento do próprio rapaz, por causa de uma passagem de 5 reais. A gente não está falando de crimes contra a vida, a gente sequer está falando de um crime contra um patrimônio que seja significativo, então realmente é uma conduta completamente fora dos padrões.

Deixe seu comentário

Só para assinantes