Após saques, policiais e segurança fazem ronda em barcos em Porto Alegre

Por medo de uma onda de saques em Porto Alegre, a polícia estabeleceu rondas noturnas com barcos percorrendo as áreas comerciais da cidade. Moradores que deixaram suas casas contrataram seguranças privados para fazer patrulhas.

O que aconteceu

Escuridão absoluta com os postes inoperantes, chuva constante e fios de energia imersos na água imunda. Cada dupla de policial que sai para as rondas noturnas encontra um cenário para o qual não foi treinado.

A lanterna que ilumina a área alagada também revela a posição. Para completar, não dá para saber se o barco que se aproxima é aliado ou hostil. Enquanto presta-se atenção a todos estes aspectos, é preciso olhar se ladrões estão pilhando lojas e residências.

Terminada a remoção das vítimas, os policiais se adaptam para evitar uma onda de saques. Uma escalada da violência instauraria o pânico em Porto Alegre. Causaria ainda mais prejuízos financeiros e psicológicos a lojistas e milhares de moradores atingidos pela enchente.

Os barcos responsáveis pela tarefa saem no anoitecer e ficam na água até clarear o dia. O número padrão é dois policiais, mas alguns têm três agentes, explica o coronel Luciano Moritz Bueno, comandante de Policiamento da Capital.

Ele disse que 20 criminosos foram presos até a noite de sexta. Na última noite, o UOL flagrou um homem sendo retirado algemado depois de ser preso saqueando uma loja. Neste sábado, a Polícia Civil localizou um depósito que servia de armazenamento para os produtos furtados das residências e comércios.

O foco da polícia é a zona norte e o centro de Porto Alegre. "São áreas que estão completamente alagadas e compreende região de grande porte de empresas, indústrias e comércios", contou o coronel Luciano.

O número de embarcações e policiais envolvidos é mantido em sigilo. O comandante do Policiamento da Capital justificou que a informação estratégica. Ele revelou somente que todos os barcos da Secretaria de Segurança Pública e mais alguns emprestadas por empresários estão em uso.

O UOL trafegou pelas regiões alagadas durante a noite e cruzou com vários barcos de policiais. Para se ter uma ideia do número de agentes na água, várias viaturas do Choque, Polícia Civil e Brigada Militar (como a PM é chamada no Rio Grande do Sul) estavam estacionadas na parte seca de onde saem as embarcações.

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Dificuldades do patrulhamento

Policiais não são treinados para agir em barcos. O número de agentes do batalhão ambiental é insuficiente para haver pilotos para todas as embarcações. Voluntários fazem este trabalho.

*Um piloto voluntário dá exemplo do tamanho do problema". Ele contou ao UOL que os policiais não sabiam nem a quantidade de óleo dois tempos que deveriam colocar no tanque. O combustível deve ser misturado à gasolina e o excesso ou escassez provoca panes, explicou o barqueiro.

O UOL pegou carona em um barco privado de uma empresa de segurança. Um policial pediu para ir junto e contou que não há barcos para fazer o transporte de tropa entre as áreas de risco e o viaduto de onde saem as embarcações.

Uma vez que o motor é ligado, a sensação de desconforto é enorme. Logo na saída, o barco passa por uma área onde apenas o teto de dezenas de carros aparecem fora d'água. Trata-se do pátio de uma loja da Nissan, explica o policial. Ele diz que é a mesma situação da concessionária da Porsche logo a frente.

Lixo flutua por todo canto. Na frente da embarcação, uma pessoa procura objetos que possam caracterizar risco. É como o caçador de icebergs do Titanic. Mas o maior risco são fios de luz enrolarem no motor.

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Saqueadores estão levando os cabos de energia dos postes. O que não conseguem carregar fica na água. Tudo que patrulheiros e policiais não querem é ficar à deriva numa região conflagrada.

População recorre a segurança privada

Mas nem todo mundo dentro das lojas é saqueador. A reportagem do UOL viu o policial que estava no mesmo barco da reportagem fazendo uma abordagem. Ele enxergou um homem dentro de uma loja e vociferou: "O que você tá fazendo aí irmão?"

O homem falou que era segurança contratado para afastar ladrões. Os seguranças privados que davam carona ao agente e ao UOL confirmaram a versão. Eles explicaram que o segurança está naquela loja todas as noites.

A conclusão é que à noite ninguém se sente seguro na área alagada de Porto Alegre. Rodrigo Carvalho, 52 anos, comanda o barco que deu carona a reportagem. Ele trabalha numa empresa de segurança privada.

Rodrigo conta que ouviu tiros várias vezes. Ele explica que existem duas ameaças: uma pequena; outra gigante. Os saqueadores são na maioria "pé de chinelo", resume. O problema são traficantes que estão protegendo seus territórios da ação de rivais.

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É perigoso, a gente sai com coração na mão,
Rodrigo Carvalho

Moradores preocupados

Donos de casas duplex de classe média/alta em condomínios do bairro Humaitá contrataram empresas privadas. Rodrigo explica que percorre os comércios clientes para verificar se houve saque. Em caso positivo, tira fotos para o dono dar entrada nas providências legais.

Na sequência, ele vai cuidar dos condomínios. O barco faz as vezes de moto e cruza as ruas e pátios das casas. Nestas horas, Rodrigo encontra com figurinhas carimbadas.

Alguns moradores não deixaram as casas por medo de saques. O segurança explica que eles construíram espécies de bunker para proteger seus pertences. Ocorre que a determinação em ficar começa a ceder.

Toda noite, pessoas pedem carona para sair dos condomínios. A chuva volta a castigar Porto Alegre neste final de semana e não há expectativa de a água baixar num futuro próximo. Falta água, luz e os suprimentos estão cada vez mais escassos nos bairros alegados.

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A polícia age para a situação não sair do controle. Enfrenta os bandidos e os boatos. O comandante do Policiamento da Capital explica que fake news relatando saques brotam de todo o canto das redes sociais. O celular virou ameaça a ordem pública no armagedon aquático que Porto Alegre se encontra.

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