Por que europeu vivendo há 5 meses em abrigo não consegue voltar para casa?
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Há cinco meses, um cidadão da Moldávia está morando em um abrigo público na cidade de Santos, litoral de São Paulo, após ter tido documentos e dinheiro roubados na rodoviária. Especialistas afirmam que o Brasil não tem obrigação legal de custear sua viagem de volta, mas apontam um vácuo na legislação para casos como esse, deixando estrangeiros sem um protocolo claro de assistência.
O que aconteceu
O turista moldavo foi assaltado assim que desembarcou em Santos, em novembro do ano passado. Sem documentos, dinheiro ou contatos no país, acabou acolhido pelo Seabrigo, serviço municipal destinado à população em situação de rua. Desde então, aguarda uma solução para retornar ao seu país de origem.
A Prefeitura de Santos afirmou, em resposta ao UOL, que não considera ser de sua responsabilidade o retorno do estrangeiro. O município explicou que, mesmo assim, busca repatriar o homem por meio de um dispositivo chamado recâmbio qualificado. Trata-se de uma política voltada à população em situação de rua e que, para ser aplicado, é necessário que a pessoa tenha acolhimento garantido no destino. A prefeitura explica, em nota, que "não existe exigência impeditiva" para que o recâmbio aconteça, mas que, no caso de um estrangeiro, "é preciso diálogo com autoridades internacionais".
A prefeitura afirma que tem atuado no acolhimento do estrangeiro, mantendo diálogo com órgãos oficiais, entidades e organizações que trabalham com refugiados. O secretário de Desenvolvimento Social, Elias Junior, diz que o município tem conversado com diferentes instâncias sobre o caso. "A prefeitura participou ativamente desse serviço de acolhimento, inclusive dialogando com os órgãos oficiais, com entidades e organizações que fazem o acolhimento para refugiados", afirma.
Segundo ele, o governo municipal também está em contato com a Polícia Federal para regularizar a documentação do estrangeiro. "Estamos em contato com a Polícia Federal para a expedição do passaporte dele, para trazer essa regularidade documental para ele e também que ele tenha segurança na decisão de regressar ou permanecer aqui na nossa cidade", diz.
O cônsul honorário da Moldávia no Brasil, Flávio Bitelman, informou que o documento de viagem necessário para o retorno do estrangeiro já foi emitido, mas a viagem ainda não ocorreu por falta de recursos. Segundo ele, nem o consulado honorário, nem a família do moldavo, nem a Prefeitura de Santos têm condições financeiras para arcar com a passagem aérea, cujo custo pode chegar a R$ 10 mil. A única representação diplomática oficial da Moldávia na região está nos Estados Unidos, o que limita as opções de assistência direta ao cidadão.
Vácuo na legislação
O professor Tomas Olcese, da Universidade Cruzeiro do Sul, explica que o Brasil não tem obrigação legal de pagar a passagem de volta de um estrangeiro sem recursos. Para ele, o país tem deveres jurídicos apenas em casos de refugiados ou asilados políticos. "Se esse estrangeiro estivesse em um país europeu, haveria suporte governamental. O Brasil não dispõe de um programa como o da União Europeia para financiar o retorno voluntário de estrangeiros sem recursos", destaca.
Ele avalia que, diante da ausência de um programa governamental específico, uma alternativa poderia ser uma campanha de arrecadação de recursos para custear a viagem do estrangeiro. "Uma possível solução seria fazer uma campanha de arrecadação virtual de recursos para custear essa viagem, com divulgação no país de origem do migrante", afirma.
Apesar do Brasil ser signatário de tratados internacionais que garantem o direito de qualquer pessoa de deixar um país, esse direito não implica que o governo brasileiro tenha que financiar o retorno. Segundo o advogado Ilmar Muniz, repatriações pagas por governos costumam ocorrer apenas em situações extremas. "No Brasil, repatriações custeadas por órgãos públicos são raras e geralmente ocorrem apenas em casos humanitários extremos, como deportações ou programas de assistência a refugiados", explica.
Muniz também explica que o conceito de recâmbio qualificado não tem previsão na legislação federal e que cada município pode adotar políticas próprias para assistência social. "O recâmbio qualificado é uma diretriz local da prefeitura de Santos. Não há uma regulamentação nacional para esse tipo de programa", afirma.
Já o advogado Marco Alonso David, sócio da Kuntz Advocacia, aponta que, em tese, o turista moldavo poderia acionar judicialmente a representação da Moldávia no Brasil para exigir o pagamento da viagem. No entanto, ele considera essa alternativa improvável. "Não há nenhuma lei brasileira que obrigue um país estrangeiro a custear o retorno de seus cidadãos", pontua.
Os especialistas acreditam que a OIM (Organização Internacional para as Migrações) pode ser um caminho para resolver o impasse. David menciona que a OIM mantém um programa de retorno voluntário e reintegração, que auxilia migrantes sem recursos a retornarem para seus países de origem. Segundo ele, o estrangeiro pode buscar informações no site da organização para verificar se pode ser beneficiado pelo programa.
Procurado, o Itamaraty informou que sua atuação é para com brasileiros com problemas em outros países e não o contrário. O Ministério dos Direitos Humanos, em nota, informou que tem coordenado as ações específicas para os brasileiros deportados dos Estados Unidos e sugeriu contato com o Ministério da Justiça e Cidadania, que até o fechamento desta matéria não havia respondido. Também tentamos contato com a representação da OIM no Brasil, mas não houve resposta aos questionamentos.
4 comentários
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Paulo Eugenio Pachechenik
Se nós, cidadãos pagadores de impostos, que sustentamos os 3 poderes mais caros do planeta, somos tratados como estrangeiros por eles, imagine um estrangeiro, como esse moldavo.
Gabriel Marcelo Echeverría Díaz
Está ao deus dará.. agora todo mundo empurra com a barriga e deixa o carinha morrer
Davi Ricardo Rodrigues Oliveira
Cadê a segurança dessa rodoviária? Se tivesse, nada disso teria ocorrido.