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Brigados, primos disputam herança política de Miguel Arraes no Recife

Os deputados federais João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), herdeiros políticos de Miguel Arraes, se enfrentam na disputa no Recife - Arte/UOL
Os deputados federais João Campos (PSB) e Marília Arraes (PT), herdeiros políticos de Miguel Arraes, se enfrentam na disputa no Recife Imagem: Arte/UOL

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

16/09/2020 04h00Atualizada em 16/09/2020 17h44

A família de Miguel Arraes está dividida para a eleição da Prefeitura do Recife neste ano. Apesar de caminharem no espectro político da esquerda, a disputa na capital pernambucana colocará frente a frente Marília Arraes (PT), neta do ex-governador de Pernambuco, e o bisneto e filho de Eduardo Campos —morto em 2014 em acidente aéreo— João Campos (PSB).

Ontem, o PSB realizou a convenção em que confirmou o nome do deputado federal para a disputa em uma coligação com 11 partidos: PSD, MDB, Rede, Avante, Republicanos, PV, PCdoB, PDT, PROS, Solidariedade e Progressistas. Hoje pela manhã, foi a vez de o PT ratificar a também deputada federal, que terá o apoio de PSOL, PTC e PMB.

O duelo será o primeiro da família para um cargo executivo e é encarado como um verdadeiro tira-teima de quem seria o mais legítimo "herdeiro político" de Miguel Arraes no estado. "É provável que seja uma disputa pelo legado em definitivo, ou pelo menos por um longo período, para definir quem herdará os votos da marca", diz o cientista político Túlio Velho Barreto.

Procurados pelo UOL, os dois candidatos preferiram não conversar com a reportagem sobre o tema. "Política é uma coisa, família é outra", diz João Campos sempre que questionado sobre isso.

Para Barreto, apesar de evitarem o tema para a imprensa, ele deverá ser levado aos debates. "Inclusive se a eleição ficar polarizada entre eles, corre o risco de ser uma disputa em que se perca o debate municipal. Aí pode haver uma afastamento do debate ideológico, de projetos diferentes, para se transformar em uma disputa doméstica", afirma.

Rixa antiga

A rixa entre Marília e João não é algo de agora e remete à época em que a neta de Arraes estava no PSB. No partido em que iniciou a vida política, aos 24 anos, ela foi eleita vereadora do Recife, em 2008, sendo reeleita mais duas vezes pelo partido.

Em fevereiro de 2016, Marília deixou o PSB, publicando uma carta em que criticava uma "ditadura" na sigla e alianças recentes. Nesse caso, era uma resposta ao apoio do partido no segundo turno a Aécio Neves (PSDB) na disputa presidencial de 2014.

Segundo Túlio Barreto, dois motivos explicam a saída. "Ela não conseguiu controlar um setor com que tinha mais proximidade, que era a Juventude do PSB. Em um determinado momento, o grupo dela foi preterido em uma aposta que Eduardo fazia ao filho João", diz.

Outro episódio marcante ocorreu em 2014, quando Marília foi novamente preterida para se lançar deputada federal como representante da família. "Na eleição de 2006, quando não teríamos nem Miguel Arraes [que morreu em 2005] nem Eduardo Campos [candidato ao governo do estado] como candidatos, a família escolheu Ana Arraes [mãe de Eduardo] para ser a candidata da grife", conta.

Depois, "quando Ana foi escolhida para o TCU [Tribunal de Contas da União], em 2011, Marília achou que ela iria ocupar esse espaço, ser a pessoa com a grife Arraes. Mas isso não ocorreu, e ela foi preterida por Eduardo Campos. Naquela eleição, os votos foram diluídos e ajudaram a eleger aliados de Campos".

Preterida também no PT

Sob o apoio de Lula, Marília ganhou força no PT e nutriu a ideia de ser candidata ao governo de Pernambuco em 2018. Após uma aprovação comemorada no diretório estadual, ela acabou rifada por decisão da Executiva nacional, que resolveu apoiar a reeleição de Paulo Câmara (PSB) e contar com o apoio do governo para reeleição de Humberto Costa para o Senado.

A proposta também fez parte de um acordo para que o PSB não apoiasse Ciro Gomes na disputa presidencial naquele ano.

Mesmo com queixas à decisão do partido, Marília aceitou ser candidata à Câmara Federal e foi eleita, assim como João Campos. Os dois foram os mais votados do estado para o cargo.

Em 2020, Marília também teve sua candidatura em risco. Mas desta vez foram os diretórios locais do PT no Recife e em Pernambuco que decidiram pela aliança com o PSB. A decisão acabou derrubada na esfera nacional do partido, sob a bênção de Lula.

Entusiasta confesso de uma coligação com o PSB no Recife, Humberto Costa lamentou a decisão nacional do partido de ver partidos de esquerda marcharem separados em 2020. "No caso da esquerda, a fragmentação foi ruim. Continuo defendendo a ideia de trabalhar candidatos únicos desse campo no país inteiro, especialmente nas grandes cidades, mas prevaleceram outras visões. Tenho história de muitos anos no PT e sempre aceitei as decisões do partido. Agora não será diferente: vou encaminhar a decisão e vamos aí para essa caminhada", diz.

Costa sugere que a candidatura de Marília deva focar mais em pautas nacionais e no legado do PT em vez de centrar fogo nos socialistas —que hoje comandam a cidade com Geraldo Julio.

"Quem adota a linha da campanha é a candidata, juntamente com o diretório municipal. Não sei a linha que vão [usar], mas no meu ponto de vista deveria focar em duas coisas: buscar nacionalizar a campanha, com o debate do governo Bolsonaro, o aumento da desigualdade e a volta da fome. [Falar sobre] as ameaças democráticas do nosso país, juntamente com a defesa do legado do PT, da inocência do presidente Lula. Localmente defendo que tenha uma linha para resgatar o que foi a administração do nosso partido no Recife. Foram 12 anos de governo com mudança profunda. Esse legado deve ter trazido também."

Sobre o poder ainda existente na marca Arraes, 15 anos após a morte do líder, Costa diz ser natural por sua popularidade. "Arraes marcou a política de Pernambuco. Foi governador três vezes. O neto dele [Eduardo Campos] foi duas. Elegeram sucessores. Naturalmente ainda existem marcas no estado", diz.