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Cidade onde Bolsonaro se criou tem quilombola do PT enfrentando centrão

Quilombo de Ivaporunduva, um dos cinco de Eldorado (SP) com título de propriedade - Marcelo Oliveira/UOL
Quilombo de Ivaporunduva, um dos cinco de Eldorado (SP) com título de propriedade Imagem: Marcelo Oliveira/UOL

Marcelo Oliveira e Thiago Varella

Do UOL, em São Paulo, e colaboração para o UOL, em Campinas (SP)

17/10/2020 04h00

Na eleição municipal da pequena Eldorado, cidade de pouco mais de 15 mil habitantes no Vale do Ribeira, região mais pobre do estado de São Paulo, a maioria dos candidatos quer estar bem com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e com a população quilombola ao mesmo tempo.

Isso porque o município é o lugar que Bolsonaro chama de terra natal e ao qual se refere pelo antigo nome: Xiririca —embora tenha nascido em Glicério (SP), foi criado em Eldorado. Mas a cidade também abriga 12 quilombos, com cerca de 600 famílias no total. Conclusão: seria um erro estratégico falar mal tanto de um quanto de outro.

O problema é que os quilombolas de Eldorado estão furiosos com o tal "filho ilustre" da cidade. Em 2017, durante a pré-campanha eleitoral, o então deputado federal Jair Bolsonaro fez um discurso, no Rio, que resultou numa denúncia contra ele por racismo. A fala que revoltou os quilombolas do Vale do Ribeira foi: "Eu fui em um quilombo em Eldorado. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas".

Por 3 a 2, o STF rejeitou a denúncia, mas, nos quilombos de Eldorado, a mágoa ficou.

Segundo o agricultor Benedito Alves da Silva, 65, fundador do PT em Eldorado em 1981 e pioneiro na luta pela demarcação dos 12 quilombos da cidade, em especial o de Ivaporunduva, "Bolsonaro nos chamou de vagabundos. Nos deixou abaixo de zero, arrebentou com nós (sic)", diz o militante petista.

Benedito - Marcelo Oliveira/UOL - Marcelo Oliveira/UOL
Benedito Alves da Silva, um dos responsáveis pela instauração da comunidade quilombola de Ivaporunduva
Imagem: Marcelo Oliveira/UOL

Apesar de ter integrado a coligação que venceu as últimas eleições em Eldorado, o PT desta vez lança candidato próprio. Aliado ao PV, o partido tem, pela primeira vez, um quilombola concorrendo à prefeitura. Trata-se do advogado Oriel Rodrigues de Moraes, 48.

Também há cinco candidatos a vereador, quatro deles quilombolas: Setembrino dos Quilombos e Marcinha Esperança, do Ivaporunduva, Nany Furquim, do Pedro Cubas de Cima, e Ivo do Sapatu [nome de seu quilombo], atual presidente do PT local. O único não quilombola é o já vereador Cido.

Nos quilombos, há em torno de 1.500 dos 11.635 eleitores da cidade. A cidade é uma das mais pobres das 645 do estado, ficando em 557º lugar no critério renda. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apenas 10,8% da população local tem emprego formal.

Oriel Rodrigues de Moraes - Rovena Rosa/Agência Brasil  - Rovena Rosa/Agência Brasil
Oriel Rodrigues de Moraes, candidato pelo PT em Eldorado
Imagem: Rovena Rosa/Agência Brasil
Se tiver a adesão de todos os eleitores quilombolas, a candidatura petista pode ter sucesso --em 2016, o TRE computou apenas 8.451 votos válidos. A cidade tem mais três candidatos ao Executivo: o atual prefeito, Dinoel Pedroso (PL), o vereador Tikinho Feliciano (Republicanos) e Zetinho (DEM).

Moraes chegou a conversar brevemente com o UOL dias antes da convenção que confirmou sua candidatura. Disse que estava receoso, pois se tratava de uma iniciativa inédita que poderia incomodar.

Desde então, não quis mais falar com a reportagem. A candidata à vice na chapa, Ivy Wiens, disse que iriam evitar falar com imprensa de fora da cidade para não polarizar a eleição em Eldorado.

Eldorado - Marcelo Oliveira/UOL - Marcelo Oliveira/UOL
Cartaz de apoio durante visita de Bolsonaro a Eldorado, em setembro
Imagem: Marcelo Oliveira/UOL

O atual prefeito foi candidato a vice na última eleição. Dinoel (PL) assumiu o cargo quando o então prefeito Vadico renunciou, em junho deste ano, para tratar de problemas pessoais.

Coligado com PT na eleição anterior, Dinoel conta que tem bom relacionamento com os quilombos e com a família de Bolsonaro.

"Nas duas vezes em que Bolsonaro esteve aqui [como presidente], eu fiz a recepção. A gente convive muito bem com a família dele. A cidade é pequena e todo mundo se conhece", afirmou.

O mesmo discurso tem o ex-prefeito Zetinho. Disse que quase teve Geraldo Bolsonaro, pai do presidente, como seu vice em 1988.

"Na eleição seguinte, eu queria desistir e ele me animou. Subiu no meu palanque e tudo", contou. "Nesses tempos em que estive na política, sempre quando ia a Brasília passava no gabinete do Jair para tomar café. A gente tem uma história longa de amizade", completou, falando visitar bastante os quilombos.

O vereador Tikinho Feliciano (Republicanos) também diz ter um bom relacionamento com os quilombos. E orgulho de viver na cidade do presidente.

"Por causa de Bolsonaro, Eldorado é conhecida nacional e mundialmente. Para mim, ele vem desempenhando um bom papel, mas a família dele quase não participa da política local. Ele mesmo já disse que não vai se envolver nas questões municipais", afirmou.