Jornalista critica candidato do PT por vice negra: 'Racismo contra brancos'
O candidato ao governo de Santa Catarina Décio Lima (PT) divulgou nas redes sociais áudios em que o blogueiro Eduardo Grossi, apoiador do presidente Jair Bolsonaro (PL), o critica por ele citar em propagandas na TV que sua vice, Bia Vargas (PSB), é uma mulher negra.
"Eu me sinto discriminado quando você, Décio, fala na TV e em todos os locais que tem uma vice negra e tal. Isso também é racismo às pessoas de outras cores. Fica muito chato, toda hora a gente fica ouvindo, ouvindo, ouvindo", diz Grassi, em mensagem enviada ao petista.
O blogueiro, que edita um site de notícias locais no Oeste do Estado, afirma que a ênfase na cor de Bia Vargas, durante a campanha eleitoral, representa uma forma de racismo contra pessoas brancas.
Ao fazer isso, ele evoca a ideia de "racismo reverso", um falso conceito que tem sido refutado por especialistas (leia mais abaixo).
Além disso, candidatos negros recebem menos recursos de seus partidos nas eleições. Tanto é que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) busca formas para reduzir a desigualdade por raça e cor na política, como a cota de distribuição de financiamento de campanha.
O que dizem Bia Vargas e Décio Lima
Ao UOL, Bia Vargas disse repudiar o episódio.
O que ele disse reflete o que grande maioria das pessoas racistas no país pensa. Qualquer destaque que uma pessoa preta possa ter provoca incômodo. Dentro do imaginário deles, um corpo preto só pode existir numa possível de submissão.
Bia Vargas (PSB-SC), candidata a vice
"Falas como essa são alimentos para ações e tentativas de boicote. Essas, sim, são perigosas porque acabam sustentando situações que impedem nossos avanços. Falas como essa são de fácil identificação, mas também precisamos estar atentos a ações racistas que são maquiadas", acrescentou ela.
Ao UOL, Décio afirmou que acredita ser lamentável que Santa Catarina ganhe o noticiário por declarações classificadas por ele como criminosas.
"É um episódio que retrata justamente aquilo que precisamos combater em nosso estado —o atraso, o racismo, e essa violência social que o bolsonarismo incentiva no Brasil. Acredito muito que essa posição não corresponde ao pensamento geral do povo catarinense."
Em entrevista ao Estadão, Grassi confirmou o teor do áudio e reafirmou seu conteúdo. "Quando se fala assim, parece um tom agressivo."
Candidaturas negras têm número recorde
Dados do TSE analisados pelo UOL mostram que 49,49% dos candidatos nas eleições deste ano se declararam negros (pretos ou pardos). Esse é o maior percentual desde 2014, quando a Justiça Eleitoral implementou o sistema de autodeclaração de raça e cor. Em 2018, foram 46,5% e, em 2014, foram 44,24%.
... mas têm menos recursos
Dados de prestação de contas do TSE mostram que os candidatos negros receberam cerca de 25% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha. Segundo o TSE, as agremiações são livres para decidir internamente como distribuirão os recursos entre os candidatos, contanto que ao menos 30% dos recursos sejam para candidatas mulheres e que haja observância à proporcionalidade de negros.
Racismo contra brancos não existe
O racismo demarca que uma parte da população sofreu com uma exploração oficial da sociedade, com exploração do trabalho, segregação financeira, de moradia e perseguição cultural sob a justificativa da raça. É estrutural.
A ideia de "raça" foi criada para tentar justificar o domínio que já era imposto a outras populações de forma violenta. Os efeitos do racismo no Brasil não foram reparados logo após o fim da escravidão, e os efeitos são sentidos pela população negra e também indígena.
O Brasil foi a última nação independente nas Américas a abolir a escravização de negros, em 1888.
Entre os séculos 19 e 20, governadores brasileiros encomendavam abertamente a "importação" de imigrantes europeus com a promessa de trabalho e casa, reparação que jamais aconteceu para centenas de milhares de escravizados após a abolição. A importação era uma tentativa de embranquecer a população para criar uma sociedade que viam como atrativa economicamente e em moldes europeus.
As consequências são sentidas até hoje: negros são a maioria da população brasileira, mas estão entre os 75% mais pobres, são 75% vítimas de homicídio e os mais mortos por agentes do estado (polícia), são minoria na liderança de empresas, têm crédito negado sem explicação, são vítimas da falta de saneamento, estão entre os mais desempregados atualmente e principais vítimas de intolerância religiosa.
Segundo a historiadora e professora da Universidade Federal do Recôncavo Baiano Luciana Brito, seria preciso que a população branca tivesse sido submetida ao mesmo período de privações e condições para defender a existência de um suposto "racismo reverso".
"Não teve africano que foi lá Finlândia para importar brancos europeus, colocá-los para trabalhar à força nas plantations e oferecer as mesmas condições vexatórias", pontua. "O argumento do racismo reverso é em parte desinformação, parte desonestidade intelectual e política".
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