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Gasto de campanha de homens é quase o dobro que o de mulheres

A candidata a deputada federal pelo PL no Pará Beth Gonçalves, que não recebeu verba do partido - Reprodução/Instagram
A candidata a deputada federal pelo PL no Pará Beth Gonçalves, que não recebeu verba do partido Imagem: Reprodução/Instagram

Do UOL, em Brasília

19/09/2022 04h00Atualizada em 19/09/2022 04h40

Candidatos homens gastaram em média 88% a mais que as mulheres em suas campanhas eleitorais, segundo os dados informados até agora pelas campanhas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A diferença evidencia que a obrigação de distribuir um mínimo de 30% dos recursos do fundo eleitoral para as mulheres não tem se traduzido em um investimento efetivo nas candidaturas femininas.

As mulheres contrataram no total R$ 809 milhões em despesas de campanhas até o momento, um gasto médio de R$ 89 mil para cada uma das 9.081 candidatas aptas.

Já para os homens o valor médio é de R$ 167 mil — R$ 2,95 bilhões entre os 17.712 candidatos.

As mulheres têm ficado sem verbas ou recebido dinheiro nas vésperas da eleição, o que, segundo especialistas ouvidos pelo UOL, demonstram um esforço mínimo e limitado ao cumprimento da legislação e uma resistência dos partidos para mudar uma prática que privilegia o domínio masculino na política.

A regulação e a jurisprudência conseguiram garantir 30% de candidatas e de recursos, mas não conseguiram mudar a cultura dos partidos"
Ligia Pinto, coordenadora do Grupo de Pesquisa em Direito e Gênero da FGV e diretora de relações governamentais do Mulheres do Brasil

Que despesas são essas? São todos os gastos referentes à campanha, desde produção de programas para veiculação em televisão até o cafezinho distribuído para os cabos eleitorais.

Os candidatos são obrigados a informar à Justiça Eleitoral todos os custos e as receitas, seguindo um calendário.

A terça-feira (13) foi o último dia para que os partidos políticos, as federações, as candidatas e os candidatos enviassem ao TSE, por meio do Sistema de Prestação de Contas Eleitorais, a primeira prestação de contas parcial, com o registro da movimentação financeira ocorrida desde o início da campanha até 8 de setembro.

Para financiar esses gastos, candidatos podem, respeitando limites previstos, usar:

  • recursos próprios
  • doações
  • verbas públicas distribuídas pelos partidos, os fundos partidário e eleitoral (sendo, no mínimo, 30% para mulheres)

Qual foi a receita delas? Em relação à distribuição do fundo partidário e eleitoral pelas legendas, homens receberam até agora R$ 2,84 bilhões e mulheres, R$ 1,26 bilhão, o que dá um valor per capita de R$ 160,4 mil para eles e R$ 139,4 mil para elas. Ou seja, o valor masculino é 15% maior, proporcionalmente.

As presidenciáveis Simone Tebet (MDB) e Soraya Thronicke (União Brasil) lideram o ranking feminino, com R$ 36,5 milhões e R$ 22,1 milhões, respectivamente.

Thronicke afirmou ao UOL que, apesar de hoje haver uma legislação eleitoral que busca equilibrar minimamente a corrida política para as mulheres, ainda não é o ideal.

Temos conquistado alguns avanços. No União Brasil, estamos cumprindo a legislação à risca. Contudo, não posso avaliar o que ocorre em outros partidos neste momento, pois cada sigla tem estratégias próprias para a liberação de recursos, que pode ocorrer, inclusive, de forma gradual"
Soraya Thronicke (União), candidata à Presidência

Torneira fechada para elas. Partido do presidente Jair Bolsonaro, o PL não destinou, até sexta-feira (16), nenhum recurso para as suas cinco candidatas a deputada federal no Pará.

Enquanto isso, Eder Mauro, que concorre à reeleição, já embolsou R$ 1,5 milhão para sua campanha, e Delegado Caveira, concorrendo ao mesmo cargo, recebeu R$ 500 mil.

Uma das candidatas do partido no estado, Beth Gonçalves diz já ter procurado o partido, mas ainda não teve retorno sobre quando nem se a verba chegará. "Estou fazendo campanha corpo a corpo e pelas redes sociais", diz. "Eu decidi concorrer neste ano porque sei da lei que garante recursos para mulheres", afirmou.

O UOL procurou o PL, mas não teve resposta até a publicação desta reportagem.

Para Marcelo Issa, diretor-executivo do Transparência Partidária, é necessário que o envio desses recursos para as candidatas e os demais grupos tradicionalmente sub-representados ocorra com antecedência suficiente para que realizem as contratações necessárias na campanha.

"Seria preciso evitar situações nas quais o dinheiro apenas passa pelas contas dessas candidaturas, mas não é efetivamente gasto por elas. Para isso, é preciso atentar para transferências excessivas de recursos dessas candidaturas para as demais, o que eventualmente poderia ocorrer até na fase final do pleito, com vistas a saldar dívidas de outros candidatos", afirma.

E qual é o problema disso? Reportagem do UOL mostrou que um dos indícios de "candidaturas laranjas" é o estrangulamento financeiro das campanhas. Ou seja, candidatas não recebem verbas dos partidos ou recebem em cima da hora, sem chance de investir de fato na campanha em busca de votos.

"Apoio do partido é, em resumo, garantia de visibilidade, auxílio na formulação de pautas e discurso de campanha, a divulgação desses e orientação sobre a burocracia da regulação eleitoral de campanha. Tudo isso demanda financiamento, que é mais baixo para as mulheres", afirma a pesquisadora Ligia Pinto.

Para a advogada Carla Rodrigues, especialista em direito eleitoral e político-partidário, o problema do subfinanciamento feminino ainda estará presente nas eleições atuais e ficou mais claro com a divulgação das prestações de contas parciais. "É preciso um compromisso efetivo dos partidos políticos com as candidaturas femininas, desde a construção da nominata, antes da escolha da candidata nas convenções partidárias."

A ausência de repasses financeiros para candidaturas femininas caracteriza violência política e econômica de gênero"
Carla Rodrigues, advogada

Para a cientista política Graziella Testa, os partidos continuam "deixando as portas só entreabertas" para candidaturas de mulheres.

"Há mulheres altamente participativas nas suas comunidades, como lideranças, mas não vemos esse tipo de liderança se transformar em representação institucional. Quer dizer, essas mulheres não têm a mesma proporção de representação em cargos eletivos. E boa parte da explicação pode estar nesse funil dos partidos políticos, que não as consideram em pé de igualdade", afirma.