Topo

'Se vai ter arrependimento, problema dele', diz pai sobre irmão de Rodrigo

Graciliano Rocha e Thiago Herdy

Colunistas do UOL

21/09/2022 04h00Atualizada em 21/09/2022 14h55

Aos 83 anos, Paulino Locatelli Garcia não gosta da forma como a ligação entre seu filho Marco Aurélio Garcia, mais conhecido com Lelo, e seu outro filho, o candidato à reeleição para o governo de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), vem sendo citada em peças de campanha eleitoral e nos debates.

Condenado à prisão por ter feito lavagem de dinheiro para a máfia de fiscais que lesou em R$ 500 milhões a Prefeitura de São Paulo, Marco Aurélio virou motivo de constrangimento para o governador, que na época dos malfeitos do irmão era aliado e ocupava cargo de secretário da mesma prefeitura lesada, na gestão do então prefeito Gilberto Kassab (2009-2012).

"Se ele vai carregar nas costas algum arrependimento [pelo que fez], isso é problema dele. Se não quiser se arrepender, também é problema dele. Família é importante, mas nosso compromisso deve ser maior com os irmãos do caminho e o cuidado com o próximo", diz seu Paulino, convertido ao espiritismo desde a morte de um de seus quatro filhos em um acidente automobilístico.

Os "irmãos do caminho" a que se refere seu Paulino são os mais pobres. Mesmo dizendo não "acreditar muito" nas denúncias que envolvem o filho, apesar de sua condenação ter sido confirmada pelo Judiciário, ele o imagina "distante" do irmão candidato ao governo em eventual novo mandato.

Mesmo distanciamento que o candidato adotou ao ser perguntado sobre o tema durante o debate promovido na última semana pelo UOL, em parceria com a Folha de S. Paulo e a TV Cultura. Na ocasião, Rodrigo destacou ter trajetória diferente do irmão, sem defendê-lo.

"Nós somos responsáveis pelos nossos atos. Se ele fez algo de errado, ele que pague. Eu respondo pelos meus atos. E pelos meus atos tenho o maior orgulho de durante 27 anos trabalhar no serviço público", respondeu o governador, complementando não ter "negócios, nem convivência comercial" com o irmão.

Apesar de Rodrigo declarar haver distância em âmbito comercial, o contato familiar entre os dois é próximo. Uma das filhas de Marco Aurélio advoga para a tia, esposa de Rodrigo, em uma ação contra uma agência de turismo, que está em fase de execução de pena.

Em reportagem publicada no início deste mês, a Folha de S.Paulo lembrou que Rodrigo não cita o irmão em sua propaganda eleitoral, mas os dois podem ser vistos juntos em fotos de colunas sociais em São José do Rio Preto, no interior paulista, berço da família.

Desde o primeiro semestre, Marco Aurélio passa uma temporada na Itália, na companhia de uma de suas filhas. O plano é voltar a São Paulo apenas em novembro, depois das eleições.

Pai da dupla, seu Paulino diz não se recordar do último natal em família, porque estão "sempre cheios de compromissos, cada um cuidando de suas obrigações". Hoje ele está preocupado em "manter-se ativo", envolvido na administração de atividades agropecuárias da família.

Lavagem de dinheiro na compra de imóveis

Marco Aurélio foi condenado em duas instâncias por lavar dinheiro para os líderes da máfia do ISS, um esquema liderado por fiscais da Prefeitura de São Paulo que cobravam propina em troca de "descontos" em impostos municipais para empresários.

Estima-se que a quadrilha tenha causado um prejuízo de R$ 500 milhões ao erário entre 2007 e 2012, na gestão Gilberto Kassab.

Marco Aurélio foi condenado a nove anos de prisão em 2017. Em 2018, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou recurso apresentado pelo Ministério Público e aumentou a pena dele para 16 anos de prisão.

A condenação foi confirmada pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e depende de ajuste de penas por parte do STF (Supremo Tribunal Federal), para que possa ser considerada transitada em julgado.

A acusação provou que empresas do irmão do governador recebiam pagamentos de companhias que deviam para a Prefeitura de São Paulo, sem qualquer prestação de serviços que justificasse os valores. Na verdade, tratava-se propina para os fiscais do grupo.

Depois, parte destes recursos eram transferidos novamente para uma empresa de consultoria controlada por Ronilson Bezerra, ex-subsecretário de Finanças e condenado por liderar a quadrilha.

Marco Aurélio também ocultava bens de Bezerra, conforme as provas que embasaram a condenação. Num dos casos, o irmão do governador apareceu como dono de cinco flats "quitados com dinheiro de origem ilícita", segundo a sentença.

Os imóveis, na verdade, estavam em nome do irmão do governador, mas ao menos três deles pertenciam a Bezerra e a outros integrantes do grupo.

Um contrato de gaveta entre Marco Aurélio e os verdadeiros donos "ocultaram e dissimularam a natureza, origem, localização e valores provenientes da prática dos crimes, convertendo-os em bens imóveis com aparente licitude", conforme o acórdão da 4ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, que confirmou a condenação da primeira instância.

A relação era tão próxima que algumas parcelas da Mercedes-Benz S500 de Marco Aurélio foi paga por Ronilson Bezerra. O irmão do governador também emprestava ao grupo de fiscais acusados de corrupção uma sala comercial no centro de São Paulo, onde eles se reuniam para discutir propina, segundo o MP.

Acordo com o Judiciário

Marco Aurélio foi denunciado pelo MP paulista em um segundo processo, em que foi acusado de cometer crime de lavagem de dinheiro para a quadrilha, por meio da compra de um imóvel para Bezerra em Santos, no litoral paulista.

Para beneficiar-se de um acordo de não persecução penal, ele aceitou proposta do MP de assumir os crimes cometidos e pagar uma multa de R$ 900 mil. O valor foi parcelado em 36 prestações mensais e destinado a uma instituição de caridade. O acordo foi noticiado pela Folha de S. Paulo e confirmado pelo UOL.

O nome de Marco Aurélio apareceu em meio às investigações da Lava Jato, por causa de um pagamento de R$ 1,2 milhão, em 2013, a uma de suas empresas por um dos delatores da operação, o empresário paulista Augusto Mendonça.

Na época, Mendonça representava empresas diversas, entre elas firmas subcontratadas para a realização de obras do metrô em São Paulo.

Nesta semana, o UOL procurou Mendonça para esclarecer o motivo do pagamento, mas ele não havia se manifestado até a noite desta terça-feira. Perguntado sobre a natureza da relação comercial com Mendonça, Marco Aurélio informou, por meio de sua assessoria, que não se manifesta.

O UOL perguntou também ao irmão do governador se ele se arrependia dos seus atos em seu envolvimento com a máfia do ISS, mas ele preferiu não responder. Ele também não quis dizer se o irmão Rodrigo, que era secretário no governo, sabia de sua atuação junto a fiscais da mesma prefeitura.

Por meio de sua assessoria, divulgou nota em que reclama do que considera uma exploração eleitoral de temas que envolvem seu nome. Depois, pediu que a nota fosse desconsiderada.