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'Não há censura, é fake news', diz vice-líder do PL sobre censura ao UOL

Do UOL, em São Paulo

23/09/2022 12h25

Aliados do presidente Jair Bolsonaro (PL), candidato à reeleição, comentaram hoje a decisão da Justiça de Brasília de censurar reportagem do UOL sobre o uso de dinheiro vivo em 51 dos 107 imóveis comprados pela família Bolsonaro nos últimos 30 anos.

Uma liminar concedida pelo desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, determinou que o UOL retire do ar duas reportagens e postagens em suas redes sociais com menção às reportagens. O UOL cumpriu a decisão, mas vai recorrer.

A decisão foi tomada a pedido do senador Flávio Bolsonaro (PL), filho mais velho do presidente.

À noite, o ministro do STF André Mendonça derrubou a decisão judicial. Em sua decisão, Mendonça - que foi indicado ao cargo de ministro do STF por Bolsonaro - diz que o cerceamento a esse livre exercício, sob a modalidade de censura, a qualquer pretexto ou por melhores que sejam as intenções, não encontra guarida na Constituição Federal.

Leia a repercussão:

Giovani Cherini (RS):

É fake news que o presidente Bolsonaro tenha comprado tudo isso. Às vezes a gente não responde por tudo o que faz, todo mundo é de maior [sic] e vacinado. Pela primeira vez, o presidente é responsável pelas decisões de todos os familiares, todos maiores. Enquanto isso, o presidente Lula não é responsável pelo enriquecimento do filho. Não há censura nenhuma nisso. A censura é sempre em cima de quem é do lado do Bolsonaro. Inclussive, essa matéria aí. Essa matéria tem o objetivo de prejudicar o presidente. É fake news. Está certíssima essa decisão
Giovani Cherini (RS), 1º vice-líder do PL na Câmara

Flávio Bolsonaro:

VITÓRIA! Justiça entende que lulistas do UOL inventaram enredo mentiroso e criminoso sobre imóveis para atacar Bolsonaro na eleição! Foi aceita minha queixa-crime para que eles respondam pelos crimes que cometeram contra mim e minha família!

O senador mente ao dizer que sua queixa-crime foi aceita. O desembargador não analisa esse pedido na liminar. A decisão atende a um pedido de retirada de conteúdo apenas e não faz qualquer juízo em relação ao pedido inicial do senador, de abertura de processo criminal contra os jornalistas. A reportagem não tem mentiras, nem isso foi analisado na decisão que censurou o UOL. A matéria está fundamentada em registros públicos de cartórios e em dados de investigação do MP, oriundos de quebra de sigilo bancário e fiscal, que foram anulados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) por uma questão processual, e não porque estivessem incorretos.

Elmar Nascimento

Decisão judicial se cumpre. Se não concorda, recorre. (...) Mas se não for muito ofensivo... Estamos vivendo uma ditadura do Judiciário. Ainda mais perto das eleições
Elmar Nascimento (BA), líder do União Brasil na Câmara

Entenda o caso. A primeira reportagem, publicada em 30 de agosto, informa o uso pelo clã Bolsonaro de R$ 13,5 milhões (R$ 25,6 milhões atualizados pelo IPCA) em transações realizadas total ou parcialmente com dinheiro em espécie desde o início dos anos 90.

A segunda reportagem, publicada em 9 de setembro, detalha as evidências de uso de dinheiro vivo em cada uma das 51 transações relatadas pela reportagem, produzida durante sete meses e tendo como base informações colhidas em 1.105 páginas de 270 documentos requeridos em cartórios.

Em sua decisão, o desembargador Gomes Cavalcanti argumenta que a reportagem cita dados de investigação do MP (Ministério Público) do Rio que apontaram o uso de dinheiro em espécie em 17 compras realizadas pelos filhos do presidente, Carlos e Flávio. O MP aponta o uso de dinheiro do esquema da rachadinha na compra dos imóveis.

Parte dos dados desta investigação do MP, oriundos de quebra de sigilo bancário e fiscal, foram anulados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) e, por isso, a investigação está sendo refeita pela PGJ (Procuradoria Geral de Justiça) do Rio.

No entendimento do desembargador Gomes Cavalcanti, por conta disso, os dados não poderiam ser citados em reportagem, mesmo que sejam verídicos e tenham tido origem e status de uso em processo judicial informados no texto publicado pelo UOL.

Em sua decisão, o magistrado desconsiderou o dever da imprensa de informar e o direito da sociedade à informação de interesse público.

"Tais matérias foram veiculadas quando já se tinha conhecimento da anulação da investigação, o que reflete tenham os Requeridos excedido o direito de livre informar. A uma, porque obtiveram algumas informações sigilosas contidas em investigação criminal anulada e, a duas, porque vincularam fatos (compra de imóveis com dinheiro em espécie), cuja divulgação lhes é legítima, a suposições (o dinheiro teria proveniência ilícita) não submetidas ao crivo do Poder Judiciário, ao menos, até o momento", argumentou o desembargador.

Para o magistrado, a continuidade de divulgação das reportagens pode trazer a Flávio e também ao presidente Jair Bolsonaro "prejuízos em relação à sua imagem e honra perante a opinião pública, com potencial prejuízo à lisura do processo eleitoral".

Ele determina que as reportagens e as menções a ela em redes sociais do UOL sejam apagadas até o julgamento do mérito do caso.

Entidade e autoridades reagem. A Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) disse que "vê com muita preocupação uma decisão judicial que manda retirar um conteúdo que é baseado em fatos, em documentos". Outras autoridades também reagiram ao atentado à liberdade de imprensa.

"Não há nenhuma inverdade nesse conteúdo. A gente acha que o Judiciário extrapola quando toma esse tipo de decisão porque cerceia o debate e impede que as pessoas tenham acesso a informações importantes. Inclusive a inicial, o pedido, é baseado no fato de que essas informações já são públicas", diz Katia Brembatti, presidente da associação.

A advogada Mônica Filgueiras Galvão afirmou que "a decisão viola precedentes estabelecidos no sistema jurídico brasileiro e pretende retirar do debate público, às vésperas da eleição, informações relevantes sobre o patrimônio de agentes públicos".