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Leia a íntegra da sabatina UOL e Folha com Ana Paula Matos, vice de Ciro

Do UOL, em São Paulo

28/09/2022 12h31

A candidata a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes (PDT), a vice-prefeita de Salvador Ana Paula Matos (PDT), participou hoje da sabatina UOL e Folha de S.Paulo.

Na segunda-feira (26), a senadora Mara Gabrilli (PSDB), vice na chapa de Simone Tebet (MDB), foi a primeira a ser sabatinada. Amanhã, será a vez de Geraldo Alckmin (PSB), vice de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Braga Netto (PL), vice do Jair Bolsonaro (PL), ainda não confirmou presença.

Leia a seguir a íntegra da sabatina com Ana Paula:

[Kennedy Alencar]: Olá, bom dia. Começa agora a sabatina do Uol e da Folha de São Paulo com a vice-prefeita de Salvador Ana Paula Matos. Ela é candidata a vice-presidente na chapa de Ciro Gomes, no PDT. A Ana Paula também é do PDT, o mesmo partido de Ciro. Amanhã, a gente vai entrevistar o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin, do PSB, que é candidato a vice de Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. Nós, na segunda-feira, entrevistamos a Mara Gabrilli, do PSDB, que é vice de Simone Tebet, do MDB. E Braga Netto, que é vice do Presidente Jair Bolsonaro, foi convidado, mas não respondeu até agora se vem ou não. O espaço está aberto para ele comparecer a essa entrevista, essa sabatina do UOL e da Folha. Participam desta entrevista comigo a Fernanda Mena, da Folha de São Paulo, e o Leonardo Sakamoto, que é do UOL. E também, claro, a candidata. Quero dar bom dia para a candidata.

[Ana Paula Matos]: Bom dia, Kennedy. Bom dia, Fernanda. Bom dia, Sakamoto. Bom dia a você que está me assistindo. Uma alegria e uma honra estar aqui para a gente poder conversar e falar sobre propostas para o Brasil.

[Kennedy Alencar]: A honra é toda nossa. Bom dia, Fernanda.

[Fernanda Mena]: Bom dia, Kennedy. Bom dia, candidata. Bom dia, Sakamoto.

[Kennedy Alencar]: Bom dia, Sakamoto.

[Leonardo Sakamoto]: Bom dia, Kennedy, Fernanda. Bem-vinda, candidata.

[Kennedy Alencar]: Candidata, a partir de agora, quando a gente terminar a pergunta, aciona o cronômetro, e a senhora vai ter uma hora para conversar com a gente. E o tema inevitável é a violência política que reapareceu no cenário brasileiro, de uma forma muito grave. Acho que a forma mais grave desde a redemocratização. A gente tem visto mortes de apoiadores do ex-presidente Lula por apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro. Pesquisadores estão sendo agredidos. Todo dia tem uma notícia de uma violência física. Fora as violências verbais. Eu pergunto para a senhora, a senhora vê um risco, há quatro dias das eleições, de uma escalada dessa violência ainda mais? E de quem é a responsabilidade por essa atmosfera de ódio e de insegurança e violência na nossa eleição?

[Ana Paula Matos]: Eu sou uma pessoa de muita fé. Eu acredito no povo brasileiro. Eu tenho uma fé na qualidade do nosso povo, no bom coração. Sei que estamos passando por um momento difícil. Um momento em que estão sendo acirradas as escolhas políticas, as pessoas canceladas em grupos de família, pessoas que não podem expressar sua opinião e até seu voto no trabalho, com medo de uma demissão, e isso gerou episódio no Brasil, de lado a lado, de violência política. E pessoas que às vezes se aproveitam dessa falha e desse momento para expressar o que elas têm de pior, infelizmente. Eu acredito de fato que é papel nosso, dos gestores - eu sou governante como vice-prefeita da minha cidade - de vocês, jornalistas, mas também dos candidatos, falarem de bons propósitos, chamarem as pessoas para discutirem o bem, para serem pessoas melhores, então, eu sou muito prática, sou realista, entendo o que está acontecendo, mas vou aproveitar a oportunidade que eu tenho para chamar o povo brasileiro para de fato refletir sobre esse momento. Nós somos um país que sempre nos orgulhamos de sermos democráticos. Quantas vezes vimos namoradas e namorados em estádios de futebol com camisas diversas, discordando ou um fazendo resenha com o outro, brincando, e, no final, somos amigos? E a gente está vendo, já tem quase dois anos, senão um pouco mais, desde a última eleição, esse acirramento político. Então, é momento de você que está em casa entender que sim, a gente tem que ter um certo cuidado, mas vamos vibrar no amor e na paz. Como vamos fazer isso? Respeitando o outro. Se você conversar com alguém que tem uma escolha diferente da sua, uma escolha de posicionamento de vida, de religião, ideológica de qualquer maneira, respeite. Se você não puder concordar, se você não puder ajudar, respeite. Muitas vezes o silêncio é o melhor caminho. Agora, também não aceite vê os maus-tratos, os abusos, use a sua inteligência use a sua capacidade moral, a sua capacidade de ser brasileiro, pessoa boa, para fazer o bem. Eu sei que, sim, é um momento difícil, mas eu acredito tanto, e quando eu falo em fé, eu falo no povo brasileiro.

[Kennedy Alencar]: Mas a responsabilidade é de quem?

[Ana Paula Matos]: A responsabilidade é de todos, inclusive, com todo o carinho e respeito, da imprensa. Porque nós muitas vezes no nosso papel, que nós temos, a gente acaba reverberando e dando voz e dando vez ao malfeito.

[Kennedy Alencar]: O discurso de iodo Presidente Jair Bolsonaro, na opinião da senhora, não é o fator preponderante?

[Ana Paula Matos]: O fator preponderante é o discurso que está acontecendo de parte a parte. Com todo o respeito, com todo o carinho, eu sei que é seu papel, de imprensa, trazer isso, mas meu papel de cidadã, de alguém que está na comunidade, muitas vezes essas pessoas nem têm acesso a esse discurso porque estão buscando alimento para a família, buscando a moradia para a família. Quando você tem em um grupo de família, um querendo atacar o outro, dizendo: "O meu presidente é melhor, mais bonito", infelizmente uma idolatria das pessoas, isso acontece. Um único homem não teria capacidade de mudar uma atmosfera do país. Se isso acontece é porque tem uma reverberação, então, o meu papel enquanto pessoa, mas também como gestora pública e candidata é dizer: seja uma pessoa boa, confie no bem; e, se pudesse dizer alguma coisa a vocês da imprensa é: seja como vocês são, apresentem os fatos, mas não tragam tintas mais coloridas. Vou dizer de modo mais claro: quantas vezes a gente viu em algum lugar do mundo, ou fora, ou aqui, alguém fazer um malfeito, um sequestro, uma maldade com alguém, e quando a imprensa dá o nome, quando coloca na TV, essa pessoa se sente um anti-herói e aparece? Vocês estão no papel de vocês. Denunciarem as situações, mas o meu papel de política e de cidadã é dizer: existe isso, tenha consciência, mas busque você combater o bom combate, fazendo o bem e respeitando a opinião e o voto do outro. Se você está me escutando, acha que o seu candidato é melhor do que o meu, você tem o direito de escolher quem quiser. Mas se puder, dê atenção às pessoas, aos problemas sociais, escolha pautar no bem. É isso. Eu não escondo e não discordo de você de que existe um momento de violência política no país, mas estou chamando a família brasileira, o cidadão de bem para que a gente possa juntos falar sobre o bem e combater isso com tranquilidade. Tem alguém que está fazendo maluquice? Você vai chegar e vai dizer - me perdoe até essa palavra muito simples do dia a dia - "O seu candidato é tudo isso, tudo bem, que Deus te abençoe, siga". Mas se tem alguém que você percebe que de fato quer discutir política, aí você escuta: "Qual o Brasil que você quer? O que você espera? Como é que você pode ajudar a construir esse Brasil? Qual é a proposta?", ou seja, de lado a lado, quando a gente deixa as emoções aflorarem, a gente acaba, sem querer, caindo nessa armadilha da paixão. Não caiamos isso, tenhamos uma única paixão, que é pelo nosso país.

[Leonardo Sakamoto]: Candidata, ainda falando um pouco da questão de violência, mas partindo da sociedade pra falar de uma coisa um pouco mais institucional. A senhora acredita na possibilidade de o presidente Jair Bolsonaro não reconhecer o resultado das eleições caso perca, eventualmente até tentar um golpe, ou dele eventualmente promover algum tumulto, como aconteceu no Congresso norte-americano quando o presidente Donald Trump promoveu um grande tumulto na capital Washington quando não reconheceu o resultado das eleições?

[Ana Paula Matos]: Eu sou estudiosa das ciências sociais, eu sou estudiosa do povo, e sobretudo tenho também a honra de ser professora de Direito. Eu entendo que o momento institucional do país não depende apenas de um único homem. É óbvio que alguém que tenha um cargo de presidente ou de um candidato, se eu pensar no ex-presidente, tem um papel importante, pode liderar. Mas essa liderança ela tem que ser muito mais pela autoridade moral, tem que ser muito mais pela sua capacidade de contagiar do que especificamente por um cargo. Se a sociedade brasileira de fato escolher aquele presidente que lhe representa, qualquer que seja esse, esse papel, essa escolha será respeitada. E vou te dizer por quê. Ninguém vai conseguir mudar uma eleição de um país sozinho. Se você pensar, até o Ciro fala muito nisso, no Exército, nas Forças Armadas, nós temos pessoas democráticas nessas posições. Se a gente pensar na imprensa, nós temos pessoas democráticas nessas posições. Se eu pensar no povo. O povo sabe o que quer. Agora, só tem um jeito de alguém discordar de uma eleição: se houver uma fraude. Não entendo que é isso que está se desenhando, o que está se desenhando, em alguns momentos, e aí eu posso falar como alguém que tá nessa candidatura, que nas pesquisas está na terceira colocação, é uma tentativa de se dizer que a gente não tem direito de disputar, que é um momento de violência política, o momento de escolher um candidato A ou candidato B. Não acredito nisso. Eu acredito que a gente tem que buscar o melhor pro Brasil.

[Kennedy Alencar]: Ninguém disse que a senhora e o Ciro não têm o direito de disputar, o que tem é um pedido da candidatura do Lula, de voto útil, inclusive apoiadores do Ciro declararam voto útil no Lula, ninguém tá questionando o direito da senhora e do Ciro de serem candidatos, eu nunca vi esse questionamento.

[Ana Paula Matos]: Com todo o carinho, eu não disse isso.

[Kennedy Alencar]: A senhora falou.

[Ana Paula Matos]: Não. Não, não. Eu não disse que vocês estão questionando isso. O que eu disse é que temos um movimento político em que não está se desenhando uma fraude nas urnas eletrônicas, e que o Ciro inclusive tem dito isso, que o que existe nessa fala que o senhor acabou de trazer de voto útil é uma tentativa de dizer: "Olha, se a gente não vencer no primeiro turno, pode haver o primeiro turno pode consolidar um sentimento de que a escolha", e o que eu tô tentando dizer, e aqui é pedagogicamente, é discutindo essa fala que não é minha, mas que é o que tá nos blogs, o que tá na imprensa, não digo que são dos senhores, mas o que tá aí é o seguinte: nós estamos no momento político do país que um único homem não vai ter essa força pra mudar nada. Agora, ele tá no direito do que a psicologia dele estabelece de dizer "eu tô aqui, eu tenho um grupo, eu tenho força, vocês precisam ir comigo". É o direito dele. O meu direito é discordar.

[Leonardo Sakamoto]: Mas, candidata, e acho que a minha pergunta tinha dois pedaços, porque eu entendo a resposta da senhora com relação àquela primeira, a possibilidade de ter uma quebra institucional, que a senhora não acredita. Mas entre a quebra institucional e a normalidade, né, a gente pode ter tumulto. Podemos ter briga, né? A gente viu nos últimos meses, inclusive, a violência, como até o Kennedy comentou, crescer, assassinatos de parte a parte. A senhora não acha então que isso acontecerá? Ou a senhora acha que o presidente da república, caso perca, ele vai aceitar e não, os seguidores dele, aqueles 21% que acreditam em tudo o que ele fala, segundo o Datafolha, não vão...

[Ana Paula Matos]: Bom, eu não posso falar sobre uma outra pessoa na perspectiva dela. Eu posso falar na minha perspectiva. Na minha perspectiva de quem tá desse lado aqui, entendendo, acompanhando, o que ele vai fazer no dia de lá, eu não vou fazer futurologia, eu não posso falar. O que eu posso te garantir é que se a gente tiver, como está tendo, até o último dia da eleição, o direito de votar, a gente pode ter, até em um lugar ou outro, um questionamento como é no jogo de futebol, que você vai ter uma equipe que ganha e a outra perde. No primeiro momento, tem a frustração, tem a dor, para alguns até tem a revolta, mas a sociedade se reestabelece. Agora vou explicar isso de modo muito claro pra vocês. Se eu entendo hoje que eu tenho um país onde as pessoas passam fome, onde as pessoas não têm emprego, onde as pessoas não têm uma moradia digna, elas precisam, de algum modo expressar, essa dor. E eu tenho percebido que alguns grupos estão expressando na política. Não tô falando de lideranças políticas nem de pessoas de partidos políticos. Eu vejo na comunidade pessoas escolhendo, é como se fosse uma escolha de futebol. Eu não posso escolher o que comer, não posso escolher onde meu filho estudar, eu não posso escolher onde morar, eu vou, de algum modo, participar dessa discussão política. Então o que eu tô querendo te dizer é que o problema da violência é real, mas é um problema que a política pode até, nesse momento de escolha, aumentar, maximizar, mas, na verdade, qual é a essencialidade do debate que a gente precisa ter? E eu me proponho a fazer isso com vocês aqui. Até pela qualidade que eu conheço do trabalho de vocês. É dizer o seguinte: as pessoas estão, sim, expressando violência, elas estão com dor, elas estão com medo, elas estão com revolta, mas por quê? Porque elas estão passando fome, porque elas estão sem emprego, porque seus filhos não estão estudando bem, porque as mulheres estão sendo vítimas de feminicídio, estão sendo violadas. Eu posso falar isso com tranquilidade porque eu já tive a oportunidade de atravessar uma tábua de 15 centímetros de altura no despenhadeiro, e eu morro de medo de altura, pra bater na porta das pessoas e pedir pra sair de casa pra ir para um abrigo pra que não fossem soterradas pela chuva. Até que a gente tivesse condição, como tivemos, de fazer contenção de encostas, de criar uma nova Defesa Civil e cuidar das pessoas. Quando eu faço isso, eu sei que qualquer coisinha pode ser um rastilho de pólvora, inclusive o momento eleitoral, mas o que eu tô chamando a vocês e tô aproveitando a oportunidade de falar aqui como alguém apaixonado pelo meu povo é que sim, vão existir momentos como esse, mas independente da eleição. Se passada a eleição, ganha o atual presidente, o ex-presidente ou o nosso presidente Ciro Gomes, as pessoas continuarem com fome, sem emprego, sem perspectiva, não vai ser só esse momento de confusão, não, o Brasil vai voltar a uma convulsão social. É a realidade. Isso é inquestionável. Então o que eu quero aproveitar é que a gente aproveite esse momento político para discutir o problema do país. Como é que eu faço o desenvolvimento econômico e social? Como é que eu discuto a sustentabilidade ambiental e também social? Como é que eu reposiciono o Brasil no cenário internacional como país de liderança? Um país que, muitas vezes, foi e com fé em Deus continuará a ser chamado para mediar conflitos e debates, um país que tem condições de fazer isso. Que não tá conhecido no mundo pela violência, pela corrupção ou por um processo como esse democrático. Esse é um assunto que até me emociona muito, e até talvez por isso eu não tenha conseguido ser tão clara nas primeiras respostas, e tenha gerado seu questionamento. Mas me emociona demais, por quê?

[Ana Paula Matos]: Eu entendo que esse país que sempre foi conhecido no mundo por ser um país democrático, onde a gente, vocês que estudaram isso, eu também, sempre se orgulhou de dizer: "Eu posso não concordar com nada com o que tu dizes, mas sempre defenderei até o fim o teu direito de dizeres", e sempre se orgulhou disso, está em um momento em que a gente não pode nem expressar. Eu estive no Vale do Jequitinhonha, um Almenara, uma cidade em Minas, e uma pessoa, numa reuniãozinha, me chamou e falou: "Ana, esse aqui é meu colega. A gente não vai votar no Ciro, mas a gente não pode falar porque, na minha cidade, se a gente disser, a gente perde o emprego". Tive uma outra reuniãozinha, em uma garagem, em Ilhéus, que aí já é na minha terram, que era caminho para Almenara, e uma senhora, depois que eu conversei, me chamou: "Ana, eu estava ontem no ponto de ônibus, eu vi duas pessoas discutindo sobre como é que o Ciro vai tirar o nosso nome do SPC. Como é isso? Me explique". Só que ela não queria saber do nome. Depois ela foi explicar qual era a questão. Aquela pessoa precisava comprar um fogão. E ela não tinha dinheiro, queria o credito e não tinha o credito. O que eu estou tentando dizer é: reconheço, e vou até falar olhando para a câmera, que a gente está em momento difícil do país, um momento que tem acontecido violências políticas, mas é porque, na minha concepção, na minha visão, estamos num momento de convulsão social, por um lado, pela fome, desemprego e miséria, e, por outro, é um momento também em que as instituições democráticas do Brasil estão em cheque. Quando você vê um chefe de um Poder Executivo questionando o Poder Judiciário e Legislativo, as pessoas ficam sem entender e em quem confiar. Está faltando nesse momento, no nosso país, políticos em que as pessoas que estejam em casa possam dizer: "Eu confio na sua história, eu confio na sua moral, pode ser que eu não concorde com o seu projeto, mas ele tem condição de me liderar". É sobre isso, pode sim, mas pode acontecer tudo. Inclusive nada. Como eu sou uma pessoa de muita fé, eu vou acreditar na capacidade do povo brasileiro de sofrer e se reorganizar. Mas mais importante, a gente precisa dar condição do nosso viver o que tem que ser vivido, que sua autonomia, a sua condição de trabalho e de uma vida digna, aí a gente não vai discutir nem questionar a questão de uma democracia no nosso país, porque eu vou ter direito da coisa mais básica, que é escolher o que comer, onde morar e o que vestir. Me perdoem por ter me alongado, mas vou repetir: é um assunto que me emociona de verdade.

[Fernanda Mena]: Obrigada, candidata. Voltando um pouquinho, ou entrando um pouquinho na questão mais política das eleições, no último debate presidencial, o candidato Ciro Gomes foi flagrado conversando com ministro das comunicações do atual governo, Fábio Faria, que deixou a conversa com o pedetista para cochichar com o atual presidente, Jair Bolsonaro. Durante o debate, o próprio Ciro cochichou com o Bolsonaro. E a suspeita de uma dobradinha entre os dois fez surgir nas redes sociais as hashtags #Bolsociro e #Cironaro, lembrando a alcunha #Bolsodória utilizada na campanha passada. Como é que a senhora interpretou esses gestos do candidato Ciro Gomes e como a senhora avalia essa suposta dobradinha?

[Ana Paula Matos]: Eu estava lá, eu estava na plateia, ao lado da Giselle, a primeira-dama, a quem eu mando um beijo, e do meu presidente do partido, Carlos Lupi, a gente estava assistindo a esse debate, e eu vi o Ciro, em determinado momento, pedir um minuto de resposta e dizer ao atual presidente, que existe elementos de corrupção, sem falar em pessoa física nem família, e, aliás, ele ainda disse: "Eu posso falar com lealdade porque eu estou do seu lado, Presidente. No seu governo, o senhor vendeu uma instituição por 300 milhões de reais, quando valia três bilhões", e aí vai. Não vou trazer a terminologia, mas vou falar do fato, quando ele diz isso, olhando no olho, ele fala: "Tem elementos de corrupção. Eu não quero dizer, falar, chamar de corrupto, mas quero falar de governo com elemento de corrupção". Será que você vai fazer dobradinha com alguém dizendo que ele é corrupto, que no seu governo tem corrupção, dando número, dando fatos e dados? Agora eu não posso dar um "bom-dia" a alguém, não posso cumprimentar? Pegaram no primeiro debate da Band, ele cumprimentando o Bolsonaro; e ele disse: "Eu cumprimentei todos e cumprimentarei, porque o meu papel é unir o país. O meu papel é de fato fazer com que as pessoas voltem a falar a mesma língua". Aí até saiu? não perguntei isso ao Ciro, mas saiu já nas nossas redes sociais que ele teria falado duas questões em dois momentos. O primeiro, teria dito que a Soraya não teria falado o nome do presidente, por isso não teria direito de resposta, e, no segundo momento, ele teria falado o nome, acho que, de um dos candidatos. Se não foi exatamente isso, me perdoem, mas eram questões pessoais. Exatamente isso que eu quero te dizer. Acha que um presidente atual, com toda a força política que toda a organização e apoio e uma pessoa experiente como o Ciro iriam usar na frente das câmeras, colocar na mão para cumprimentar como uma forma de expressão à parceria? Não faz sentido. O que a gente tem feito é mostrar, de modo leal, na frente, do lado, olho no olho, os erros eu maus feitos, e dizendo: "Eu sou honesto". Eu tenho 15 anos de vida pública, o Ciro tem 42 anos de vida pública. Será que vocês iriam aceitar alguém, e chamar de "corrupto", de "desonesto" e fazer uma dobradinha? Não foi isso que eu vi. O que eu vi foi um outro candidato, de um outro partido, que foi para o debate pela primeira vez, também não quero falar o nome, que não é de meu perfil, estar o tempo inteiro defendendo e chamando. Se houve algum tipo de dobradinha foi entre eles. Agora, a gente aponta os fatos. Porque o nosso dever é lutar contra a corrupção.
Por quê? Por um único motivo. Porque a gente entende que cada dinheiro desviado é um real a menos na educação, na saúde, no alimento, na mesa das famílias.

[Fernanda Mena]: Só complementando, Kennedy, por gentileza, e como é que a senhora enxerga os acenos que o candidato Ciro Gomes e a sua chapa tem feito à direita durante essas eleições?
[Ana Paula Matos]: Eu queria que você me desse um exemplo de quais acenos. O que a gente tá fazendo, de verdade, é um aceno pro Brasil, é dizendo: "Brasil, nós precisamos discutir os seus problemas. Como é que eu gero emprego? Como é que eu fortaleço a indústria?". E a gente foca em quatro indústrias. Na indústria da Defesa, imagine que a gente importa querosene de aviação e GPS. Imagine que os satélites que cuidam do nosso país são gerenciados lá fora, com tecnologia lá de fora. A gente quer fortalecer a indústria da saúde. Nós importamos 17 bilhões de dólares, não só em remédios que ficam sujeitos a variação cambial, mas também aparelhos de tomografia, de ressonância, de ultrassonografia. Nós queremos fortalecer a indústria da agricultura. E aí uma que é muito cara pra mim como petroleira concursada, a indústria do petróleo, do gás e da energia renovável. O que a gente tem feito é acentuar o Brasil. É dizendo que a educação vai ser o vetor do nosso crescimento. Que a gente entende que a política pública mais efetiva de combate à pobreza, ao feminicídio e todas as mazelas sociais é a educação, é a autonomia, é a qualificação profissional e pessoal pra essas pessoas. Então aceno que a gente tem feito é ao Brasil, é à cidade. Se, de algum motivo, essa pauta tá em um lado ou do outro, que as pessoas se apropriem dessa pauta, que é cuidar do brasileiro. Então se isso tiver um fato específico, eu posso falar, senão o aceno é o Brasil.

[Kennedy Alencar]: Por exemplo, o Ciro critica o que ele chama de "causas identitárias", diz que é uma coisa que a esquerda dá muita atenção e que o povo brasileiro não aceita. Ou seja, ele faz um aceno pros conservadores. Ao falar da Segurança Pública e de drogas, ele diz que a responsabilidade é do morador da Zona Sul do Rio que cheira ou que consome drogas. Ele tem feito afirmações que são simpáticas a um eleitorado conservador. E a estratégia que ele adotou na campanha é uma estratégia de crítica ao Bolsonaro e de crítica ao Lula. E, nos últimos tempos, ele elevou o tom das críticas ao Lula de uma maneira mais alta do que ele faz em relação ao Bolsonaro. O questionamento é esse: qual é o sentido dessa estratégia? É o Ciro se posicionando se Lula for eleito pra ser um opositor à direita? É o Ciro entendendo que o Bolsonaro e o Lula estão no mesmo nível de dano pro país? Ele faz uma diferenciação entre eles? É o Ciro querendo fazer um discurso mais conservador porque entende que tem um caminho de centro-direita que ele pode ocupar? Queria que respondesse pra gente isso.

[Ana Paula Matos]: São muitas perguntas numa só, então vou tentar organizar. Em relação às pautas identitárias, o Ciro, com todo o respeito, o entendimento nosso não é esse. Ele disse que em determinado momento, alguns grupos políticos utilizam as pautas identitárias como uma forma de uma espécie de influenciação social e não como apoio verdadeiro a essas pautas. E ele apoia tanto as pessoas mais vulneráveis, as que mais precisam, que ele foi lá na Bahia buscar uma mulher simples, do povo, especialista em políticas de combate à pobreza, que sou eu, pra poder falar. Ele poderia, dentro do meu próprio partido, pegar pessoas com nomes mais fortes, pessoas que fossem mais famosas e conhecidas no sul do Brasil. E ele me buscou, sabe por quê? Porque a gente foi na Baixinha da Soronha, que é uma comunidade muito pobre lá em Itapuã, e quando a gente foi, que entrou na casa, que as pessoas me olharam com respeito, eu olhei a elas com muito carinho e com muito respeito, elas disseram: "Você me ajudou na pandemia, me dá um abraço, venha cá", e que ele pôde entrar nas casas e perguntar de preço de gás, de alimentação, que ele viu esse amor meu pelo povo e o povo por mim. Quando a gente entrou no carro, ele virou pra mim e fez assim: "Ana, essa visita já valeu a viagem". Porque ele foi pro 02 de Julho, foi pra outras questões maiores em termos de instituição, mas não do lidar com o povo, ele não esperava. Ali ele estava me escolhendo e eu não sabia. Me escolhendo como a representação de pessoa que luta pelos mais vulneráveis. Na minha fala inicial, eu disse: "Meu papel é lutar contra toda e qualquer forma de preconceito". Isso envolve questões de gênero, isso envolve questões da mulher negra, do preto pobre, da periferia, mas, sobretudo, isso envolve cuidar de quem mais precisa. Eu sou especialista também, além do combate à pobreza, da causa da pessoa com deficiência, eu sou apaixonada pelo meu povo. Então eu tô te falando isso que só... Muito contra fato, não há argumento, mas muito mais do que palavra, é o exemplo. E Ciro, quando me convidou, ele me convidou, na verdade, foi muito rápido, acho que vocês sabem disso, eu fui chamada pra uma reunião no PDT, e quando eu cheguei, essa reunião me escolheu por unanimidade, antes da coletiva, eu tive um tempinho pra conversar com a equipe, e aí a equipe disse assim: "Não, você é mulher, você representa essa causa, eu vi que Salvador foi a única que conseguiu combater o feminicídio no último ano", a gente reduziu em 75%, a única capital, "então a gente quer te convidar", a equipe que estava organizando o planejamento estratégico da campanha, "pra você defender, junto com a Gisele, a pauta da mulher". Aí Ciro chega. Ele falou: "Não, Ana é muito mais do que isso. Ana é uma pessoa que tem formação, tem conhecimento, mas tem vivência de povo. Eu quero convidar Ana pra, sim, cuidar das mulheres, mas pensar em todas as políticas sociais e ajudar a coordenar, junto com o professor Marconi, o meu plano de governo". Então isso só já mostra. E se você ainda tem dúvida, procura Ciro falando sobre mim, falando sobre as pautas que eu represento, e que muitas vezes são o que vocês chamam de pautas identitárias. Veja como é com amor, com admiração.

[Leonardo Sakamoto]: Candidata, desculpa interromper, e desculpa, meus colegas, mas é que a senhora acabou abrindo uma janela que queria só uma explicação rápida sobre isso. Porque sem demérito pra sua formação e pra sua especialização no combate à fome, é reconhecido, tudo isso mais, mas convenhamos que o presidenciável Ciro Gomes procurou compor politicamente com outros partidos, negociou, tentou encontrar outros partidos pra fazerem parte da chapa. No final das contas, a chapa que acabou se formando foi uma chapa puro sangue do PDT, e aí a senhora acabou entrando, com toda a justiça, né? Isso não mostra, na verdade, um isolamento da candidatura de vocês? Ter apenas o PDT, entre todas as outras grandes chapas que estão concorrendo, se tem do presidente Bolsonaro, do ex-presidente Lula, Simone Tebet, tudo, com mais partidos participando.

[Ana Paula Matos]: Tá. Como a pergunta foi muito centrada em Ciro, antes de dar minha resposta, eu vou usar uma frase do Ciro. O Ciro fala muito que um candidato que vai combater a escravidão, o sistema escravocrata, na palavra dele, ele não vai ser ajudado enquanto abolicionista sobre esse sistema. Ele se coloca como alguém que tá, de fato, denunciando os erros do sistema pra que a gente possa trazer o cuidar das pessoas pro centro. Tanto que tem um número que é muito forte. Que ele fala que nos últimos governos, inclusive do ex-presidente, do ex-presidente, da ex-presidente também, se gastou com o sistema financeiro, com juros, com o que ele chama de rentismo, quatro trilhões, ele usa T de tapioca, e 88 bilhões de reais para esse sistema financeiro e para o Bolsa Família, 372 bilhões.
Isso significa 12,61 vezes a mais com o sistema financeiro do que com o cuidado das pessoas. Então quando ele diz isso, obviamente, ele está questionando a estrutura, o sistema, e essas pessoas que aí estão, de lado a lado, com todo o respeito à história e ao legado de cada um, estão buscando, essas pessoas que inclusive agora, não sei se vocês viram, na última aparição do ex-presidente, estava lá o Meirelles, o Alckmin, com quem ele sempre brigou. Não sei se é certo ou errado, quem vai votar é quem vai decidir. Só estou querendo mostrar que a nossa escolha é para discutir o povo, e sobretudo por entender como se gastar menos com as finanças e mais com as pessoas. Para fechar essa resposta, Ana Paula agora, que acredita tudo isso, mas quis usar os termos dele para ficar muito claro. Quando o Ciro me escolhe, o que ele está dizendo para o país? A gente está no momento que a instituição democrática está em xeque, já falamos disso, em que muitos políticos são mal vistos pela pessoa em casa: "Ah, eu vou ver político? Político é tudo igual". E aí chega alguém que é concursada da Petrobras, que é professora, que tem uma história independente da política, que vai ter uma história depois da política e, sobretudo, que ficha limpa, que tem ideologia, mas que tem pragmatismo, que tem a capacitação técnica, mas tem serviços prestados. Acabei de falar, Salvador foi a capital, a única do país, que reduziu o feminicídio em 75%. Então quando ele faz isso, é: ora, se o sistema não vai vir comigo, se esse sistema que é escravocrata não vai aceitar um abolicionista, eu vou buscar alguém que tenha aquilo que me complementa. Ciro vai falar com instituições feministas, da economia, Ciro é um grande governador, um grande prefeito, uma pessoa que é um professor nessa área, mas que também tem muito amor pelo povo. Também sou professora, tenho uma formação. Para mim, é mais fácil inclusive falar em ambiente econômico do que em ambiente social, mas a necessidade de cuidar do meu povo pobre e sofrido fez fazer com que o amor por eles e o social falassem mais. Se preguntarem em Salvador, todo mundo vai dizer que sou assistente social, e não sou, mas tive a missão de duas vezes ser secretária de ação social e combate à pobreza. Para fazer isso, eu estudo. As pessoas acham que eu sou. O que estou querendo dizer com isso? Sim, tem um sistema que não nos apoiou, que não entendeu nossas ideias, e, na realidade, o que ele tinha, tinha pessoas com maior nome, com grande valor, como a própria Juliana Brizola. Ele foi lá, e por unanimidade, com o apoio dessas grandes mulheres, como a delegada Martha Rocha, fui convidada para vir. Sabe o que significa? Que a gente pode ter menos tempo de TV, menos fundo partidário, mas se a gente conseguir chegar no coração das pessoas e, de fato, querer o mesmo Brasil que elas querem, a gente vai conseguir, com o apoio do povo, chegar lá na presidência e na vice-presidência, é sobre isso. E, Kennedy, não terminei de responder, você ainda quer que eu volte?

[Kennedy Alencar]: Pode, tem outra coisa que ele falou também em "fascismo de esquerda". Que é uma coisa que não existe. Existe fascismo de direita, extrema-direita. Você pode falar em autoritarismo de esquerda. Tem discursos do Ciro que são claros acenos para o eleitorado mais conservador. Para repetir a pergunta para quem está nos acompanhando, qual é o sentido dessa estratégia?

[Ana Paula Matos]: Não é uma estratégia. Ciro é um cara honesto. Ele é honesto não só no gerir, no não roubar, como no pensar e no falar. Ele entende que existe dos dois lados, como eu cite um exemplo, um modelo econômico igual, que privilegia os bancos, a estrutura financeira e que gera uma concentração de renda. Dos cinco brasileiros mais ricos, tem a mesma renda do que os cem milhões de brasileiros mais pobres. E o que ele está dizendo é: "Você da direita e você da esquerda, por que a gente não está discutindo como gerar emprego? Por que não estamos discutindo qual é o melhor plano de governo? Por que a gente não está falando sobre isso?". Então quando ele diz, e aí vem a esquerda, assim como a direita, e vem com essa campanha, que a gente já falou, de voto útil, o que ele está falando: "Vocês estão querendo entrar na cabeça do povo". Ele entende o fascismo como a tentativa de você criar uma lógica racional para fazer com que a pessoa não enxergue o ponto de vista que seria dela, ou que ela aceite: "Olha, esse candidato, eu acho que é mais preparado, eu acho que ele não tem elementos de corrupção, mas o outro vai vencer em primeiro lugar". Ele está denunciando isso. Esse é o termo que as pessoas entendem. Eu não tenho o estudo para dizer se pode usar ou não tal palavra, teria que procurar todos os doutores, pesquisadores, mas o que posso garantir: Ciro, o que ele está denunciando é que de lado a lado está tendo a tentativa de tirar do povo brasileiro o que ele conquistou a duras penas. Nós lutamos pelas Diretas Já! Eu não tive idade, só acompanhei, era pequena ainda, mas a gente lutou Diretas Já! E as mulheres, hoje nós somos maioria do eleitorado, somos maioria da população, a gente por muitas décadas lutou pelo direito de votar, mais do que para presidente, de votar, para a gente abrir uma empresa, para a gente ter uma conta no banco, o marido tinha que autorizar. Agora que as mulheres são maioria, que a gente muitas vezes, nós estamos na gestão das famílias monoparentais, as mães solos nas comunidades mais pobres, a gente não pode escolher aquele que é o melhor candidato? O que ele está denunciando é isso. Se essa palavra chama atenção, ele está usando, mas é honesto no falar e no pensar, e Ciro tem não só o meu apoio e parceria como tem a minha admiração.

[Kennedy Alencar]: Nessa coisa que o Sakamoto falou, na questão de não ter feito aliança com outros partidos, ele tentou com a União Brasil, com o PSD, do Kassab, acabou não acontecendo, tem a chapa pura, com a senhora de vice dele. Ele, no discurso, promete fazer mudanças estruturais, tem o livro dele, o programa detalhado. Ele fala que se não conseguir convencer o Congresso, ele pode convocar plebiscitos e falar diretamente com o povo. A senhora sabe que governar um país como o Brasil é difícil, é preciso formar maioria na Câmara e no Senado. Uma receita de convocação de plebiscito não é contratar uma crise com o Congresso e sofrer o risco de impeachment? Ou seja, para implementar esse projeto que ele tem, ele não precisaria fazer alianças políticas que ele não conseguiu fazer na campanha eleitoral?

[Ana Paula Matos]: Nós fizemos uma escolha, que é pra trazer a verdade, mesmo que isso tenha complexidade. Nós temos 52 segundos de TV, nem sempre você consegue ir à profundidade de cada ideia. O que Ciro tem feito? Inclusive, a internet, há grupos, como foi agora no Flow, passando três horas discutindo. O que Ciro tem feito? Tem dito às pessoas: "O Brasil tem problemas". Não é simples resolvê-los. Ele se coloca como amigo da Simone Tebet e diz: "Eu não posso me associar à Simone porque temos divergências econômicas. Mas somos amigos, somos pessoas de bem". Assim ele fala. Então respondendo sua pergunta diretamente: a gente tem hoje um pacto federativo em que muitos dos estados brasileiros, 23 dos 27, estão, no momento, em dívida, endividados. Vocês sabem que senadores e deputados estão muito mais próximos às prefeituras e aos estados porque é onde tá o seu eleitor. Sendo assim, a gente fez duas escolhas. A primeira, uma aliança programática com o povo. Nós estamos desde o primeiro momento dizendo às pessoas a que nós nos destinamos, que é mudar o Brasil pelo crescimento econômico e pelo crescimento social. Então a primeira coisa, ninguém vai ter surpresa. Nós não vamos propor reformas que as pessoas não saibam. As pessoas sabem, e vocês têm nos ajudado mostrando isso. Segundo elemento, como esse pacto federativo hoje está em desequilíbrio, que os governos não estão conseguindo nem manter as suas contas em dia, a gente tá disposto a ajudar essa questão das contas em equilíbrio dos estados, e, em contrapartida, conversar com esses governantes pra que façamos um grande acordo democrático pelo país, na verdade, uma construção de proposta pro país, mas só tem uma questão: nós temos valores inegociáveis e inalienáveis. Nós poderíamos ter escolhido um caminho mais fácil. Ora, vou pensar, vou ver, depois eu apresento o meu plano de governo. E vem a surpresa: não, nós não temos surpresinha. O que a gente tem? É, de fato, dizer: "Povo, a gente quer gerar cinco milhões de empregos em dois anos, vamos tirar 14 mil obras do papel, a gente sabe como fazer. Eu vou contratar na comunidade, eu vou fazer o saneamento básico. Eu vou contratar você, morador, numa espécie de mutirão", e ele vai explicando toda a metodologia. E a gente tem ações de curto, médio e longo prazo. De curto prazo, matar a fome, gerar emprego, cuidar das pessoas. De médio e longo prazo até chegar na construção de autonomia de uma educação pra que, em 15 anos, estejamos no ranking entre os dez melhores do mundo. Voltando a essa resposta. Aliança programática com o povo, todo mundo sabendo a que a gente tá se destinando, refundação do pacto federativo, e naquilo que a gente não conseguir, aí sim, elementos essenciais, e ir eventualmente pra um plebiscito. Mas nós sabemos, a gente tem experiência de país, tanto vocês quanto quem tá agora levando uma hora nos assistindo, também tem essa vontade, que nesse país, quando a gente consegue convencer as pessoas, conversar com elas do que é melhor pra elas, a votação acontece. Sabe por quê? Porque aqui, diferente de em outros locais, onde vão existir outros tipos de lobby, quando as pessoas, de fato, ficam indignadas, elas protestam, elas falam, elas cobram. Esse deputado não consegue chegar na sua cidade, no seu bairro. Então a gente está entendendo que com a aliança programática com o povo, com clareza nas ideias, e com a refundação do pacto federativo, nós conseguiremos governar com tranquilidade e com respeito, mas não abriremos mão dos valores inegociáveis e inalienáveis.

[Fernanda Mena]: Candidata, o Ciro tem atacado o pedido do PT de voto útil contra Bolsonaro, mas em 2018, ele fez a mesma coisa. Ele dizia que tinha mais chances de vencer Bolsonaro do que Haddad e pedia então o voto útil nele. Não é uma contradição criticar uma prática que ele já adotou?

[Ana Paula Matos]: Não. Se você pede é uma coisa, quando você faz todo o movimento e diz, a partir do medo, utilizando o momento de violência política, dizendo: "Olha, se vocês não elegerem no primeiro turno pode ser questionado o resultado da eleição pelo atual presidente. Olha, se a gente não conseguir fazer com essa eleição no primeiro turno, pode ser que o outro ganhe", quando eles sabem que a gente, na pesquisa, o Ciro ganha tanto no segundo turno tanto do Bolsonaro quanto do Lula. Aquela época, não. Aquela época, se mostrava que o Haddad, que foi quem concorreu pelo PT, não ganharia na pesquisa. E mais: mesmo que Ciro tivesse transferido todos os votos que ele teve, juntado com todos de Haddad, o presidente ainda ganharia com 11 milhões de votos de frente. Então talvez se Ciro fosse pro segundo turno, tivesse um outro momento, de alguém que já vinha discutindo o país. O Haddad acabou sendo o substituto do presidente Lula, que não pôde concorrer, pelo momento institucional que ele estava vivendo, sem falar da pessoa física dele. Então o que eu quero dizer a vocês, e aí, Fernanda, entendo a sua pergunta, ela faz sentido, mas ela não traz no momento presente. No momento presente, o problema não é dizer do voto: "Olha, vota em mim que é melhor, eu tenho mais chance de vencer". O que eles estão dizendo é: "Se não for o candidato do ex-governo, do ex-presidente, o país vai entrar em convulsão social". Vocês mesmo acabaram expressando isso aqui, como jornalistas que são, tinham a obrigação de falar sobre isso. O que a gente tá falando é que esse momento o que está se trazendo é o medo, e esse Brasil tem que ser da esperança, do dever da esperança e o da confiança. Uma coisa é você pedir o voto dizendo: "Vote em mim, é importante eu vencer, isso vai melhorar o Brasil por tal proposta". Outra coisa é: "Não vote nele, não, porque o Brasil tá em convulsão social, e o Brasil vai entrar em guerra". Não nessas palavras.

[Kennedy Alencar]: O Ciro, como o Caetano e o Tico Santa Cruz, entenderam esse raciocínio e disseram: "Nós preferimos o Ciro, mas vamos votar no Lula agora, porque a gente entende que o Lula reúne mais condições de vencer o Bolsonaro, e o Bolsonaro é uma ameaça maior". É esse o raciocínio que inclusive apoiadores do Ciro fizeram para mudar de voto.

[Ana Paula Matos]: Qual é a beleza do Estado brasileiro? É que o voto da pessoa mais pobre, da pessoa analfabeta, da pessoa que está no sol tem o mesmo valor de um grande artista de renome internacional, e que essas pessoas podem mudar o seu voto daqui até a eleição. É por isso que eu estou aqui, que estou ficando às vezes por seis horas na minha casa, tempo de pegar uma roupa, dormir e pegar o avião, porque eu acredito que a gente ainda tem tempo de falar ao coração das pessoas, de mostrar que nós temos propostas, de mostrar que nós temos projetos. Essas duas pessoas que o senhor citou passaram o início do processo eleitoral falando que o Ciro é melhor, que votam em Ciro, e, neste momento, nesse recorte, elas estão com essa posição, e nada impede que, no dia da eleição, elas e a urna, elas votem o 12, ou que daqui até lá manifestem uma outra opinião. Essa é a beleza do Estado brasileiro. É por isso que eu tenho convicção de que a gente estará no segundo turno. Porque a gente tem tempo. Vamos fazer um debate de que vai ter uma expectativa de 60, 80 milhões de telespectadores. Eles têm o direito de escolher o que eles quiserem, como eu tenho o direito de dizer: Brasil, estou me apresentando com o Ciro com uma chapa preparada, que ama esse país, mas que não vai conseguir governar sozinho, que pede o seu apoio para a gente pensar as políticas públicas e fazer deste país o lugar melhor para morar.

[Leonardo Sakamoto]: candidata, a senhora, acabou de falar que tanto a senhora quanto o ex-governador Ciro Gomes estarão no segundo turno com outro candidato. Tudo bem, mas numa hipótese, não vou dizer que vai acontecer, mas numa hipótese em que os dois candidatos sejam Lula e Bolsonaro, hipoteticamente, a senhora escolheria qual dos dois no segundo turno?

[Ana Paula Matos]: Eu respeito a minha história, respeito a sua profissão, então, eu tenho com muito carinho, com muito cuidado, eu vou te dizer que em respeito à minha história, eu vou reafirmar que estarei no segundo turno e não me dou nem ao direito de pensar outra hipótese, sabe por quê? Eu só posso liderar as pessoas, convencer as pessoas, mostrar às pessoas que eu estou pronta se eu estiver convencida. E eu estou convencida. Não é por nada, não, é porque até então nós somos a candidatura que está falando de projeto. Eu vejo uma pessoa, ou uma candidatura de pessoas experientes dizerem: "Não vou apresentar um plano de governo agora porque eu tenho uma história, eu não preciso apresentar, eu não sei como gerar emprego". OK. Se você não sabe como gerar emprego, diga assim: "Olha, o momento do mundo, de crise, de pós-Covid, de guerra, não sei como gerar emprego, mas vou chamar as pessoas que saibam". Vou te chamar, você, dona de casa, você, trabalhador, para conversar comigo. O que eu estou tentando dizer a vocês, espero estar conseguindo, é que nós temos um momento que tem que discutir os problemas do Brasil. A gente tem que enxergar os acontecimentos. Estamos fazendo isso com clareza. Mas tentar fazer uma campanha propositiva. Eu estarei no segundo turno, porque entendo inclusive que é uma oportunidade de fortalecer o debate. Então, eu não posso entrar nesse exercício com você, porque seria desrespeitar a minha história.

[Leonardo Sakamoto]: Entendo esse ponto de vista, mas colocando a pergunta de uma outra forma, considerando que a senhora vem listando desde o início da entrevista uma série de problemas nacionais e como vocês vão endereçá-los, quem é mais responsável pelos problemas nacionais entre os dois? Porque o candidato Ciro Gomes vem apontando tanto Lula quanto Bolsonaro de uma forma quase que igual como responsáveis pelos problemas que estão aí, a senhora concorda com isso, que Lula e Bolsonaro são igualmente responsáveis pela nossa atual situação?

[Ana Paula Matos]: Vou fazer uma pergunta e te responder: Quando um pai e uma mãe têm um filho que está com problema na escola, que está com problemas comportamentais, sociais, até numa depressão, quem é o mais responsável: é o pai ou a mãe? Não existe o mais responsável. O que existe é o momento do Brasil que temos que deixar de tratar, não é o seu caso, mas é o que a sociedade tem feito, de modo geral, os problemas de modo simplista e modo segmentado e pensar enquanto país e instituição. Nós tivemos dois governos da esquerda, o governo da presidente Dilma, depois teve dois anos do Temer, tem dois anos a menos, e logo depois tem o governo do presidente Jair Bolsonaro. O governo Lula entregou com o nível de desemprego, com a presidente Dilma esse nível de desemprego aumenta. Agora com Bolsonaro esse disponível de desemprego diminui. Não é só uma relação de hoje. Quando você pega o barril de petróleo, na época do Presidente Lula, estava 130 dólares; na época da presidente Dilma, por questões internacionais, estava 30 dólares. O que significa? O Brasil está focado muito em commodities, o Brasil deixou sua indústria se enfraquecer. Nós tínhamos 34% da nossa produção nacional, da nossa riqueza, pela indústria, isso hoje está na casa de onze, 12%. O que estou tentando explicar? Não é culpa de único homem, ou de dois homens, até porque não faz o governo sozinho. É o momento em que a sociedade brasileira se permitiu, por vários motivos, que não vou ter tempo aqui para falar, deixar de cuidar da equidade social, do povo, da geração de riqueza de país, e pela nossa potencialidade de minérios, de nióbio, como o presidente falou, ou no passado, de petróleo, a gente ficou nessa riqueza e esqueceu de cuidar da construção do povo e do emprego. Então se você pensar em responsabilidade, todos os governantes que infelizmente contribuíram para a diminuição do PIB e diminuição do emprego, aí eu vou ter que citar os últimos presidentes, são corresponsáveis, mas eles não fariam isso sozinhos. Tem também nós, sociedade, que os elegemos. O que Ciro e eu estamos dizendo? Estamos discutindo Brasil, temos propostas, temos fichas limpas, somos honestos. Existiram elementos de corrupção nos dois grupos políticos. Sem entrar em fulanização e nem pessoa física. A gente está se propondo aquando for presidente e vice, nossos ministros vão ter que abrir mão do sigilo fiscal e bancário. Nós vamos ter um sistema de combate à corrupção interno e de transparência, nós temos que investir inclusive muito mais na tecnologia, na melhoria da metodologia e da pedagogia de gestão, e de instituição, do que de fato no personagem, no mito do presidente, ou da vice, etc. O que é importante dizer, se eu disser quem é o mais responsável é como se eu dissesse a um pai ou a uma mãe: "Você é o culpado, e não é".

[Kennedy Alencar]: Quem seria mais danoso ao Brasil? Quem causaria mais dano ao Brasil? O Bolsonaro ou o Lula?

[Ana Paula Matos]: Eu tô aqui pra dizer quem vai dar mais respostas positivas ao Brasil, é Ciro Gomes, é com Ana Paula. Quem vai decidir se é mais ou menos é o povo. Eu sou uma única pessoa que tenho voz, que tenho vez. E enquanto indivíduo, enquanto cidadã, chamo vocês a conversa. Mas aqui eu tenho um papel. Eu não posso esquecer que eu sou vice-prefeita de uma cidade, eu não posso esquecer que eu sou uma candidata, e o tempo que eu tiver, eu vou usar pra falar de proposta. E dizer às pessoas que estão ali: "Me dê o que você tem de mais precioso". Não é seu voto, não, é seu tempo e sua atenção. E se você prestar atenção na gente, e confiar na gente, aí sim, mais do que o seu voto, eu lhe peço também sua militância.

[Fernanda Mena]: Candidata, a senhora se declara uma mulher negra de pele clara, que não sofreu preconceito por causa da cor de pele, mas que tem lugar de fala no combate ao racismo e ao preconceito. Num momento em o que Brasil discute a questão do racismo estrutural e a questão do preconceito baseado em gêneros de uma maneira acho que nunca antes tão intensa. A senhora não tem receio de que a sua identidade racial e o fato da senhora ser mulher possa estar sendo usada pra legitimar um candidato que critica o que ele chama de causas identitárias e que tem uma origem na aristocracia cearense?

[Ana Paula Matos]: De forma alguma, primeiro porque... Eu falei isso na minha apresentação. Ele não critica a causa identitária, ele critica o uso da causa identitária. Tem que ser essência, tem que ser valor. Eu vim de uma gestão lá em Salvador onde a gente criou um programa de combate ao racismo institucional. A nossa líder, que é a professora Ivete Sacramento, foi a primeira reitora negra do Brasil, a que instituiu cotas na UNEB, Universidade do Estado da Bahia. Esse prêmio, esse projeto de combate ao racismo institucional foi premiado lá fora. Vocês sabem o que é isso? A gente fala muito de racismo estrutural. Mas nem sempre fala em institucional. É formar os nossos servidores, os nossos gestores, cada pessoa que atende alguém da população de Salvador, pra cuidar e pra servir. Nós fizemos esse trabalho. Nós fizemos um trabalho nas escolas pra que a gente, inclusive, formasse as crianças pra questionar esse racismo e tivesse uma pedagogia, uma educação antirracista. Nós temos um programa de combate ao racismo estrutural na geração de oportunidades de políticas públicas porque é essencial. Se você vai na periferia, lá estão as mulheres pretas chefiando famílias, as pessoas pobres. E Salvador tem 82% da sua população negra. E negra na condição inclusive legal de pessoas que são pretas e pardas. Pardas com origem negra, porque você também poderia ter pardas com origem indígena. Então quando a gente faz isso, 82% da população. Agora, eu não posso dizer que eu sofri preconceito pela cor da pele, porque 82%, a minha pele não é a pele mais retinta. E qual é a importância disso? Eu não tô aqui pra discutir nem fenótipo nem genótipo, mas pra dizer: "Olha, temos que prestar atenção no povo preto. Temos que prestar atenção nas suas dificuldades. Temos que trazer políticas de ação afirmativa". Eu não fui formada assim no sentido acadêmico, mas eu era professora da Faculdade Batista Brasileira, e lá era uma faculdade que dava muita bolsa, então tinha muitos alunos policiais e ou alunos de baixos poder aquisitivo que eram negros. E uma aluna uma vez me chamou na aula de Direito: "Professora, eu queria conversar com a senhora, eu queria entender melhor isso. Eu tenho uma filhinha, ela tem sete anos de idade. Ee me chamou hoje chorando, queria mudar o cabelo e queria a cor dela porque a médica dela, porque a professora dela, a professora dela de balé, — ela pagava o balé pra filhinha — elas não são negras, elas são brancas, e aí, professora, naquele momento, eu fui estudar". Eu fui na universidade, na Faculdade de Comunicação da Bahia, na FACOM, fazer uma matéria no doutorado justamente sobre políticas de ações afirmativas com o professor Fernando Conceição e fui entender. Eu fui entender que no Rio tem um professor chamado Marcelo Paixão que faz exatamente o estudo do IDH, aquela época, há mais de 20 anos, e na época ele tratava brancos e não brancos. E aí hoje, aliás, semana passada, se não me engano, tem dez dias, um menininho foi notícia porque os colegas chamavam ele de cocô, me perdoem o termo, pela cor da pele. Ele queria mudar a cor da pele. E perdoem esse termo, mas eu precisava falar de como o menininho se sentiu. Então essa cidade, esse assunto não pode ser colocado do lado de fora. Como é que eu, especialista que sou nisso, uma pessoa que tem clareza, que conhece, que fala isso de verdade, vou aceitar ser manipulada por ninguém? É não respeitar minha história.

[Fernanda Mena]: Desculpa, como é que isso pode ser tratado a partir da presidência da república?

[Ana Paula Matos]: Trazendo pra centralidade do debate justamente o que é mais importante. Onde é que as pessoas que estão mais vulneráveis estão vivendo e como? Como é que elas podem ser trazidas pra discussão? Que é ocupar um cargo público de ministro, de secretário, mas é mais do que isso. É pensar as políticas públicas pra elas. Será que eu já entendi que alguém pode ter uma anemia falciforme pelo sangue? Será que vai ter mais queloide? Será que tem uma dificuldade maior? Será que quando eu for pensar na queloide, quando eu for fazer uma cirurgia, eu não tenho que dar um tipo de cuidado especial? Queloide, pra quem não sabe, é da nossa pele, minha mãe tem, eu também tenho, quando a gente faz cirurgia, a cicatriz fica maior, é do sangue negro. Então será que não vou ter que ter um cuidado especial? Agora, é sobretudo com a educação. Porque são essas pessoas que não têm acesso. Não é só pelo presente, é pela história, pela construção. E aí quando eu pego Ciro Gomes e sei que hoje o Ceará tá com 87 das 100 melhores escolas do Brasil no IDEB, e começa a partir dele, quando ele foi governador do Ceará, foi premiado na ONU pelo combate à mortalidade infantil, e quando ele teve esse prêmio, ele garantiu 100% das crianças vacinadas, ele tem o direito de me convidar e eu tenho a honra de estar ao lado dele porque tem serviços prestados.

[Leonardo Sakamoto]: Candidata, ainda puxando um pouco da questão racial, né? A senhora é vice-prefeita de Salvador numa chapa com o União Brasil. O que a senhora achou da declaração do ACM Neto, candidato ao governo, se declarando pardo?

[Ana Paula Matos]: Estava com o ACM Neto, esta semana, estava na carreata. Eu até olhei o braço dele e o meu. Ele está com a pele dele mais retinta que a minha. Porque ele está no sol e na caminhada. Até imaginei que você pudesse falar sobre isso, porque é óbvio que as pessoas sabem que Neto me revelou na vida pública. Aí estava me lembrando de uma situação. A gente tem uma comunidade, em Salvador, chamada "Valério", um bairro, teve por problema de uma empresa, uma adutora foi entupida, esse bairro alagou. E eu fiquei lá, na chuva com eles. Acabou a chuva, foi uma semana no sol para tentar descobrir como resolver. Porque primeiro a gente deu água, alimento, aluguel, deu tudo, trouxe lá a questão da saúde e fiquei uma semana, eu fiquei com a minha pele extremamente retinta tomando sol. Então o ACM Neto foi o prefeito, foi o governante que trouxe a professora Ivete Sacramento, que criou esse programa de combate ao racismo institucional, combate ao racismo estrutural e que investiu 82% dos recursos públicos nas áreas mais pobres. Na pandemia, chegou a quase 90%. Na primeira eleição, a cidade ficou dividida entre vermelho e azul; azul do DEM, e vermelho, à época, o oponente era o PT.

[Kennedy Alencar]: Mas o branco se declarar pardo não é uma jogada eleitoral?

[Ana Paula Matos]: Não é, só para finalizar: quando ACM Neto faz isso, na primeira eleição, dividiu. A cidade com mais poder aquisitivo votou no azul, com menos poder aquisitivo, no vermelho. Quando ele foi para a reeleição, toda a cidade, em todas as urnas, elegeu o ACM Neto, porque ele votou nas pessoas mais pobres. Sabe quando foi que se declarou pardo? Quando não tinha nenhum benefício eleitoral nem financeiro, em 2016. Na Certidão de Nascimento minha e na dele está como "pardo". Agora, o que a gente tem que discutir, que é o que eu tenho percebido, até vi isso um num grupo que eu faço parte, as pessoas lá confundem, algumas lá acham que sou candidata à vice-governadora, por eu ser Ana, e a Ana Coelho também ser vice-governadora, a candidata dele. aí botou alguém no grupo: "ACM Neto, rico, se declarar pardo? A vice dele, até entendo, uma pessoa que veio do social, que tem política, tem lugar de fala". Ele está com a pele mais bronzeada do que a minha. Por quê? Porque ele tem uma vida financeira maior. Aí, Kennedy, para eu finalizar, a grande discussão não é a cor da pele de Neto. Se A Bahia tem 82% das pessoas negras, pretas e pardas, ele não é louro de olho azul. A discussão é que ele vem de um berço familiar com dinheiro. O que as pessoas não estão aceitando é alguém que tem essa estrutura social ter essa fala. Porque está claro aí, sem nenhum mi-mi-mi, que a pessoa com a pele mais retinta está na pobreza, está sem o lugar da escola, da educação. É uma questão muito mais de questionamento social do que da cor da pele. Agora, ele traz um grande bem para o Brasil. Nós estamos discutindo o poder e a importância de se declarar negro, preto ou pardo. ACM Neto tem o lugar de fala de quem combateu o racismo, e, por isso, eu votarei nele no domingo junto com meu voto em Ciro.

[Kennedy Alencar]: Candidata, estamos chegando à reta final da entrevista. Tem o pinga-fogo, Espero que sobre tempo para abordar algumas questões com a senhora. Pediria que a senhora respondesse sucintamente, em uma, duas palavras, João Goulart?

[Ana Paula Matos]: João Goulart faz parte da construção do país, tem benefícios institucionais, e é um personagem importante da nossa história.

[Kennedy Alencar]: José Sarney?

[Ana Paula Matos]: José Sarney, eu era pequena, estava na fila lá com minha mãe para comprar o leite. Ele foi importante por ser, na parte da redemocratização, mas infelizmente não conseguiu organizar economicamente o país. A gente viveu aquele problema dos preços e da falta de alimentação.

[Kennedy Alencar]: Itamar Franco?

[Ana Paula Matos]: Itamar Franco traz a responsabilidade de quem ajuda a construir o Plano Real, com o ministro Ciro Gomes, então é alguém que tem lugar na história.

[Kennedy Alencar]: Michel Temer?

[Ana Paula Matos]: Michel Temer é alguém que, na política, tem muitas habilidades, mas que infelizmente acabou tendo sua história manchada nesses últimos episódios.

[Kennedy Alencar]: A senhora é contra ou a favor do uso de câmeras nos uniformes dos policiais?

[Ana Paula Matos]: Eu não entendo que isso tem que ser estudado. Se me perguntar objetivamente, acho que o uso da câmera protege os policiais e as pessoas, mas, me perdoe, não daria essa resposta simplista. Porque acho que tenho que estudar a fenomenologia, e o governante - preciso falar isso com vocês - não tem o direito de achar nada. O governante tem que estudar com anamnese, pegar dados científicos, verificar onde se colocou câmera: foi melhor ou foi pior? No momento do Brasil, qual ambiente é melhor ou pior? Aparentemente, é positivo, mas para tomar essa decisão como governante, eu vou estudar e vou ver onde foi colocado se deu certo ou não?

[Kennedy Alencar]: A senhora é a favor ou contra voltar a restringir mais a posse e o porte de arma, como prevê o Estatuto do Desarmamento, ou afrouxar, como o Bolsonaro fez via decreto?

[Ana Paula Matos]: Vou repetir, eu não acredito em soluções simplistas, eu acredito em construção social. Entendo que o uso indiscriminado de armas é ruim para o Brasil, eu sou a favor da vida, mas entendo que a gente precisa dar ao jovem o direito de sonhar, estudar bem, ter bom estágio, um bom emprego; e o sonho dele seja ter um Notebook, computador, montar um escritório ou ter uma carteira assinada, ou ir para o exterior fazer um intercâmbio, ser doutor, e não ter uma arma. Eu sou contra o uso indiscriminado de armas, mas quero estudar o fenômeno social do Brasil para construir as políticas públicas.

[Kennedy Alencar]: A favor ou contra de ampliar a possibilidade de aborto legal no Brasil, que hoje está previsto caso de risco de a mulher morrer, resultado de um estupro, a gravidez, ou feto sem cérebro, anencéfalo?

[Ana Paula Matos]: Sou pela vida, poderia começar dizer que sou cristã. Mas vou dizer: eu sou pela vida. Nós temos o ambiente legal, um marco legal onde essas questões estão estudadas. Não entendo que é o momento de se ampliar nada. Como sou a favor da vida, eu não posso pensar em ampliar agora. Eu, com 14 anos de idade, participava de grupos que discutiam gravidez na adolescência. Na comunidade vejo mulheres que estão tendo todos os tipos de dificuldades, então, sou a favor de políticas para as mulheres; e nessas políticas para as mulheres, elas possam organizar sua própria vida; mas entendo que o marco legal do aborto, como está, é o que a maturidade brasileira estabelece, sou a favor da vida, cristã, não posso ser a favor de ampliação do aborto como indivíduo. Como sociedade, é o que eu falei, é ajudar as pessoas.

[Kennedy Alencar]: A favor ou contra legalizar a maconha?

[Ana Paula Matos]: Não sou usuária de maconha, nunca usei na vida. Eu vou te repetir, como pessoa, eu sou contra. Agora eu entendo que tem cidadãos na rua, cidadão no bairro que está sofrendo pelo uso ou pela falta dela. Acredito em políticas de saúde, mas em legalização, neste momento, como pessoa, eu não sou a favor, mas como política entendo que isso não é meu papel. Esse papel é do Legislativo, é um papel de maturidade social, que se discuta quem tem que discutir. Eu, como governante, não vou dar opinião. Acabei de dizer: governante tem que estudar, tem que tomar decisões envolvendo a sociedade.

[Kennedy Alencar]: A favor ou contra as cotas raciais?

[Ana Paula Matos]: Eu sou a favor das cotas raciais pelos exemplos que eu dei a vocês, mas entendo que são políticas que têm que ser construídas. Não é para a vida inteira, é para você entender onde está o problema, tratar com equidade e fazer com que a pessoa tenha autonomia. Eu garanto que o cidadão brasileiro quer receber o seu salário pelo seu emprego, quer passar no concurso, passar na Faculdade pela sua oportunidade, mas se ele não teve oportunidade de estudar, a gente tem que fazer a cota e dar uma condição para ele construir.

[Kennedy Alencar]: A favor ou contra privatizar a Petrobras?

[Ana Paula Matos]: Absolutamente contra. Eu sou petroleira, penso que a Petrobras é a riqueza do Brasil.

[Kennedy Alencar]: A favor ou contra a revogação da Reforma Trabalhista? [Ana Paula Matos]: A gente entende que tem que fazer, em seis meses de governo, uma refundação do nosso pacto trabalhista. É muito mais do que revogar a Reforma Trabalhista. É repensar o trabalho. Só para a gente conversar, tem 50 milhões de pessoas no Brasil, aproximadamente, que trabalham com aplicativos, que se tiverem uma doença, vão morrer de fome, não têm um sistema previdenciário pensado para elas. Eu tenho mulheres que fazem o mesmo trabalho que o homem e ganham 70% do que o homem ganha, assim como tenho as pessoas negras, então, é muito mais do que revogar a Reforma Trabalhista. É refundar o pensamento de trabalho, é respeitar as leis internacionais, a OET, e, sobretudo, a gente pensar um novo código de trabalho, que é muito maior do que essa pergunta permite responder.

[Kennedy Alencar]: Um livro?

[Ana Paula Matos]: Eu tenho uma paixão na vida que é Irmã Dulce, que coloca no filme, é uma pessoa que trabalha no combate à pobreza, e a partir dela, eu passei a estudar a biografias. O livro que eu tô lendo nesse momento são "As Vidas de Chico Xavier", porque ele foi um homem que fez muito bem na cidade. Então eu preciso falar, já que eu tô falando dela. O livro que eu estou lendo hoje é esse. Agora, se eu pensar em livro que reflete o Brasil, eu poderia falar da Bíblia, independente da religião, que é você buscar entender pela história, pelos dez mandamentos, e um livro que eu acho que seria a minha cara, o que eu estudei quando eu era pequenininha era um livro de Dale Carnegie, que apesar de não ser da minha idade, que é "Como Fazer Amigos e Influenciar Pessoas", não é o título, esse é o título traduzido, mas é um livro que te ensina a respeitar o outro, que te ensina a ouvir o outro e a fazer elogios sinceros. Sabe por que eu li esse livro? Só pra finalizar. Eu aprendia muito rápido, teve uma época que eu só conversava com adulto, aí meu avô me colocou do lado dele e falou: "Vem cá. Você só quer conversar com adulto? Vá ler aqui, eu vou te estudar". Então esse livro não representa o que ele tem, mas o meu avô me ensinando a ser uma pessoa melhor, a ouvir o outro, e é isso que me representa, o ouvir, o cuidado, o sentir, eu ser uma pessoa melhor.

[Kennedy Alencar]: Uma música?

[Ana Paula Matos]: Eu não tenho tanta relação com música, mas eu vim... Sempre quando eu tô na rua, eu vou cantando assim: "Senhor, abençoa as famílias, a minha também", você viu que eu não sei cantar. Ou então: "Jesus Cristo, Jesus Cristo, eu estou aqui".

[Fernanda Mena]: Roberto Carlos.

[Ana Paula Matos]: De Roberto Carlos. A música, pra mim, enquanto vida, é forma de me acalmar. São músicas que me conectem com Deus. Então eu vou falar ou Nossa senhora, ou Jesus Cristo, mas tem uma música que ontem eu fui presenteada com ela, que me representa, que é "Asa Branca". Tive um evento, aliás, na segunda, em Salvador, até por isso eu não estava no manifesto, um evento grande, um menininho tocando violino, o nome dele, Douglas, tocou essa música. Eu falei: "Olha, a única música que eu aprendi a tocar no teclado". E aí é uma música que me representa porque fala do sertanejo, que fala do povo forte, mas o que eu posso dizer, o que eu canto é sempre músicas mais de paz, de calma ou quanta luz, oração de São Francisco, oração de Jesus, música de Santa Dulce. Eu não sou musical assim.

[Kennedy Alencar]: Um sonho?

[Ana Paula Matos]: Um sonho é fazer, de fato, dessa terra um lugar melhor pra morar. Um sonho é aproveitar essa oportunidade que Deus tá me dando de cuidar do meu povo pra falar sobre o bem, pra falar sobre o amor, pra mostrar que vale a pena estudar, que vale a pena trabalhar, que vale a pena cuidar, que vale a pena ouvir, e o meu sonho de verdade é poder fazer desse país um lugar mais humano, mais justo, com menos preconceito, que a gente saia da narrativa de pegar uma frase, um título de efeito, um texto de efeito e pense no povo. Se Deus me der a honra, eu realizarei esse sonho sendo vice-presidente. Se não for, que aí não tá na minha visão nem na do Ciro, a gente vai lutar até o último minuto, mesmo que eu não tenha nenhum cargo público mais na vida, eu continuaria a servir. Eu começo a servir aos sete anos de idade, meu pai era contínuo, que seria o office boy de hoje, e se formou médico como contínuo. Quando ele se formou, a gente foi pra igreja do bairro, ele atendia uma comunidade muito pobre, uma favela, e eu sou ajudante, organizava a fila, olhava a validade do remédio. Então ali eu aprendi a servir. Então meu sonho é servir ao meu país. Se Deus permitir, como vice-presidente, se não, aonde eu estiver sendo uma pessoa do bem que fale sobre isso.

[Kennedy Alencar]: Temos tempo pra mais uma pergunta rapidinho, alguém quer fazer?

[Fernanda Mena]: Podemos fazer. A participação política das mulheres é desproporcionalmente baixa, o que coloca o país no 142° lugar entre 192 países que foram avaliados. Quais são os principais entraves pras mulheres na política e quais as políticas públicas mais urgentes pras mulheres?

[Ana Paula Matos]: A primeira coisa é que a mulher precisa fazer o equilíbrio entre o trabalho e o cuidar da sua família. Falta a creche pública, falta saúde pública, e muitas vezes essa mulher acaba abrindo mão do seu sonho, da sua voz pra cuidar do seu povo. Vá na comunidade e veja que quem organiza mutirão, quem cuida do outro é a mulher. Nós fazemos a política. Nós ainda não chegamos nos cargos públicos. Nós somos 53% em média das pessoas no Brasil, dependendo da cidade, e só temos 15% das deputadas. Então o grande entrave é que quem financia o sistema, que é verdade, é normalmente homem. Os CEOs, os chefes das grandes empresas são homens. Normalmente, os grande presidentes dos bancos, das instituições financeiras, dos conglomerados, inclusive, de comunicações, em maioria são homens. Então é um sistema pensado por homens. Não é maldade. É uma roda que se repete. Então aí vai o meu sonho do servir enquanto mulher, especialista em políticas públicas com formação, com história de vida honrada, uma mulher de muita fé. Eu tenho um sonho que no dia da eleição, o brasileiro não vai votar por medo nem por desesperança, ele vai votar por esperança de um mundo melhor. Que ele escolha aquele candidato que ele ache melhor. Aquele que tenha a melhor proposta. Na minha visão, quem tá discutindo proposta é o Ciro Gomes, e se Deus me der a honra, eu vou surpreender, lutando bravamente, sendo a melhor vice-presidente que esse país já viu, não por ser Ana Paula, mas que eu vou estar na comunidade ouvindo as pessoas, eu vou estar na academia, eu vou estar nas organizações sociais, e eu vou estar também nos ambientes de negócios, no mundo empresarial.

[Kennedy Alencar]: Ok, candidata, o nosso tempo terminou, mas eu queria dar um minuto pra senhora fazer suas considerações finais.

[Ana Paula Matos]: Minhas considerações finais é primeiro dizer obrigada. Obrigada a vocês pelo espaço, obrigada pra quem me escutou, e obrigada a Deus pela oportunidade de me apresentar. É dizer ao Brasil que lá onde você não enxerga, a pessoa que não tá na televisão pode estar fazendo um trabalho lindo. Eu faço como vice-prefeita. Eu já tenho um certo holofote regional. Mas tem pessoas nas comunidades mudando vidas. Então eu quero dizer que é pelo preparo que Ciro Gomes merece e pode ser o próximo presidente do país. Tem conhecimento, tem formação, tem ficha limpa, mas o que define o governante na minha cabeça são três coisas: conhecimento, o preparo, extremo amor pelo seu povo e pela sua terra, e condição, vontade de servir, de lutar bravamente. Então pra vocês, o meu muito obrigada, pra você que tá em casa, eu me apresento como professora, como petroleira, como brasileira, como alguém que valoriza o estudo e o trabalho, e que quer, se você permitir, ter a honra de te representar e te servir como mulher, como especialista de políticas públicas, mas sobretudo como cidadã apaixonada por esse país e uma pessoa de muito amor e de muita fé.

[Kennedy Alencar]: Candidata, olha, agradeço muito a entrevista da senhora, muito obrigado. Até uma próxima oportunidade.

[Ana Paula Matos]: Eu agradeço, Kennedy, agradeço, Fernanda, que pena que não falamos sobre a área internacional. Te agradeço, Sakamoto. Que Deus permita que vocês continuem honrando a profissão e sendo sempre essas pessoas de bem que estão aí lutando por um futuro melhor.

[Kennedy Alencar]: Obrigado. Fernando, obrigado, até amanhã.

[Fernanda Mena]: Obrigada, bom dia a todos.

[Kennedy Alencar]: Sakamoto, obrigado.

[Leonardo Sakamoto]: Obrigado, Kennedy, Fernanda, obrigado pela presença.

[Kennedy Alencar]: E eu agradeço a sua audiência. Amanhã a gente vai ter uma sabatina com o ex-governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, do PSB, que é candidato a vice do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT. E o Braga Netto, vice do presidente Jair Bolsonaro, foi convidado, mas não respondeu até agora se vem ou não. Muito obrigado pela sua audiência, um abraço e até a próxima.