Troca de corregedor do TSE deve desacelerar processos contra Bolsonaro

O ministro Benedito Gonçalves, 69, deixa hoje o Tribunal Superior Eleitoral com decisões duras impostas ao bolsonarismo, em ações que definiram a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL) até 2030. Ele passará o bastão da corregedoria para Raul Araújo, mais alinhado a Bolsonaro. Internamente, é esperado que a mudança desacelere o andamento dos processos contra o ex-presidente.

Aliado de primeira hora

O presidente da Corte, Alexandre de Moraes, e Benedito mantiveram desde a eleição um forte alinhamento, com ambos sendo vistos juntos em diversas ocasiões dentro e fora do tribunal. A proximidade ocorreu principalmente no andamento das chamadas ações de investigação eleitoral.

Este tipo de processo pode levar à inelegibilidade de um candidato e, quando Benedito assumiu a corregedoria eleitoral, o gabinete contava com 17 ações destas contra Bolsonaro.

Nos bastidores, Moraes sinalizou a Benedito a importância de o TSE julgar ao menos uma ação contra o ex-presidente ainda no primeiro semestre de 2023, especialmente após os atos golpistas de 8 de janeiro, e outros seis processos antes de ele deixar o mandato.

Dentro da Corte, a condenação do ex-presidente era dada como certa, mas era importante que, além do mérito do processo, os recursos de Bolsonaro fossem julgados sob a gestão de Benedito.

Benedito garantiu a Moraes que daria celeridade. E cumpriu a promessa. Ao longo da instrução, o ministro fez tramitação conjunta de processos que envolviam o mesmo tema, como as lives do Alvorada e o uso eleitoral do 7 de Setembro, e colheu depoimentos que eram usados em ações distintas.

O ministro ainda incluiu provas adicionais à ação sobre reunião dos embaixadores, como transcrições de lives realizadas por Bolsonaro em 2021, e a minuta de teor golpista encontrada com o ex-ministro Anderson Torres.

27.jun.2023 - Ministro Benedito Gonçalves, relator de ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no TSE
27.jun.2023 - Ministro Benedito Gonçalves, relator de ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no TSE Imagem: Antonio Augusto/Secom/TSE

As medidas "turbinaram" o processo contra o ex-presidente. O TSE julgou e condenou Bolsonaro à inelegibilidade pela primeira vez em junho. Já os recursos foram rejeitados em setembro.

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O trâmite rápido ainda permitiu o julgamento de outras cinco ações contra o ex-mandatário antes da saída de Benedito.

Só em outubro, o TSE absolveu Bolsonaro em três ações sobre lives no Alvorada e condenou o ex-presidente em outras duas pelo uso eleitoral do 7 de Setembro, levando à inelegibilidade do general Walter Braga Netto, o plano "A" do PL para a disputa no Rio de Janeiro em 2024.

Em sua última semana na Corte, Benedito ainda condenou monocraticamente Bolsonaro e Braga Netto em um terceiro processo sobre o Bicentenário da Independência. A decisão pegou até integrantes do TSE de surpresa.

Também deu andamento a uma ação do PDT por suposto desvio de finalidade no discurso de Bolsonaro na Assembleia-Geral da ONU.

A atuação célere foi elogiada por integrantes do TSE ouvidos sob reserva pelo UOL, que apontam o "comprometimento" do ministro em dar um andamento rápido aos processos.

Ao se despedir do TSE, Benedito relembrou a fala dita por Moraes durante a cerimônia de posse do presidente da Corte.

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"Ele disso, 'a plena liberdade do eleitor depende da tranquilidade e da confiança nas condições democráticas e no processo eleitoral'. Fui guiado nessa visão e pautei minha visão como corregedor, principalmente no pleito do ano passado"
Benedito Gonçalves, corregedor eleitoral

O presidente do TSE se despediu do colega afirmando que o ministro é "um homem justo, trabalhador e extremamente leal". "E homem de uma bondade, e eu acrescentaria, de uma humildade inigualáveis", afirmou Moraes.

Defesa de Bolsonaro criticou rito de Benedito

Em várias sessões na Corte, o advogado Tarcísio Vieira de Carvalho Neto questionou o "rito anômalo" adotado por Benedito, afirmando que o ministro acelerou ações para garantir o julgamento, mesmo que os processos não estivessem prontos para ir ao plenário.

As garantias do contraditório e do devido processo legal não podem ser colocadas abaixo do valor da celeridade. A incidência da celeridade é importante, mas a certeza jurídica é mais importante que a celeridade, ou seja, preferimos sentenças justas às sentenças rápidas e não justas.
Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, advogado de Bolsonaro no TSE

As queixas, porém, não comoveram o corregedor e nem os demais integrantes da Corte ao longo dos julgamentos do ex-presidente.

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Sem Benedito, ações devem "desacelerar"

Com a saída de Benedito do TSE, a corregedoria eleitoral ficará com o ministro Raul Araújo, que deu votos mais alinhados a Bolsonaro. Segundo integrantes da Corte, a expectativa é que o trâmite célere de Benedito dará lugar a um ritmo mais lento sob Araújo.

A avaliação deriva de duas razões. A primeira é que Araújo precisará de tempo para se inteirar completamente dos processos deixados por Benedito. A segunda é que, mesmo com a saída do ministro, a ala mais alinhada a Bolsonaro segue uma minoria no TSE.

"Teremos um semestre mais morno", disse um ministro ao UOL em caráter reservado.

Hoje, por exemplo, Raul pediu vista e suspendeu o julgamento de uma representação que mira a campanha de Bolsonaro por tuítes que associaram Lula ao PCC.

27.jun.23 - Ministros Nunes Marques e Raul Araújo em sessão do TSE
27.jun.23 - Ministros Nunes Marques e Raul Araújo em sessão do TSE Imagem: Antonio Augusto/TSE
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Um dos principais casos que Raul Araújo herdará de Benedito será a ação que mira um "ecossistema da desinformação" na campanha bolsonarista de 2022.

Além de Bolsonaro e Braga Netto, o processo tem entre seus alvos os três filhos do ex-presidente: Flávio, Carlos e Eduardo, e outros 40 aliados do ex-mandatário, como Ricardo Salles (PL-SP), Mario Frias (PL-SP), Alexandre Ramagem (PL-RJ) Carla Zambelli (PL-SP) e Bia Kicis (PL-DF).

Benedito tentou dar celeridade ao processo, mas a ação é considerada uma das mais complexas no TSE - até pela quantidade de investigados sobre o tema espinhoso envolvendo desinformação. Soma-se a isso que parte dos investigados não foram intimados pelo TSE, o que torna a instrução ainda mais demorada.

Advogados que acompanham as ações no TSE avaliam que Araújo poderá dar uma tramitação lenta ao processo e esperar mudanças na composição do tribunal para levar o caso ao plenário.

Em agosto do ano que vem, Moraes deixará a Corte Eleitoral e será substituído por André Mendonça, indicado por Bolsonaro, o que poderia fortalecer a ala mais alinhada ao ex-presidente.

Ministra que substitui Benedito é incógnita

A saída de Benedito Gonçalves também leva a ministra Isabel Gallotti, do Superior Tribunal de Justiça e atual ministra substituta do TSE, à posição de titular. De perfil discreto, a postura dela é uma incógnita até para integrantes do tribunal e ficará na Corte até 2025.

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Como mostrou a colunista Carolina Brígido, uma ala avalia que ela pode ser mais alinhada ao grupo de Raul Araújo.

22.ago.2023 - A ministra Isabel Gallotti durante evento no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília
22.ago.2023 - A ministra Isabel Gallotti durante evento no Superior Tribunal de Justiça, em Brasília Imagem: Emerson Leal/STJ

Esses ministros citam a decisão de Gallotti nas eleições que deu direito de resposta a Bolsonaro contra a campanha de Lula - a medida foi derrubada pelo plenário dois dias depois - e a proximidade do marido da magistrada com Bolsonaro.

Gallotti é casada com o ministro Walton Alencar Rodrigues, do Tribunal de Contas da União, que já recebeu Bolsonaro em jantares durante o mandato.

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