Governo despejou R$ 21 bilhões extras na mão de eleitores durante campanha
Desde agosto, mês de início da campanha eleitoral, o governo federal aumentou em pelo menos R$ 21 bilhões os repasses de dinheiro direto para eleitores que são beneficiários de programas sociais.
O ritmo da transferência de recursos para os eleitores ganhou velocidade em outubro, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) tenta reverter a diferença de 6,2 milhões de votos que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve no primeiro turno.
Não é possível saber o número total de pessoas impactadas pelo montante porque cada uma pode receber mais de um benefício. Para referência, o total de beneficiários do Auxílio Brasil é de 21,1 milhões de pessoas —em famílias que vão de uma a oito pessoas.
Os cálculos foram feitos pelo UOL a partir de dados oficiais e consideram sete mudanças na concessão de benefícios ocorridas a partir de agosto. Procurada, a Presidência da República não respondeu.
A medida de maior impacto é o aumento de R$ 400 para R$ 600 no Auxílio Brasil, válido de agosto a dezembro. A mudança destinou aos beneficiários R$ 10,9 bilhões adicionais, até agora.
Outros R$ 4,6 bilhões foram gastos com 3 milhões de novos beneficiários que entraram no programa desde agosto —só em outubro, houve um acréscimo de quase 500 mil beneficiários. Antes disso, de fevereiro a julho, o número de beneficiários tinha ficado estável.
O resultado está se refletindo nas pesquisas. De acordo com o Datafolha de 19 de outubro, em apenas cinco dias, Bolsonaro foi de 33% para 40% entre quem diz receber Auxílio Brasil. Já Lula passou de 62% para 56%.
Já após o primeiro turno, a Caixa Econômica Federal começou a conceder dinheiro para beneficiários do Auxílio Brasil e do Benefício de Prestação Continuada (BPC), com um empréstimo consignado cujo lastro é o próprio valor mensal pago pelo governo.
Em apenas três dias de operação, de 11 a 13 de outubro, a Caixa distribuiu R$ 1,8 bilhão aos beneficiários dos programas sociais (em média, R$ 2.600 em cada empréstimo, cuja taxa de juros é de 50% ao ano). O UOL solicitou dados atualizados, mas a Caixa —um banco público com dever de dar transparência a seus atos— não respondeu.
Outras 13 instituições financeiras privadas foram autorizadas a emprestar o consignado do Auxílio Brasil. A reportagem entrou em contato com todas. Confirmaram ter concedido créditos: Banco Pan e Zema Financeira —ligada à família do governador reeleito de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), apoiador de Bolsonaro.
As instituições, no entanto, não informaram o volume emprestado. O Banco Pan já teria ultrapassado R$ 1 bilhão, segundo coluna de Míriam Leitão no jornal O Globo —valor não incluído nos cálculos do UOL.
Caminhoneiros, taxistas e auxílio gás
Outras mudanças que ampliaram o repasse de dinheiro desde agosto foram o Benefício Caminhoneiro e o Benefício Taxista, no valor de R$ 6.000, pagos à prestação. As duas primeiras parcelas foram pagas concedidas em agosto, de uma só vez. Em setembro e outubro, a terceira e a quarta partes.
Após o primeiro turno, o governo anunciou que avalia pagar uma parcela adicional, no fim do ano, e também antecipou as datas de pagamento das parcelas finais, em novembro e dezembro.
No total, os caminhoneiros receberam R$ 1,49 bilhão até agora, segundo o Ministério do Trabalho e Previdência. Já os taxistas, R$ 1,23 bilhão. O número total de beneficiários passa de 650 mil.
Outra mudança em auxílios sociais iniciada a partir de agosto foi a duplicação do valor do Auxílio Gás. Antes, o benefício custeava metade do valor médio do botijão de gás a cada dois meses. A partir de agosto, passou a bancar a totalidade do botijão.
A mudança aumentou os repasses em R$ 630 milhões de agosto a outubro, segundo cálculos do UOL. O número de beneficiários também aumentou em 300 mil, o que elevou as transferências de recursos em mais R$ 34 milhões.
Regras para acomodar novos gastos em ano eleitoral
Desde 1997, quando foi aprovada uma ampla reforma na legislação eleitoral, os governos federal, estaduais e prefeituras passaram a conviver com restrições dos gastos durante os períodos de eleição, que impediam, por exemplo, a criação de novas despesas ou a distribuição de benesses em período de campanha.
Isso mudou em julho deste ano, quando Bolsonaro conseguiu o apoio do Congresso para aprovar uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que permitiu a expansão de programas sociais durante o período eleitoral. A alegação usada para aprovar a PEC foi a de que o Brasil vivia um estado de emergência nacional.
Das sete medidas consideradas pelo UOL, seis foram autorizadas pela PEC. A exceção é o consignado do Auxílio Brasil, previsto em medida provisória da Presidência da República aprovada também em julho.
"O desmonte dos mecanismos de controle de gastos já vinha ocorrendo desde o ano passado, mas o problema da PEC 'Kamikaze' não foi só o aumento de despesa. Mas também acabar com qualquer tipo de restrição de gasto em tempo de eleição, algo que o país vinha respeitando desde os anos 1990", interpreta o ex-diretor de assuntos internacionais do Banco Central Alexandre Schwartsman.
Para o economista, o afrouxamento das regras deve ser visto como um exemplo de degradação institucional. As restrições, diz ele, foram criadas para impedir quem está no poder de cair numa "tentação" de criar novos gastos em período eleitoral, às custas do caixa do Estado e das políticas públicas de médio e longo prazos.
Um exemplo das restrições que a lei tinha antes da PEC foi o que aconteceu em Alagoas, onde a Justiça Eleitoral do Estado suspendeu um programa de distribuição de 100 mil cestas básicas pelo governo estadual, iniciado em junho.
"[A PEC] criou um estado de emergência que não existia para justificar o pagamento de benefícios que estão fora do orçamento, na véspera da eleição. Sem dúvida alguma, isso caracteriza uma política pública com fins eleitorais", diz Gustavo Fernandes, professor do departamento de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas).
Segundo ele, o gasto do governo tende a ter um grande impacto na economia. "Como as pessoas vão pegar esse dinheiro e pagar suas dívidas, gastar em consumo, fazer reparos em casa, isso move a economia local, o mercado, a quitanda, a distribuidora de gás", exemplifica.
Gasolina barata à força
Se com uma mão o governo distribui bilhões de reais aos eleitores, com a outra o Estado abre mão de R$ 32 bilhões em receitas de impostos sobre os combustíveis para provocar, desde junho, quedas nos preços da gasolina, do diesel e do gás de cozinha. Este valor representa apenas o quanto a União deixou de arrecadar com a isenção de PIS/Cofins (tributos federais).
Importadores de combustíveis também acusam a Petrobras de ignorar as oscilações do preço internacional do barril de petróleo e manter artificialmente baixos os preços nas refinarias da gasolina e do diesel durante o atual período.
Segundo um relatório da Abicom (Associação Brasileira de Importadores de Combustíveis) publicado nesta quinta (20), a defasagem do valor do diesel vendido pela estatal é de até R$ 0,77 por litro em relação aos preços internacionais; no caso da gasolina (sem reajuste há 48 dias), a diferença é de até R$ 0,53 por litro.
Ao todo, segundo a IFI (Instituição Fiscal Independente), um centro de estudos ligado ao Senado, o impacto do conjunto de todas as "bondades" concedidas pelo governo — do aumento do Auxílio Brasil à renúncia de cobrar impostos — vai custar neste ano R$ 114 bilhões.
Além dos repasses diretos e corte de impostos durante a campanha, o governo também anunciou, nos últimos dias, medidas que terão impacto no erário e no caixa de bancos públicos, como financiamento de imóveis com créditos futuros do FGTS e promessa de R$ 1 bilhão em empréstimos para mulheres empreendedoras.
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