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Presidência mandou alterar cartão do Auxílio e incluiu símbolo de campanha

No alto, cartão do Auxílio Brasil aprovado pelo Ministério da Cidadania, em janeiro; abaixo, a versão alterada pela Presidência, com a bandeira do Brasil; do lado direito, Bolsonaro em live de 29 de setembro - Arte/UOL
No alto, cartão do Auxílio Brasil aprovado pelo Ministério da Cidadania, em janeiro; abaixo, a versão alterada pela Presidência, com a bandeira do Brasil; do lado direito, Bolsonaro em live de 29 de setembro Imagem: Arte/UOL

Do UOL, em São Paulo

12/10/2022 04h00

A Presidência da República determinou, em abril, a troca da estampa do cartão do Auxílio Brasil para incluir a bandeira nacional, principal símbolo usado pela campanha à reeleição de Jair Bolsonaro (PL).

"Comunico novo leiaute de cartão do PAB [Programa Auxílio Brasil], definido pela Presidência da República, em anexo", diz ofício de 5 de abril enviado pelo Ministério da Cidadania para a Caixa Econômica Federal, responsável pela produção e emissão dos cartões. O anexo continha um novo modelo do cartão, estampado com a bandeira.

Na época, o Ministério da Cidadania já tinha aprovado um cartão com fundo verde-escuro liso. Cerca de 20 mil unidades chegaram a ser produzidas e enviadas para beneficiários no Distrito Federal, em fase de teste.

A interferência da Presidência da República levou a Caixa a reformular o visual do cartão antes do início da emissão em massa. Desde junho, quase 7 milhões de unidades foram distribuídas — o equivalente a cerca de um terço dos beneficiários.

O cartão do Bolsa Família — programa extinto por Bolsonaro em novembro de 2021, depois de 18 anos em vigor, para dar lugar ao Auxílio Brasil — tinha fundo amarelo neutro, sem nenhuma alusão a símbolos usados pelo PT, como a cor vermelha.

Além de usar a bandeira em sua campanha, Bolsonaro já estimulou apoiadores a ostentarem o símbolo. "Hoje, o povo identifica a bandeira comigo, com os nossos candidatos pelo Brasil, com as pessoas de bem", disse Bolsonaro no início de setembro, em live nas redes sociais.

"A bandeira está conosco e vamos continuar com ela. Eu faço um pedido agora, até as eleições: quem puder, compra uma bandeira e bota na porta de casa. Bote uma bandeirinha do Brasil no seu carro, para mostrar que você ama sua pátria e que você tem lado."

"Estamos diante de fortes indícios de abuso de poder político, tentando atrelar esse símbolo — identificado pessoalmente com Bolsonaro — a um benefício concedido em época eleitoral. A mensagem da Presidência da República determinando a mudança do cartão, quando já havia uma outra versão aprovada, reforça esses indícios", acrescenta a especialista em direito constitucional Eloísa Machado, professora da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

"Há muitas evidências de que a Presidência da República está alterando políticas sociais e econômicas com propósitos eleitorais e que isso está escapando do controle das devidas instituições", fala Machado. Além de alterar o leiaute e emitir um número recorde de cartões, o governo Bolsonaro ampliou o valor do benefício de agosto a dezembro deste ano, antecipou datas de pagamento em agosto e outubro e aprovou a concessão de crédito consignado a partir deste mês.

"É inegável que esse símbolo [a bandeira], hoje, representa um grupo político. O cidadão brasileiro sabe disso. É como se [o governo] estivesse dizendo, sub-repticiamente, que é ele quem está dando o dinheiro, até como meio de provocar uma 'gratidão' que pode se refletir em um eventual voto", diz Laura Amando de Barros, especialista em direito do Estado e professora do Insper.

Procurados por e-mail e telefone, a Presidência da República e o Ministério da Cidadania não se manifestaram.

Ofício do Ministério da Cidadania informando novo leiaute do cartão do Auxílio Brasil "definido pela Presidência da República" - Arte/UOL - Arte/UOL
Ofício do Ministério da Cidadania informando novo leiaute do cartão do Auxílio Brasil "definido pela Presidência da República"
Imagem: Arte/UOL

Alteração no leiaute do cartão para incluir a bandeira

O Auxílio Brasil foi lançado sem ter um cartão próprio. O acesso ao benefício se dava via app, direto na Caixa Econômica Federal ou usando cartões da época do Bolsa Família.

A negociação para a produção de um novo cartão começou logo em seguida. Documento interno da Caixa de dezembro de 2021 previa que o leiaute teria a "identidade visual do programa" — na época, apenas a cor verde-escura, sem bandeira.

O documento também previa que o leiaute do cartão seria "aprovado pelo Ministério da Cidadania", sem qualquer menção à Presidência da República.

As comunicações internas do Ministério da Cidadania mostram que, em reunião no dia 14 de dezembro, o órgão apresentou para a Caixa uma primeira proposta visual para os cartões. A partir da sugestão, o banco elaborou uma sugestão e a enviou para aprovação do ministério. Em 14 de janeiro, a pasta deu aval para a produção de um modelo com o fundo verde-escuro liso.

Foi essa versão que começou a ser distribuída no Distrito Federal. Também foi usada em propagandas e eventos sobre o Auxílio Brasil. O próprio Bolsonaro chegou a posar para foto com um modelo gigante deste cartão.

No entanto, cerca de três meses depois, em 5 de abril, o Ministério da Cidadania enviou um ofício para a Caixa intitulado "novo leiaute para os cartões do Programa Auxílio Brasil". Foi esse documento que comunicou o modelo "definido pela Presidência da República", com a bandeira do Brasil.

O ofício é assinado pelo bispo evangélico Átila Brandão de Oliveira Junior, secretário Nacional de Renda de Cidadania. Suas fotos nas redes sociais também têm a bandeira do Brasil ao fundo.

Em 14 de abril, a Caixa respondeu ao ofício com novas versões do cartão, criadas a partir do leiaute da Presidência. Em anexo, enviou o arquivo "Cartao_Auxilio_Brasil_Bandeirado" e pediu validação imediata do ministério, "para darmos prosseguimento à produção das provas digitais e físicas dos cartões junto aos nossos fornecedores".

"Essa mudança de procedimento no meio do caminho causa muita estranheza. É quebra de impessoalidade, que é tratar todas as situações de forma igual. [A Presidência da República] não pode pinçar uma situação e dar um tratamento específico, diferente da rotina", considera Laura Amando de Barros, do Insper.

Distribuição em massa de cartões do Auxílio

A distribuição em massa do cartão do Auxílio Brasil começou no final de junho. Em apenas três meses, foram entregues 6,6 milhões de novos cartões, um recorde.

É o dobro do número de cartões do Bolsa Família distribuídos ao longo dos 34 meses em que o programa ficou sob gestão de Bolsonaro, segundo dados recebidos pela Lei de Acesso à Informação — 3,3 milhões de unidades.

Em 19 de setembro, outros 4 milhões de cartões do Auxílio Brasil foram negociados pelo governo com a Caixa. Desses, 950 mil começaram a ser emitidos quatro dias antes do primeiro turno — a Caixa não respondeu qual é a previsão de data de entrega.

No total, o custo dos mais de 10 milhões de cartões do Auxílio Brasil contratados pelo governo federal é de R$ 150 milhões.

Após o primeiro turno, apoiadores de Bolsonaro publicaram mensagens nas redes sociais pedindo mais cartões do Auxílio Brasil, para substituir os remanescentes do Bolsa Família.

"O cartão do Auxílio Brasil ainda está com a logo antiga do Bolsa Família, não é possível que o governo não se atentou pra isso. Bolsonaro paga e Lula leva a fama", respondeu um perfil no Twitter para Filipe Martins, assessor especial da Presidência, em 4 de outubro. Na mensagem, Martins falava sobre a votação no Nordeste, onde Lula venceu no primeiro turno.

Bolsonaro em entrega simbólica do cartão do Auxílio Brasil, em 24 de fevereiro de 2022, antes da Presidência alterar o leiaute para incluir a bandeira nacional - Isac Nóbrega/PR - Isac Nóbrega/PR
Bolsonaro em entrega simbólica do cartão do Auxílio Brasil, em 24 de fevereiro de 2022, antes da Presidência alterar o leiaute para incluir a bandeira nacional
Imagem: Isac Nóbrega/PR

Tribunais favorecem uso da bandeira pela campanha

Em 30 de agosto, após reportagem do UOL mostrar a entrega de cartões durante a campanha eleitoral, parlamentares entraram com representação no TCU (Tribunal de Contas da União) por verem afronta ao princípio da impessoalidade e à vedação da promoção pessoal.

"É notório o fato de que as cores verde e amarela têm sido utilizadas não só pelos apoiadores do Presidente da República, como por sua própria campanha presidencial", diz o texto, assinado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB) e pelos deputados federais Tabata Amaral (PSB) e Felipe Rigoni (União Brasil).

Em 19 de setembro, o TCU decidiu não acolher a representação. "A bandeira nacional é um símbolo nacional. (...) Portanto, o uso da cor oficial verde e da bandeira nacional em cartão de benefício assistencial do governo federal não caracteriza irregularidade", considerou o ministro Augusto Sherman.

Em agosto, o ministro Alexandre de Moraes, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), barrou peça publicitária do governo federal sobre os 200 anos da Independência do Brasil, que tinha como slogan "futuro verde e amarelo". Depois, voltou atrás, com ressalvas.

Em julho, uma juíza eleitoral do Rio Grande do Sul declarou que o uso da bandeira nacional poderia configurar propaganda eleitoral irregular, por ser "utilizada por diversas pessoas como sendo um lado da política". Em seguida, o Tribunal Regional Eleitoral gaúcho decidiu em sentido contrário.

Já em 2014, o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo foi acionado por suposta propaganda irregular do PT pelo uso de tinta vermelha nas ciclovias da capital paulista, à época administrada por Fernando Haddad — hoje candidato a governador do estado pelo partido. O órgão, porém, esclareceu que o vermelho nada tinha a ver com o PT, mas era um padrão para ciclovias, adotado pelo Conselho Nacional de Trânsito.