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Passe livre a bolsonaristas: Caminhoneiros fazem 'bloqueio seletivo' no RJ

31.out.2022 - Mulher tem passagem liberada em bloqueio de caminhoneiros após exibir faixa de apoio - Lola Ferreira/UOL
31.out.2022 - Mulher tem passagem liberada em bloqueio de caminhoneiros após exibir faixa de apoio Imagem: Lola Ferreira/UOL

Do UOL, em Barra Mansa (RJ)

31/10/2022 21h57

O bloqueio por caminhoneiros apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL) na altura do km 281 da via Dutra, na altura de Barra Mansa (RJ), já passa de 20 horas. O grupo —sem liderança identificada— permite apenas a passagem de alguns veículos —como aqueles que tenham crianças ou idosos ou sejam identificados com o bolsonarismo. O movimento também repete teses golpistas e hostiliza a imprensa.

Oficialmente, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) informou ao UOL que negociou com os caminhoneiros a liberação de carros de passeio com crianças, gestantes ou idosos, além de ônibus de viagem. No entanto, aqueles que manifestam apoio a Bolsonaro, derrotado na sua tentativa de reeleição, também conseguem passar pelo bloqueio.

A reportagem testemunhou que ao menos três carros —que não se encaixavam nos critérios estabelecidos— conseguiram seguir viagem quando seus motoristas comprovaram ser eleitores de Bolsonaro.

Uma motorista tirou de dentro do seu automóvel uma faixa com os dizeres "caminhoneiros, vocês são o orgulho do Brasil". Após tirar fotos e entregar aos caminhoneiros o cartaz —que foi exposto em um dos primeiros caminhões da fila no sentido São Paulo—, ela conseguiu seguir viagem.

A PRF não fez, contudo, nenhum movimento para intervir —seja para avançar negociações ou para questionar a ação dos manifestantes. Em alguns momentos, policiais eram vistos rindo e conversando com os caminhoneiros responsáveis pelo bloqueio.

Durante a tarde, a poucos metros do bloqueio, em um estacionamento, duas viaturas da Polícia Militar também observavam o movimento. Ao lado, uma tenda foi montada para receber doações de água, marmitas, biscoitos e sucos para os caminhoneiros.

Quem entregava os mantimentos eram moradores de bairros próximos ou entregadores em moto, com doações de comércios locais, que manifestaram apoio ao movimento por não concordar com o resultado das eleições e querer "mudança" no pleito que deu a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) seu terceiro mandato. Não há qualquer indício de fraude eleitoral que coloque em xeque a vitória do presidente eleito.

Motoristas reclamam de duração do bloqueio

Nos mais de 10 km de congestionamento em cada um dos sentidos da via Dutra, após mais de 12 horas de bloqueio, até aqueles identificados com a pauta bolsonarista começavam a reclamar. Um motorista abandonou seu carro de passeio e andou até o ponto de bloqueio para pedir autorização para seguir viagem.

Ele se dizia eleitor de Bolsonaro e também descontente com a vitória de Lula, mas questionava criticamente o ato. "Vou ficar aqui até quando?", disse o motorista, argumentando que precisava voltar ao trabalho. Os homens e as mulheres que organizavam as liberações não permitiram sua passagem.

Ainda que houvesse permissão, o tamanho do engarrafamento impedia carros muito distantes do ponto de bloqueio de avançar, já que não havia pista disponível. Esse era o problema enfrentado por outros veículos já autorizados pelos manifestantes. Ônibus de viagem e carros de passeio dentro dos critérios estabelecidos não conseguiam seguir viagem.

A recomendação da CCR Dutra, em sua rádio FM, era que motoristas evitassem trafegar na via.

Pedido de intervenção militar e falas contra Lula dominam movimento

Apesar de não ter liderança identificada, esse grupo de aproximadamente 30 pessoas organiza a manifestação de forma orgânica, segundo eles, até que o Exército esteja nas ruas contestando a vitória de Lula. Esta, inclusive, era a condição para interromper o bloqueio: uma intervenção militar no processo eleitoral.

Enquanto esteve no local, a reportagem ouviu a repetição de discursos já desmentidos pela campanha de Lula e também pela imprensa.

Há quem afirme que cada voto único para Lula na urna eletrônica tenha contado como dois, o que não é verdade, e quem insista que o petista implantará "o comunismo" no Brasil. Outros bradavam que não aceitariam um "bandido" na cadeira da Presidência da República.

Em outro ponto da via Dutra, um caminhoneiro respondeu sobre as intenções do bloqueio. Ele questionou a diferença de pouco mais de 2 milhões de votos no resultado da eleição presidencial.

"É para não aceitar alguém com tornozeleira eletrônica como presidente", disse, ignorando que Lula nunca fez uso desse tipo de mecanismo de controle e não tem condenações pendentes na Justiça.

Imediatamente, um outro caminhoneiro levantou a calça e mostrou, ele sim, uma tornozeleira eletrônica em sua perna direita. "Hoje isso é moda", disse ele, complementando com uma explicação evasiva sobre crimes de violência contra a mulher.

Um terceiro caminhoneiro falou à reportagem que pretendem permanecer no local "até o resultado da eleição mudar", mas confidenciou que, "sinceramente, ninguém sabe muito o que está fazendo aqui".

Imprensa é hostilizada durante cobertura

No posto Flumidiesel, principal ponto de concentração dos caminhoneiros na altura do município de Barra Mansa, a todo momento repetiam o bordão "faz o L", em alusão irônica à vitoriosa campanha petista.

A fala se repetiu, sempre em tom de ironia, no meio de uma discussão dos caminhoneiros com profissionais de imprensa. A confusão começou quando o cinegrafista de um veículo estrangeiro entrevistou um caminhoneiro dentro da boleia e foi questionado pelo grupo.

Obrigado a mostrar as imagens, o cinegrafista precisou argumentar sobre a importância de sua reportagem. Enquanto falava com aproximadamente 15 pessoas, um outro homem o acertou com uma garrafa de plástico na cabeça.

Logo após, começaram gritos irônicos e questionamentos ao trabalho da imprensa. A partir desse ato, a imprensa decidiu deixar o local.

Antes disso, a reportagem do UOL foi hostilizada ao fazer um pedido de entrevista.

Na noite de hoje, a Justiça Federal determinou a liberação de rodovias federais no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Pará e Goiás.

No Rio, o juiz federal Siqueira D'Alessandri Forti determinou que as forças policiais liberem todas as rodovias federais e identifique os responsáveis pelos bloqueios, contra os quais será aplicada multa de R$ 5.000 por cada hora de descumprimento da decisão judicial.

Também deverão identificar os caminhoneiros envolvidos e seus veículos.