Cidade mais lulista lutou por título e ganhou bombom dos mais bolsonaristas

Enquanto o Brasil inteiro se concentrava na disputa voto a voto entre Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Jair Bolsonaro (PL), o município de Guaribas, no interior do Piauí, tinha uma aflição a mais no último domingo: seus habitantes não queriam perder o posto de cidade mais lulista do país.

Nas ruas e nas redes, eles "disputavam" com municípios da região para ver quem pintava de vermelho mais forte o mapa do Brasil. Com diferença de apenas 0,75 ponto percentual para uma cidade vizinha, Guaribas saiu vitoriosa.

"O título é nosso. Conseguimos de novo", dizia a dona de casa Eldiene Maia, de 37 anos, sobre o primeiro lugar na lista das cidades brasileiras com maior taxa de votação para Lula. Em Guaribas, 93,86% dos 3,1 mil eleitores apertaram o 13 na eleição —o maior percentual do país.

Nenhuma cidade do Piauí deu vitória a Bolsonaro. Na média nacional, Lula teve 50,9% dos votos.

Disputa com Fartura. No primeiro turno, Guaribas já era a primeira colocada entre as mais lulistas. Na eleição de 2018, também havia conseguido o posto. A meta era só manter o pódio, mas as "ameaças" vinham de perto e de longe. O município de Fartura do Piauí, a 144 km dali, estava na cola pelo troféu.

"A gente falava: 'Não vamos deixar Fartura tomar nosso título, não'. Estávamos de olho nela e nas cidades de Pernambuco", brinca Eldiene, que saiu para votar no último domingo com um chapéu de cangaceira, uma toalha de Lula pendurada nos ombros e os óculos em formato de estrela vermelha.

Visita de bolsonaristas

Às vésperas do segundo turno, uma visita inesperada também causou alvoroço na cidade de poucos habitantes e raros acontecimentos. Eleitores de Bolsonaro, que vieram do sul do país, fizeram uma parada em Guaribas.

Os forasteiros saíram de Gramado e passaram em Nova Pádua (RS) — o "pequeno paraíso italiano" e cidade mais bolsonarista do Brasil — onde pegaram um vinho para levar de lembrança a Guaribas.

O objetivo da caravana, segundo disseram os gaúchos aos guaribanos, era conhecer a realidade da cidade piauiense e entender por que dava tantos votos para Lula. Os sulistas também levaram chocolates de presente ao Piauí.

"Mas chegaram meio derretidos", conta o vereador Raelson de Oliveira, de 25 anos, que recepcionou a dupla na cidade.

Dias antes, áudios sem autoria que circularam no WhatsApp dos moradores ameaçavam "acabar com a cidade, que só pensa em Lula, Lula, Lula". As mensagens imitavam o sotaque gaúcho e, por isso, os moradores de Guaribas, por precaução, preferiram nem comer os bombons trazidos pelos visitantes — não há qualquer ligação entre as mensagens e os forasteiros.

"Eles davam caixas e caixas. As pessoas pegavam, mas não comiam porque tinham medo de ter veneno", conta a professora Márcia Silva, de 33 anos. O vereador teve de pedir desculpas aos gaúchos pela recepção acanhada em Guaribas. Os visitantes também se desculparam por constrangimentos, disse Oliveira.

Procurado, um dos visitantes não quis comentar o caso e disse se tratar de um projeto pessoal.

"Ninguém consegue convencer porque aqui a gente é Lula até se ele falar que não quer voto", diz Márcia, que também garante ser "a fã número do Brasil" e declara, aos risos, "amar aquele 'véio'".

Os moradores atribuem os 193 votos que Bolsonaro recebeu a uma parte da população que frequenta igrejas evangélicas e disse apoiar o atual presidente por causa dos "princípios de família".

Berço do Fome Zero

Já a ampla votação para o petista tem explicação na história da cidade. Guaribas foi escolhida por Lula no primeiro mandato para ser a cidade-piloto do programa Fome Zero, de erradicação da miséria. Na época, era a cidade mais pobre do país.

Os moradores afirmam que a vida em Guaribas melhorou: na região onde Eldiene nasceu, mais afastada do centro, não havia luz. Água encanada também faltava na cidade. E os moradores não tinham perspectiva de estudar.

Márcia conseguiu se formar em pedagogia. Eldiene fez curso para aprender a fazer salgados e abriu o próprio comércio —hoje administra uma pousadinha com o marido. O filho dela, Yuri, de 13 anos, sonha em estudar medicina e, em agosto deste ano, viajou a Teresina para ler pessoalmente uma carta a Lula.

Apesar dos avanços, Guaribas ainda tinha IDH entre os 100 piores do Brasil, segundo dados de 2010 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), e renda baixa.

A cidade lulista espera mais investimentos, redução no preço dos alimentos e... uma visita do presidente eleito.

Na noite da apuração do segundo turno, a festa na cidade — com forró e carneiro assado — foi até a manhã, ao som de buzinaço e do hit "Tá na hora do Jair já ir embora".

E, quando chegaram as primeiras informações de que Guaribas se manteve no pódio entre as mais lulistas do Brasil, os status de WhatsApp dos moradores foram tomados pela notícia do feito.

"Bolsonaro aqui não tem chance", sentencia Márcia. "Nem na cidade ele entra."