Escarcéu de Marçal após cadeirada é mais falso que nota de 3
No auge da disputa entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro na eleição presidencial mais apertada da história, só os eleitores mais exaltados cogitariam que as provocações de um contra o outro poderiam resultar em confronto físico durante algum debate de 2022. Não foram muitos, mas a tensão era evidente —e todos saíram sem arranhões.
Enquanto nas ruas eleitores digladiavam e, em casos extremos, se batiam e se matavam, uma linha imaginária parecia isolar os riscos de insultos verbais de descambarem em agressão real.
Na história política recente, essa linha deixou de existir desde domingo (15), com a cadeirada de José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB) em um debate para reunir propostas aos desafios da maior e mais rica cidade do país.
Como sempre, os memes produzidos em escala industrial disfarçam em alívio cômico o desconforto de uma guerra tribal iminente.
A lógica é a seguinte: se os candidatos que se propõem a cuidar da população fazem isso diante das câmeras, é porque a política deixou de ser um espaço de mediação de conflitos e se tornou o conflito em si.
Ninguém, afinal, consegue sentar e buscar consensos quando o assento é usado como arma de guerra. Dali em diante, tudo é permitido.
A deterioração do debate já era evidente, mas ela escala quando termina no hospital. É como se os candidatos gritasse aos eleitores: eu autorizo, pois também faço.
Marçal conseguiu o que buscava. Mas isso é bom pra ele?
Que Pablo Marçal conseguiu o que queria parece inegável. O problema, para ele, pode ser justamente esse.
A postagem-relâmpago, nas redes sociais, em que Marçal se compara a Donald Trump e Jair Bolsonaro, ícones da extrema direita da qual ele se porta como sucessor, escancaram a estratégia de explorar fragilidades emocionais de adversários e triunfar sobre eles. O efeito-rebote pode ser a irritação de Bolsonaro ou uma fatia do eleitorado que já não o engolia.
Ao ser agredido e se vitimizar, Marçal tentou vender ao público a ideia de que é tão perigoso para o "sistema" —ou para o "consórcio comunista"— que precisa ser fisicamente eliminado para não tomar o poder e limpar a estrutura por dentro.
Trump e Bolsonaro usaram as agressões sofridas em campanha de todas as formas e se deram bem.
Mas, entre os tiros disparados contra o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos e a facada que perfurou a barriga do então deputado, Marçal parece próximo apenas da bolinha de papel arremessada em José Serra nas eleições de 2010.
A cadeirada de José Luiz Datena deve ter doído um pouco mais, mas o escarcéu soou mais falso que nota de 3.
A equipe de Marçal emulou uma cena de "Plantão Médico" em direção ao hospital como se o candidato estivesse de fato entre a vida e a morte.
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Quero receberJá no leito hospitalar, a pulseirinha verde —que indica um paciente com problemas leves e não prioritários— delatou a farsa, desmontada de vez pela filmagem de um plantonista receitando medicamentos usados por quem acaba de bater o mindinho na quina da cama.
A choradeira foi a brecha para o candidato que vende masculinidade a granel e chama oponente de "arregão" virar meme.
Em um deles, com a imagem do inalador (desligado) e olhos fechados, é retratado como um funcionário levemente resfriado que mete atestado para não trabalhar.
Era um entre centenas de memes em que o empresário é ridicularizado e, no fim das contas, parece o elo frágil da história.
Sim, esta é uma briga entre meninos da escola, em que um tenta provar quem é mais macho que o outro. Em outra camada, é possível observar um duelo também entre um representante da velha mídia e um estrategista digital dito moderno. Ambos, por ironia, entraram na disputa na cota de outsiders.
Antes de cantar vitória, Marçal foi atropelado por um acessório analógico usado, geralmente, como cadeira. São muitas camadas para uma cena só.
Fora dos stories, Marçal não passa bem
Marçal conseguiu a agressão, como queria, mas, fora das redes que consegue administrar, perdeu o controle da história que queria contar.
No fim, ficou marcado como alguém que desrespeita, provoca e apanha de um senhor de 67 anos.
E, já que a disputa está nesse campo, os memes relacionando a cadeira ao "craque do jogo" ou dizendo que primeiro Marçal roubou idosos com golpes bancários e agora apanhou de um quase septuagenário não são exatamente abonadoras para quem vende por aí um curso chamado "Antifrágil".
Datena não tinha chance de ser eleito, segundo as pesquisas. Portanto, eleitoralmente, já não havia muito a perder (agora seguirá na campanha pela biografia ou para não dar o gosto ao oponente).
Marçal ainda estava na disputa e tinha na postura agressiva e debochada um paredão para minimizar a rejeição.
Agora ele é lembrado como o valentão que pratica bullying contra o menino deslocado da sala e acaba apanhando —como um vídeo antigo em que o alvo das chacotas reage e joga o provocador na lata de lixo.
No BlueSky, o jornalista Pedro Barciela contabilizou nas primeiras horas da manhã de segunda-feira (16) 37,5 mil comentários nas redes sobre o episódio.
O resultado: 35% enaltecem Datena, 25% debocham da situação e citam a "cadeira" como atriz central, 20% criticam o comportamento de Marçal e apenas 15% demonstram empatia por ele.
Até aqui, portanto, foi o tiro de Marçal que saiu pela culatra.
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